No seu artigo, do qual seguem os principais trechos, a colunista do portal Common Dreams descreve o Memorial Nacional pela Paz e Justiça, localizado no Alabama e com foco nos milhares de negros linchados no Sul dos Estados Unidos. O memorial acaba de ser inaugurado.
ABBY ZIMET
Desde o final do século XIX até os anos 1950, mais de 4.000 negros americanos, muitos no Sul, foram linchados pelos mais singelos dos ‘crimes’. Entre as vítimas de assassinatos documentadas estão um homem que seguiu passos da mulher de seu patrão, um homem que usou uma linguagem inapropriada com uma mulher branca, uma mulher que advertiu crianças brancas por estas lhe haverem atirado pedras, uma mulher acusada de ter roubado um pernil, um homem que rejeitou o preço oferecido por um mercador branco por suas sementes de algodão, um homem que não usou o termo ‘mister’ ao se dirigir a um policial e um operário em construção que pediu a um colega branco que lhe devolvesse sua pá. A cada linchamento, centenas ou milhares de pessoas brancas vinham nas suas melhores domingueiras para assistir.
Posavam sorridentes para fotos, junto com suas crianças, desfrutavam de piqueniques e limonadas e algumas vezes, mais tarde, arrastavam o corpo através dos bairros negros, cortando e coletando partes do morto como suvenires. Esta, diz Bryan Stevenson, é a “história da América que muito poucos conhecem ou querem reconhecer”.
Em 25 de abril, houve a inauguração, na cidade de Montgomery, Alabama, do Memorial Nacional pela Paz e Justiça, um museu ao ar livre dedicado aos negros vítimas de linchamento. Um projeto de Bryan Stevenson e do escritório de apoio jurídico Iniciativa Igualdade e Justiça (EJI). O memorial tem 805 colunas de ferro oxidado, suspensas, como corpos à altura do olho, dispostos geometricamente em uma colina gramada. Cada coluna traz nomes de negros linchados em 12 Estados entre os anos de 1877 e 1950 e o município onde foram assassinados. Uma vez que os linchamentos surgiram como consequência direta da escravidão – outro capítulo obscuro e ignorado da história americana – a entrada da exibição é tomada por uma escultura com escravos angustiados em algemas e correntes. Um museu do legado que acompanha a exibição conecta os pontos do racismo nos Estados Unidos, desde a escravidão até o encarceramento em massa e a ação policial de hoje.
O memorial foi localizado propositalmente em Montgomery, uma cidade formada em meio à escravidão onde mercados e armazéns de escravos se espalhavam no seu centro. No dia da inauguração do memorial, a pimeira página do jornal local, Montgomery Advertiser, trazia os nomes das centenas de vítimas linchadas com os títulos: ‘Tempo de Encarar o Passado” e ‘Vergonha: Os pecados de nosso passado postos a nu para que todos vejam’. O jornal também iniciou uma série de artigos denominada “Legado dos Linchamentos” – a impunidade diante do sofrimento humano, as histórias das vítimas, e a prolongada indiferença diante daquilo que o jornal chama de “o terror”.
Para Stevenson, o objetivo, especialmente em um tempo de divisões raciais inflamadas, é quebrar a indiferença.
Com visitantes emocionados lotando o local da exposição – descrevendo-a como “devastadora…horrível…assombroso…de partir o coração” – que “segura os visitantes pela garganta mas com o cuidado de não afastá-los”; ele espera que se torne “um lugar de cura… o início de um processo verdadeiro de verdade e reconciliação, mas com a verdade em primeiro lugar”.
Stevenson destaca a necessidade “de se reconhecer quando nós não fazemos aquilo que se espera de nós” – confrontar um passado profundamente racista agora espelhado no encarceramento em massa, na brutalidade policial e numa retomada da ideologia da supremacia branca e dos relatos sobre corpos negros à volta.
Os paralelos ressoam em um espaço destinado à reflexão dedicado a Ida B. Wells, uma professora, jornalista, sufragista, pioneira dos direitos humanos e ativista muito presente, agora novamente homenageada com uma rua, um monumento e merecedora de um obituário tardio [8 de março de 2018] em um New York Times que em uma ocasião a chamou de “uma mulata difamadora de mentalidade desagradável”. Nascida escrava em 1862, Wells tonou-se a primeira pessoa a pesquisar e documentar 700 linchamentos no Sul – viajando sozinha, armada com uma pistola – para desafiar a narrativa da mídia predominante de que os homens negros eram estupradores e que os linchamentos eram justiça. Uma pioneira que antecipou os ativistas da organização Black Lives Matter [Vidas Negras Importam], ela designou os linchamentos de “assassinatos determinados pela cor” em um contundente pronunciamento no ano de 1909 à Conferência Negra Nacional, destacando: “Somente sob aquelas estrelas e faixas [referindo-se à bandeira norte-americana] o holocausto humano é possível”.
“Queremos que todos entendam essa história” afirma o persistente Bryan Stevenson. “Há uma América melhor nos aguardando”, finaliza.