Para especialistas, ação do governo pretende oficializar a exploração que já está acontecendo ilegalmente
Em mais uma ação para favorecer e estimular a escalada do garimpo no país, o governo de Jair Bolsonaro publicou, no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (14), o Decreto nº 10.966, que institui o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala – Pró-Mapa. Sob o pretexto de incentivar a “mineração artesanal e em pequena escala”, conforme o texto, o que o governo pretende de fato é incentivar, orientar e ampliar a presença dos exploradores de minérios na Amazônia Legal.
A medida constitui um ataque ao meio ambiente que deve aprofundar as condições análogas à escravidão vivenciadas por garimpeiros na região, analisam representantes de entidades e movimentos populares que atuam no tema da mineração. Esses grupos criticam ainda o lobby de empresários junto ao governo federal.
“O decreto atende apenas os interesses do atual governo e, em particular, dos empresários que estão financiando o garimpo ilegal aqui na região amazônica”, criticou Isabel Cristina, membro da coordenação nacional do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e integrante do Coletivo Baixo Amazonas/Tapajós.
Isabel, que é moradora da região, questiona o interesse por trás da prioridade estabelecida à atividade justamente na Amazônia: “No artigo 10, o decreto prioriza a exploração mineral apenas na região amazônica. Ou seja, na Amazônia Legal. Qual é o interesse do governo em relação isso? Simplesmente, oficializar a exploração que já está acontecendo ilegalmente”, denuncia.
A técnica chamada de mineração artesanal e em pequena escala pela gestão de Jair Bolsonaro se refere à garimpagem manual. A atividade consiste na extração superficial de minerais, dispensando o uso de máquinas. No entanto, a prática, assim como a atividade em escala industrial, também ocasiona prejuízos ambientais, sociais e de saúde pública para a região. Do ponto de vista ambiental, o garimpo artesanal promove o desmatamento, tira alimentos de peixes nos rios, provoca assoreamento (acúmulo de terra ou lixo no fundo de um rio) e contamina a água com metais pesados, como o mercúrio.
O governo alega que a ideia é lidar com questões sociais e econômicas e “melhorar” as práticas ambientais. “[O plano é] estimular as melhores práticas, a formalização da atividade e a promoção da saúde, da assistência e da dignidade das pessoas envolvidas com a mineração artesanal e em pequena escala”, diz o governo.
Na realidade, trata-se de uma ação para apoiar a lavra garimpeira, principalmente na região amazônica, uma prática que é majoritariamente marcada pela extração ilegal de ouro e pedras preciosas.
No Brasil, há cooperativas de garimpeiros, o que torna a atividade legal. No entanto, em quantidade ínfima, se comparada ao contingente que atua em nível industrial e avança de forma descontrolada, praticando toda sorte crimes, livre de fiscalização e punições da lei. O decreto nada mais é do que um esforço da gestão Bolsonaro para legalizar as ações criminosas de garimpeiros que atuam ilegalmente em terras indígenas e áreas preservadas.
No Congresso, o governo exerce forte e intenso lobby em defesa dos garimpeiros e pressiona por mudanças na Constituição para que seja autorizada a lavra garimpeira dentro de terras indígenas e unidades de conservação ambiental.
O garimpo manual é feito numa escala menor do que o garimpo industrial, mas por ser menos planejado, a exploração manual acaba sendo em alguns casos até mais nociva para a natureza. Especialista em meio ambiente temem pela expansão do garimpo na Floresta Amazônica, pois coloca em risco povos indígenas e populações ribeirinhas.
Segundo a integrante do MAM a medida serve também para “oficializar o trabalho escravo e a exploração do trabalho dessas pessoas, que estão necessitadas, e que veem o garimpo como uma alternativa de sobrevivência”.
A decisão também impacta na agricultura. Sem incentivos para permanecer na atividade, integrantes pobres de comunidades ribeirinhas vêm abandonando o roçado para se dedicar ao garimpo, que oferece alta e rápida lucratividade, enquanto produz graves danos socioambientais e aprofunda a histórica desigualdade social na região.
O decreto de Bolsonaro cria ainda a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape), que tem entre suas atribuições “orientar e coordenar ações” para fortalecer as atividades ligadas ao programa.
O grupo será composto por integrantes dos ministérios da Casa Civil, da Cidadania, da Justiça, do Meio Ambiente e da Saúde e coordenado pelo Ministério de Minas e Energia. Segundo o decreto, a Amazônia Legal será a região prioritária para a atuação da Comape.
O MAM critica ainda o decreto por excluir as comunidades e populações afetadas pelo garimpo e pela mineração das decisões ao estabelecer que “poderão ser convidados representantes de entidades públicas ou de outras instituições para participar das reuniões, mas sem direito a voto nas decisões”.
“Isso serve para fragilizar ainda mais as lutas comunitárias, as lutas dos territórios, ou seja, colocando os indígenas contra os próprios indígenas, os quilombolas contra os próprios quilombolas e as comunidades tradicionais contra as próprias comunidades tradicionais”, afirma. “É um sinal de alerta muito grande. Tempos que aprender e, principalmente, fortalecer as organizações populares de base para enfrentar a organicidade do agrominério”, defende a entidade.
Os dados oficiais do governo mostram que uma eventual liberação da mineração atingiria diretamente 40% de área somente na Amazônia Legal, onde estão as florestas de proteção integral e as terras indígenas. A Amazônia Legal abrange nove Estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão.