
Vera Eunice de Jesus Lima, filha de Carolina Maria de Jesus celebrou a instalação da primeira estátua de uma das maiores escritoras do Brasil e defendeu que ela seja instalada no centro do bairro de Parelheiros, onde ela viveu os últimos 20 anos de sua vida
A professora Vera Eunice de Jesus Lima, filha da escritora Carolina Maria de Jesus, falou sobre a importância da primeira estátua em homenagem à sua mãe ficar na Praça Júlio Cesar de Campos, no centro do bairro de Parelheiros, extremo sul da capital paulista.
Em agosto de 2021, a Prefeitura de São Paulo anunciou que a cidade ganharia cinco estátuas em homenagem a personalidades negras que nasceram ou fizeram história na capital. Serão cinco estátuas espalhadas por praças e parques pela cidade, sendo uma delas a da escritora Carolina Maria de Jesus, que deverá ser instalada em Parelheiros.
Em entrevista à Hora do Povo, Vera destacou a importância que sua mãe tem para a cultura e a arte no mundo, além do vínculo afetivo que Carolina tinha com o bairro de Parelheiros, localizado no extremo sul da cidade de São Paulo, onde viveu por mais de 20 anos até a sua morte. “Minha mãe se sentia feliz em Parelheiros, ela era querida, lá em toda casa”, disse.

A localização da estátua de Carolina proposta inicialmente pela Prefeitura, em um parque linear mais afastado, gerou um descontentamento com a população local. Em um manifesto, moradores de Parelheiros, familiares de Carolina e ativistas culturais defendem que a estátua fique na Praça Júlio César de Campos na região central do bairro e local das principais atividades festivas do distrito. No próximo domingo, às 9 horas, um ato será realizado pela comunidade e coletivos culturais em defesa da instalação da estátua na praça central.
Carolina Maria de Jesus é uma das escritoras mais lidas do país. Lançado em 1960, o seu primeiro livro “Quarto de Despejo” foi um sucesso, vendendo cerca de 3 milhões de exemplares em 16 idiomas. Ela viajou pelo país e atraiu multidões.
A escritora saiu de Sacramento, no interior de Minas Gerais, para tentar a vida em São Paulo, e viveu por muitos anos em Parelheiros. Carolina sobreviveu como catadora de papéis e trabalhou também como doméstica. Nas casas de patrão, fazia suas leituras e nos papéis do lixo escrevia seus diários, onde registrava seu cotidiano e da comunidade que vivia.

Veja a entrevista na íntegra:
HP: O que representa hoje, para a história de sua família, a instalação da primeira estátua da escritora Carolina Maria de Jesus?
Vera: Já faz tempo que eu já digo que Carolina Maria de Jesus não me pertence mais. A Carolina de Jesus pertence ao mundo, ao branco, ao negro, ao indígena, ao adolescente, à criança, à comunidade negra, ao mundo todo, a Carolina é do mundo. Para mim, todas as homenagens são bem vistas, qualquer homenagem eu não meço sua dimensão. Mas uma escultura ou estátua, eu particularmente fiquei bem emocionada, porque eu nunca imaginava nunca na minha vida que a Prefeitura de São Paulo fosse fazer uma estátua para Carolina. Então eu nem digo questão de família, mas em questão do mundo é um orgulho que nós temos de ter a primeira escultura ou estátua de Carolina.
Quando eles me propuseram que iam homenagear cinco personagens negros a Carolina estava no meio, e nós fizemos reuniões, lives e perguntaram pra mim: Vera, onde você quer que seja instalada essa escultura. Eu falei, olha, primeiro lugar veio o Museu Afro, lá no Ibirapuera, porque ali é uma representatividade do negro, da história do negro, ali é nossa casa, além do que a biblioteca de lá tem o nome da minha mãe. Eles falaram que a estátua pertence à Prefeitura, mas o terreno é do Estado. Tinha uma série de trâmites e pra finalizar, o Ibirapuera foi privatizado, então tirou-se de questão. Aí pensou-se em colocar na Biblioteca Mário de Andrade, porque tem pouquíssimas estátuas no centro de São Paulo, inclusive tem a “mãe preta”. E a Biblioteca Mário de Andrade era tudo que a Carolina viveu com a escrita.
