Cerca de 90% das áreas de potássio pesquisadas na Amazônia estão fora das terras dos índios. Portanto, não passa de cinismo do “mito” usar guerra para tentar legalizar o garimpo nas aldeias
Jair Bolsonaro não tem o menor compromisso com a verdade. Aproveita-se da crise de abastecimento de potássio, substância usada em fertilizantes para o agronegócio, por parte da Rússia, em função das sanções econômicas impostas ao país pelos EUA e seus aliados, para defender a mineração em terras indígenas. Bolsonaro defende a aprovação do Projeto de Lei n° 191 de 2020 que permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas.
A mentira está no fato de que a maior parte das reservas potenciais de potássio existentes na Amazônia não está em terras indígenas. Não há, portanto, nenhuma necessidade da aprovação deste projeto para resolver o problema do abastecimento do potássio. O que Bolsonaro quer é atazanar a vida dos índios brasileiros.
IMPORTAÇÃO DE FERTILIZANTES
O Brasil tem um consumo anual de cerca de 40 milhões de toneladas dos três componentes principais dos fertilizantes, nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). O país importa 96,5% do cloreto de potássio que utiliza para fertilização do solo. O Brasil também ostenta o título de maior importador mundial de potássio, com 10,45 milhões de toneladas adquiridas em 2019, de acordo com dados do Ministério da Economia. Atualmente, de acordo com dados da Embrapa, 50% da importação do insumo vem da Rússia e de Belarus.
A produção nacional de potássio é de 2,4 milhões de toneladas e está concentrada em Sergipe, onde está o complexo Mineroquímico Taquari-Vassouras, em Rosário do Catete (SE). Ali são produzidos cerca de 2 milhões de toneladas. Minas Gerais produz as outras 400 mil toneladas de potássio, através da empresa brasileira Verde AgriTech.
O jornal Estadão acaba de divulgar um estudo que mostra que, no Amazonas, onde Bolsonaro quer atacar os índios, a maioria das principais minas de potássio está localizada fora de terras indígenas. Desde a foz do Rio Madeira, que deságua no Rio Amazonas, passando por municípios como Autazes, Nova Olinda do Norte e Borba, há dezenas de áreas, em diferentes etapas de pesquisa mineral. A grande maioria delas fora das terras indígenas. Entre as minas que estão na Amazônia, apenas 11% se sobrepõem a terras indígenas ainda não homologadas, segundo dados do próprio Ministério de Minas e Energia.
O levantamento mostra que é pequeno o número de blocos de exploração que teria impacto direto em terras demarcadas, como ocorre na região de Nova Olinda do Norte, em áreas que estão em fase de pesquisa na região das terras indígenas Gavião, Jauary e Murutinga/Tracajá. E mesmo assim, a única coisa que a lei determina nesses casos é que sejam feitas audiências públicas para que sejam reduzidos os impactos ambientais.
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luís Maurício Ferraiuoli Azevedo afirmou que a questão indígena não tem sido entrave aos projetos. “O que nós vemos são essas áreas de amortecimento no entorno das minas, não impacto direto. A prova está aí, nos dados. O que é preciso é que haja uma análise técnica de cada empreendimento, apenas isso”, disse ele.
NÃO HÁ PROBLEMAS EM TERRAS INDÍGENAS
Quando um empreendimento é instalado numa área próxima a terras indígenas e comunidades ribeirinhas, situações comuns ao longo do Rio Madeira, é preciso que se contemple medidas para reduzir os impactos. Para chegar a um acordo sobre compensações ambientais, realizam-se audiências públicas previamente à instalação do empreendimento. Isso não significa, portanto, que ele seja inviável. Basta que se cumpra a lei.
Os entraves não são as terras indígenas. O problema é que os direitos de lavra de potássio na região estão nas mãos de apenas duas empresas. Uma, a Potássio do Brasil, é controlada pelo banco canadense Forbes & Manhattan. Ela detém o direito de lavra, mas não explora. Não há interesse em explorar.
A outra empresa é a Petrobrás. Ela tem o direito de lavra mas também não produz. E não produz porque a atual direção da empresa distribui praticamente todo o lucro obtido com exportação de petróleo bruto para seus acionistas, na maioria estrangeiros, e não investe em nada, ao contrário, desinveste. Há dez anos com direito de lavra do potássio, ela não produz uma grama do produto. A empresa está sendo esquartejada e suas subsidiárias vendidas para grupos estrangeiro.
O fertilizante é um produto que fornece nutrientes para as plantas. O Brasil era autossuficiente até a década de 1990, quando começaram as privatizações, principalmente a da Vale do Rio Doce, que produzia cloreto de potássio. Entre 1998 e 2018, o consumo de fertilizantes potássicos quase triplicou, enquanto a produção de cloreto de potássio diminuiu no país.
Segundo os pesquisadores Raoni Rajão e Everaldo Zonta, o país tinha independência de potássio até 1990. “Vem desde a privatização da Vale, que era a grande produtora. O aumento da produção de alimentos, que hoje mantém a balança comercial positiva, se deve ao aumento no consumo de fertilizantes, mas a produção nacional não seguiu a mesma linha”, analisa Zontab.
Em 2017 e 2018, o país era capaz de produzir 8,2 milhões de toneladas de fertilizantes, volume que caiu a 7,2 milhões de toneladas em 2019 e a 6,5 milhões de toneladas em 2020. “O Brasil, nos últimos 40 anos, ficou sem uma política estratégica para o setor de fertilizantes e de insumos agrícolas em geral. A consequência disso é que o Brasil se desindustrializou. A cadeia de fertilizantes encolheu 33% nos últimos 20 anos, enquanto a demanda explodiu 400% nesse período”, afirma José Carlos Polidoro, da Embrapa Solos.
“Isso fez com que a nossa dependência de importações saísse de 20% há 20 anos para os atuais mais de 80%. Para o Brasil, que depende do agro, isso é um risco muito grande, chega a ser uma questão de segurança nacional e alimentar”, acrescentou o especialista.
PRIVATIZAÇÕES E DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Mesmo com uma dependência de importação de 85% do consumo de fertilizantes, a Petrobrás acabou de vender para a empresa russa Acron a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Mato Grosso do Sul. A estatal colocou a unidade à venda em setembro de 2017, alegando que não tinha mais interesse em seguir no segmento de fertilizantes.
Ou seja, o governo destrói toda a estrutura produtiva brasileira e aumenta a dependência do país aos importados. No caso dos fertilizantes essa prática é escandalosa.
O problema, portanto, não tem nada a ver com reservas de potássio em terras indígenas. Ao invés de resolver o problema, ou seja, fazer o investimentos para que a Petrobrás inicie a produção, ao invés de obrigar a empresa canadense [Potássio do Brasil] a produzir ou abrir mão da jazida, o governo Bolsonaro quer se aproveitar da crise dos fertilizantes para atacar as terras indígenas, permitindo a expansão dos garimpos e outras atividades lesivas ao meio ambiente e à vida das populações indígenas.
“Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira. Nosso Projeto de Lei 191 ‘permite a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas’. Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, disse ele.
Como se pode ver nesta declaração, feita na semana passada, Bolsonaro mente sem a menor cerimônia. Diz que os locais mais importantes para extração de potássio do Brasil estão bloqueados por estarem dentro de aldeias. Os dados mostram que isto não corresponde à verdade. Ou seja, é mentira. E, um presidente sério não pode mentir desta forma para sua população.
SÉRGIO CRUZ