O Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) não é política pública para habitação, mas sim uma política que beneficia, ao fim, bancos e construtoras.
Na capital paulista, só 8% das moradias construídas com o programa acolheram famílias de baixa renda. Desde 2010, apenas 4.912 das 56.961 unidades habitacionais finalizadas foram destinadas aquelas famílias que compõem a faixa 1 do programa – famílias com renda de até R$ 1.800,00, segundo dados do Ministério das Cidades.
Em São Paulo a maior parte das moradias foi repassada a beneficiários com renda familiar de até R$ 4.000, classificados na faixa 2 do MCMV. Esse grupo foi contemplado com 35.729 imóveis. As outras 16.320 unidades foram destinadas a famílias alocadas na faixa 3 do programa, com rendimento de até R$ 7.000
O mesmo acontece na distribuição dos investimentos do MCMV. Nos nove anos de existência da iniciativa, o governo federal gastou cerca de R$ 10,7 bilhões no Minha Casa Minha Vida na capital paulista, mas apenas R$ 1,2 bilhão, 11% do total, foi para a faixa 1.
Além de não atender majoritariamente quem mais tem dificuldade de acessar o plano da casa própria, o MCMV, não se propõe, na prática, a ser uma política púbica habitacional, ele traz a ideia de que é o mercado privado que vai ofertar a moradia e que o governo irá financiar tanto a obra, quanto a venda das unidades.
Segundo o governo federal “os recursos do MCMV são do orçamento do Ministério das Cidades repassados para a Caixa Econômica Federal, que é o agente operacional do programa. Para atender à Faixa 1, nas modalidade Empresas e Entidades, a Caixa e o Banco do Brasil analisam e aprovam a contratação dos projetos apresentados pelas construtoras, conforme as diretrizes definidas pelo Ministério das Cidades. A liberação dos recursos ocorre a cada medição de obra”.
Ou seja, são as construtoras que escolhem os terrenos, sua localização, os materiais usados nas obras e apresentam o projeto ao banco em busca do financiamento. Com a decisão na mão das construtoras, as moradias populares são construídas longe dos centros urbanos e do trabalho, por lá terem terrenos mais baratos o que viabiliza uma taxa de lucro maior para a construtora.
“As construtoras que se engajaram no MCMV, para produzir unidades de habitação em massa, foram aquelas que abriram capital na bolsa de valores, captaram dinheiro em fundos de investimento internacional. Os fundos de investimento entraram com tudo nesse segmento econômico de moradia. O MCMV é a exacerbação máxima de uma lógica de mercado, tanto é que o programa foi pensado para ser uma ação de fomento à indústria da construção civil, num momento de crise econômica”, lembrou a urbanista e professora da FAU/USP Raquel Rolnik.
Os mais pobres passaram a ter acesso a empréstimos bancários que garantiram a entrada deles no mercado imobiliário, ao mesmo tempo em que as políticas públicas de habitação são desmontadas. O Estado destruiu qualquer política de moradia que não fosse o fomento à compra da casa própria.
GIRASSOL
Exemplo da situação implementada pela política adotada com o MCMV é o condomínio Village do Girassol, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, erguido pelo programa em 2008, e acaba de ser condenado pela Defesa Civil do município por risco de desabamento.
Construído na periferia da região metropolitana do Rio, com materiais de segunda categoria, o complexo tem rachaduras em todos seus 20 prédios e foi interditado. Quase a metade dos moradores já abandonou o condomínio.
A Justiça Federal determinou, em março, que a Caixa Econômica Federal fizesse o conserto de todos os defeitos do condomínio. Até lá, as taxas e as parcelas do financiamento teriam que ser suspensas. A liminar também decidiu que as famílias desalojadas recebam um aluguel até a conclusão da obra. Mas até o momento não há obras nos reparos e os moradores não receberam o dinheiro.
Segundo Rolnik “apesar dos muitos bilhões de reais em subsídios públicos, o MCMV não impacta a segregação urbana existentes, apenas a reforça, produzindo novas manchas urbanas monofuncionais ou aumentando a densidade populacional de zonas guetificadas já existentes”.
MAÍRA CAMPOS