Por fim, cogitou-se Parelheiros. A ideia da Prefeitura com isso era que a população comece a valorizar a periferia, de conhecer a periferia… É válido. Uma professora amiga minha falou: “Vera, pede pra colocar no portal de Parelheiros “Aqui começa a Parelheiros”. Eu sugeri e a Prefeitura falou que lá poderia ter vandalismo e não aceitaram o local. Eles falaram pra mim: Vera tem o parque linear em Parelheiros. Olha, eu vivi muito tempo em Parelheiros, mas pra mim aquele parque é novo e eu não conhecia o parque. Mas ouvi falar dele, ao lado do CEU Parelheiros, ao lado da casa da cidadania da mulher, a Prefeitura falou para ser lá. Não vou desmerecer o Parque Linear, porque futuramente pode ser, mas hoje é um lugar que não é nem na avenida, pouco visto, a visibilidade lá é mínima, com pouco acesso. É uma praça comum. No entanto, minha filha falou que a praça da igreja de Parelheiros é um espaço bom, fui ver o espaço e ele é muito bom.
Veja bem, Parelheiros faz parte da vida da minha mãe, eu sempre digo que a minha mãe não foi feliz. Se você for olhar a vida da minha mãe, desde que ela nasceu lá em Sacramento, a vida dela é só tropeços. Eu sempre digo que vi minha mãe muito feliz, quando ela lançou o livro Quarto de Despejo. Ela viu o nome dela gravado no livro, eu vi a felicidade dela. Mas tirando isso, uma das felicidades que eu tenho certeza foi adquirir um sítio em Parelheiros. Ela ficou muito feliz. E em Parelheiros, nós íamos na igreja, nas festas de aniversário da cidade na matriz, tem os comércios solícitos, que ajudaram muito a minha mãe, eu mesmo estudei no Prisciliana, próximo à praça. A minha mãe me deu o diploma em Parelheiros, ela me deu o diploma da quarta série e tinha uns cinemas mudos antigamente, que nós íamos lá assistir esse cinema.
Parelheiros faz parte da nossa vida. Além do que, a estátua ficaria bem na bifurcação do distrito, que pegaria as estradas para Marsilac, Embura, Cipó onde ela está sepultada, Embu-Guaçu, Colônia, Barragem, as áreas indígenas… É um bom ponto de referência. A praça é o centro histórico de Parelheiros e não é uma questão de vaidade nossa, porque se fosse por isso, colocaríamos no centro de São Paulo, mas tem uma história, tem um propósito, a população local, os movimentos sociais, artistas, vereadores, personalidades locais, todos querem que fique na praça, essa é a minha luta hoje!

HP: Quais são as lembranças da sua família e da trajetória de Carolina no bairro de Parelheiros?
Vera: A minha mãe na favela não era aceita, porque era uma pessoa diferente, porque escrevia, gostava de valsas vienenses, não se misturava. Além disso, estava escrevendo a vida deles. Fomos para Santana e minha mãe também não foi aceita. Porque a minha mãe, como eu digo pra todo mundo, tinha tudo pra não dar certo na vida. Negra, favelada, mãe solteira, é uma negra com filhos de homens brancos, um filho de cada pai, pouco estudo, escritora, então ela não foi bem aceita. Mas Parelheiros acolheu, a minha mãe se sentia feliz em Parelheiros. Minha mãe era querida, lá em toda casa, não tinha nenhuma casa que não abrisse e falava pra vir tomar um café. Então eu chamava minha mãe, ela entrava nas casas, ela conversava, ela amou demais Parelheiros.
Tem que ser em Parelheiros também, porque Parelheiros é uma colônia alemã, que também tem indígenas e agora o negro está se sobressaindo por lá, hoje em dia, a maioria das pessoas lá são negras, nem eu sabia disso. A Carolina traz essa visibilidade pra Parelheiros, pro negro principalmente.
E outra coisa que eu digo, tenho feito várias palestras. Faço palestras tanto para pessoas abastadas, como fiz dentro de uma cracolândia, como fiz em Paraisópolis, na comunidade, onde eu vou, a Carolina atinge.
E por que a Carolina atinge? Por causa do sonho, a Carolina tinha um sonho e ela foi atrás. Como eu disse, não tinha nada para favorecê-la, mas foi atrás do sonho. Eu fico imaginando uma estátua, primeira no mundo, em Parelheiros, porque isso vai repercutir no mundo inteiro. Em um centro histórico de Parelheiros, um lugar com uma visualização maravilhosa. O que as crianças vão adquirir com essa estátua? Nossa, olha: negra, favelada, tinha pouco estudo e olha onde ela está hoje… Hoje ela é homenageada com uma estátua, no centro histórico de Parelheiros. Isso para o adolescente, para o negro, para mim, para a família é um um sonho, eu preciso conseguir!
