Na contramão do mundo, Bolsonaro privatiza os gasodutos construídos pela Petrobrás. Nem nos Estados Unidos, maior produtor mundial, isso ocorre
O governo Bolsonaro negocia com o fundo norte-americano EIG Global Energy Partners a venda da totalidade das participações da Petrobrás na Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) e na Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB).
A direção da Petrobrás confirmou na última terça-feira (15) que recebeu proposta vinculante dos norte-americanos, “que deverá ser apreciada pela Diretoria Executiva da Petrobrás para, em caso de aprovação, iniciar a fase de negociação”, disse em comunicado.
A Petrobrás detém hoje 51% das participações da TBG e de 25% na TSB. O governo não confirmou os valores que envolvem a operação, mas segundo reportagem da Reuters, a EIG deve pagar entre 500 milhões de dólares e 1 bilhão de dólares pela participação da Petrobrás na TBG. .
O gasoduto Bolívia-Brasil está presente no principal eixo econômico do país, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul. O gasoduto tem extensão de 2.593 km, com capacidade de transporte de até 30 milhões de m3/dia e um adicional de 5,2 milhões de m3/dia no trecho em São Paulo. Já a TSB localiza-se no Rio Grande do Sul, com 50 km de dutos já instalados e um projeto de 565 km adicionais que, concluído, permitirá a conexão dos campos de produção na Argentina à região metropolitana de Porto Alegre e ao gasoduto da TBG.
A Nova Lei do Gás, aprovada em março de 2021 pelo Congresso Nacional, deu aval para a obrigatoriedade da privatização dos gasodutos da Petrobrás, assim como ficará impedida de participar em qualquer outra empresa do segmento de transporte de gás. Como já foram privatizadas os gasodutos TAG e a NTS, só restou o Gasoduto Bolívia-Brasil.
Segundo o art. 5º, parágrafo 1º, ficou vedado “a relação societária direta ou indireta de controle ou de coligação, nos termos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, entre transportadores e empresas ou consórcio de empresas que atuem ou exerçam funções nas atividades de exploração, desenvolvimento, produção, importação, carregamento e comercialização de gás natural”, diz o texto.
Mais uma vez, a ação do governo vai na contramão do mundo. Nos EUA, Rússia, Irã, Qatar, China e Noruega não há impedimento legal de empresas produtoras terem participação relevante em transportadoras. Em síntese, o novo marco legal do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi criado para privatização das empresas de transporte e distribuição da Petrobrás.
No mundo todo é normal e estratégico que empresas estatais cuidem das redes de transporte de gás natural, como destaca o engenheiro aposentado da Petrobrás e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, Paulo César Ribeiro Lima.
“Na Rússia, a estatal Gazprom é proprietária da maior rede mundial de transporte de gás natural, que, em sua maioria, é parte do Sistema Unificado de Fornecimento de Gás da Rússia (Unified Gas Supply System – UGSS)[2]. O UGSS engloba a produção, o processamento, o transporte, a estocagem e a distribuição na porção europeia da Rússia e na porção leste da Sibéria. O sistema garante o contínuo suprimento de gás para o consumidor final”, lembrou. “Nem nos Estados Unidos, maior produtor mundial, isso ocorre”, afirmou.
“Nos outros três maiores produtores mundiais de gás natural: Irã, Qatar e China, o transporte de gás natural é feito basicamente por empresas estatais. Também merece destaque a Noruega, oitavo maior produtor de gás natural em 2019, cujo modelo do setor petrolífero tem sido referência no cenário internacional. Nesse país, o transporte é centralizado principalmente na empresa estatal Gassco AS”, escreveu em seu artigo. “O Brasil na contramão do mundo na desverticalização absoluta no transporte de gás natural”, concluiu.
TAG e NTS ENTREGUES A ESTRANGEIROS
Em 2019, Bolsonaro vendeu 90% da participação na Transportadora Associada de Gás S.A (TAG), então subsidiária da Petrobrás, para o consórcio formado pela franco belga Engie e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ). O gasoduto opera e administra um sistema de gasodutos, construídos pela Petrobrás, com cerca de 4,5 mil km de extensão, localizados principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, com capacidade instalada de 75 milhões de metros cúbicos diários. A privatização do gasoduto foi concluída em março do ano passado, com a transferência dos 10% restante.
Dois anos antes, a NTS (Nova Transportadora do Sudeste), também da Petrobrás, foi entregue para o fundo canadense Brookfield Infrastructure Partners (BIP). A subsidiária controlava a malha de gasodutos mais estratégica do país: 2.000 quilômetros de dutos que interligam toda a região Sudeste. A Brookfield levou a empresa por apenas US$ 4,23 bilhões, sendo US$ 2,59 bilhões em ações e US$ 1,64 bilhão em títulos de dívida.
Com a venda dos gasodutos, a Petrobrás está pagando bilhões a especuladores estrangeiros para transportar o gás, alugando os gasodutos construídos por ela.
Segundo a Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás), “um valor de aproximadamente 1/6 (um sexto) do efetivamente recebido pela venda da NTS foi gasto com o aluguel dos próprios gasodutos em apenas um trimestre. Isso significa que, mesmo não levando em consideração nenhuma taxa de desconto ou correção monetária, todo o valor recebido pela venda da NTS terá sido pago em alugueis em apenas 18 meses”.