Sistema lançado pela CMO (Comissão Mista do Orçamento) deixa como optativa a divulgação do nome de quem indicou recursos. Trata-se de um “passa moleque” no Supremo
A cúpula do Congresso Nacional manteve em segredo, os verdadeiros padrinhos das emendas do chamado “orçamento secreto” e deixou os recursos à mercê dos acordos com o governo, em troca de votos no Legislativo. A CMO (Comissão Mista de Orçamento) lançou, quarta-feira (9), sistema para registrar a indicação das verbas, exigência do STF (Supremo Tribunal Federal), mas a divulgação do nome dos parlamentares que apadrinham os recursos se tornou optativa.
Trata-se, pois, de manobra, por óbvio para manter o sigilo dessa nova anomalia criada nesta era bolsonarista.
O movimento contraria decisão do Supremo, que determinou ampla publicidade às indicações. Revelado no ano passado pelo Estadão, o “orçamento secreto” somará R$ 16,5 bilhões em 2022. Deste total, R$ 11,5 bilhões ficarão com a Câmara e R$ 5 bilhões com o Senado. Os recursos são carimbados por parlamentares, que escolhem a destinação para beneficiar redutos eleitorais, e liberados pelo governo em troca de apoio político.
Deputados e senadores poderão cadastrar as indicações no sistema, apontando as ações e os municípios que devem receber o dinheiro. Não há, no entanto, critérios claros para o rateio da verba. Caberá ao relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), dar o parecer sobre as propostas.
INDICAÇÃO DE RECURSOS
Prefeitos, governadores, instituições privadas e cidadãos comuns também poderão indicar recursos. Para especialistas ouvidos pelo Estadão e parlamentares contrários a esse modelo, aí está a brecha para que os verdadeiros padrinhos permaneçam ocultos.
Dessa forma, a verba pode ser carimbada por quem vai recebê-la escondendo o verdadeiro dono da escolha.
Além disso, a emenda pode ficar sob o nome do próprio relator, a critério dos parlamentares. Nos últimos dois anos, o governo distribuiu esses recursos sem deixar claro quem seria beneficiado.
Atualmente, a liberação da verba está sob controle do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro-chefe da Casa Civil, o senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), que são líderes do Centrão no Congresso.
DEFINIÇÃO
O impasse está no Senado, onde o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ainda não definiu a distribuição das verbas. Senadores cobram decisão até o fim desta semana, pois querem saber quais partidos serão privilegiados nas escolhas. “Todas [as indicações] terão identificação. Será obrigatório porque haverá a indicação de um parlamentar”, disse o relator do Orçamento, deputado Hugo Leal.
O deputado admitiu, no entanto, que, no caso das indicações de prefeitos, governadores e entidades, a identificação do congressista será opcional.
“Este campo não terá incidência obrigatória”, observou. A brecha causou críticas de parlamentares que são contra a dinâmica do “orçamento secreto” e ficam fora dos acordos da cúpula do Congresso.
“Isso é uma coisa que tem de ser obrigatória. Isso não é uma coisa que tem de ser facultativa porque mostra claramente que o Orçamento está capturado por forças estranhas e uma ‘nuvem negra’ que a gente nem sabe”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).
PRIVILEGIAR ALIADOS DO GOVERNO
Outro problema apontado pelos órgãos de controle que julgaram o “orçamento secreto”, no ano passado, é que os recursos privilegiam aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com os congressistas, essa dinâmica não mudará, apesar de a tentativa de aumentar a transparência.
“Não vá se iludir quem é oposição e a base do governo vão receber da mesma forma do que quem dá sustentação ao governo”, disse o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-presidente da CMO.
O lançamento do sistema sobre as indicações das verbas ocorreu na semana em que se encerra o prazo de cumprimento da decisão do Supremo para dar transparência aos dados das atuais emendas e daquelas liberadas em 2020 e 2021.
Na prática, o movimento pode provocar novo questionamento sobre os recursos, que chegaram a ser suspensos no ano passado.