HP: Segundo um estudo do Instituto Pólis, apenas 3% de esculturas e monumentos são dedicados a homenagear a cultura ou personalidades negras. A estátua de Carolina pode alavancar a homenagem de mais pessoas pretas, não só em São Paulo, mas no Brasil?
Vera: É o objetivo! Por exemplo, o estado de Minas Gerais já me falou que quer uma escultura da Carolina lá. É um grande passo para alavancar não só a imagem dos negros, mas dos indígenas, pessoas brancas, que se sobressaem na literatura, na cultura e qualquer coisa que eles se sobressaiam, que recebam uma homenagem nesse teor. Uma estátua, sendo a primeira do mundo, eu nunca imaginaria que minha mãe recebesse uma estátua. No dia que eles falaram, eu fiquei muito emocionada, fiquei porque pra mim é uma homenagem e tanto.
A estátua está muito bonita, não está aquela Carolina triste, ela está empoderada, sentada com um livro na mão, escrevendo no caderno, o vestido dela com folhas de caderno, olhando pro céu, majestosa, está muito bonita a estátua, muito bem feita. Pra mim é um orgulho muito grande e eu gostaria que Carolina fosse a precursora de várias estátuas mesmo, seja Parelheiros, em Cidade Tiradentes… A Cidade Tiradentes até cogitou um busto para ela uma época, no entanto não deu certo, tinham outras prioridades, mas lá tem uma praça com o nome dela. Em Parelheiros já está feita a escultura e é simbólico. Quando eu vi a estátua assim, parece que estou vendo minha mãe ali, eu fiquei tão emocionada. Carolina Maria de Jesus, onde você chegou! Você vive Carolina Maria de Jesus, você está viva!
HP: Quais os próximos passos do movimento para garantir a instalação da estátua na praça Júlio César de Campos?
Vera: Nós montamos um manifesto digital, que já está com duas mil assinaturas. Estamos com um abaixo assinado físico, que também está correndo por Parelheiros, nos comércios, escolas. Atores e atrizes estão fazendo vídeos, a escola de samba Colorado do Brás fez um vídeo também, porque ela foi convidada para no dia da instalação da homenagem da estátua, eles vão entrar com o tema da escola de samba, que será Carolina Maria de Jesus. Uma escola inteirinha homenageando Carolina. Eles vão entrar em Parelheiros, vários atores e atrizes vão contracenar. Apresentar suas peças teatrais. Temos grandes atores em Parelheiros e vão apresentar os seus projetos, os coletivos negros de Parelheiros e de todo lugar já estão se organizando.
Eu mandei o manifesto pra França, Alemanha, Estados Unidos e Espanha, nos respectivos coletivos de mulheres negras escritoras e esses países estão assinando, mandei pro pessoal da exposição do Instituto Moreira Salles (IMS), mandei pras editoras que trabalham com Carolina, mas eu acho que o forte disso tudo é o povo.
O povo está correndo atrás. Já falaram para mim que os pais em Parelheiros estão perguntando: E aí conseguimos? Está dando certo? Nós já tivemos a sinalização da nova secretaria da Cultura, já tivemos uma sinalização do prefeito Ricardo Nunes, também esperamos que os jornalistas deem uma força, estou contando com a força do jornalismo, da mídia, tem muita gente colaborando e é um movimento geral.
Nós queríamos que a inauguração fosse em um final de semana. Eles colocaram em um dia de semana e o pessoal está pedindo pra ser no sábado ou num domingo, porque todo mundo quer participar, lógico que sabemos que estamos em pandemia e vamos seguir todos os protocolos. Conversando com o subprefeito, ele falou que a ideia é colocar banheiros químicos, policiamento, ambulâncias para ser um grande evento. Está tudo bem planejado, já com uma programação, tudo pronto, só estamos esperando o aval que a estátua vem!
Por fim, Vera agradeceu a entrevista e está confiante para que a imagem de sua mãe esteja no centro de Parelheiros.
“Eu agradeço demais o esforço que estão fazendo, o povo de Parelheiros merece, está mobilizado e quer a escultura dela na praça principal do distrito. Como eu disse, a Carolina não é só minha, é do mundo. Parelheiros se desenvolve como polo ecoturístico, será fundamental e uma honra essa homenagem a ela, será de uma grande valia essa estátua”, concluiu.
TIAGO CÉSAR
Veja o manifesto na íntegra:
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeFEdEyrAzB9QnuGF4ghSCboGuXqcl269tTHLpfkkb4gm5Ctw/viewform