Em gravação, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que recebeu um “pedido especial” de Jair Bolsonaro para entregar recursos do Ministério para Prefeituras escolhidas por pastores evangélicos.
Os pastores envolvidos, Gilmar Santos e Arilton Moura, não têm nenhum cargo no Ministério, mas são quem escolhem quais locais serão beneficiados com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
“A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, disse Milton Ribeiro em um áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo.
“Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, continuou o ministro.
“Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível] é apoio sobre construção das igrejas”, completou.
Também aparecem falando na gravação o próprio pastor Gilmar e Arilton Moura. Os dois têm negociado a distribuição dos recursos da Educação pelo menos desde janeiro de 2021, apesar de não serem funcionários do governo.
Eles enviam o dinheiro do FNDE para obras em creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos apenas para as Prefeituras de amigos e aliados.
Antes mesmo do áudio vir à tona, gestores e assessores da Educação falaram ao Estadão que os pastores Gilmar e Arilton conversavam sobre a distribuição das verbas em hotéis e restaurantes.
Depois de decidirem, entram em contato com o ministro Milton Ribeiro para que ele apenas passe a informação para o FNDE, que já reserva os recursos que serão transferidos.
Os dois pastores evangélicos também intermediaram reuniões entre prefeitos aliados e o ministro da Educação. Foi o caso do prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC), que fez uma reunião com Milton Ribeiro na casa do ministro, em Brasília, e disse: “Milton Ribeiro é pastor evangélico, amigo de outros pastores. Por causa desses amigos, estivemos juntos”.
Os pastores Gilmar e Arilton, assim como o Ministério da Educação, a Presidência e o FNDE, não se manifestaram sobre o caso.
O esquema paralelo é ilegalde e o esquema no Ministério da Educação é semelhsnte ao que foi descoberto dentro do Ministério da Saúde.
Desde o começo da pandemia, Jair Bolsonaro indicou médicos negacionistas e falsos pesquisadores para ditarem como seria o “enfrentamento” do governo federal ao coronavírus.
Dessa forma, por exemplo, a médica Nise Yamaguchi conseguiu participar de uma reunião com o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, e com o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e propôs mudar a bula da cloroquina e inserir a falsa informação de que a droga servia para o tratamento de Covid-19.
Torres e Mandetta rechaçaram a medida negacionista de Nise Yamaguchi. Esse esquema ficou conhecido como “gabinete paralelo”.
REPERCUSSÃO
Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o “gabinete paralelo” no Ministério da Educação “é caso de demissão e, depois de um processo, é caso de cadeia” para o ministro Milton Ribeiro.
“Esse ministro nunca tinha que ter entrado, mas, considerando o histórico do Bolsonaro, o mais provável é que ele receba uma medalha”, disse.
“A gente vê aí uma repetição da estrutura de gabinete paralelo que nós encontramos na saúde durante a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]. Lá você também tinha interferências de lobistas que passaram primeiro pelo gabinete do presidente da República e depois obtinham vantagens no tratamento do ministério. Naquela época era na saúde, agora, é na educação”, comparou.
Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), o mais importante do caso é que Milton Ribeiro admitiu que “prioriza amigos de um pastor na liberação de verbas por ordem direta de Bolsonaro”.
“O Brasil precisa juntar o que resta de seus pudores republicanos para enfrentar e varrer essa corja do poder. O país não aguenta mais!”, completou.
A bancada do PSol anunciou que vai protocolar no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Ministério Público Federal (MPF) uma representação contra Milton Ribeiro e os pastores Gilmar e Arilton.
“A troco de que esses dois pastores, que não têm cargo no governo federal e não ocupam função pública, estariam legitimados pelo presidente Bolsonaro como interlocutores de prefeitos junto ao gabinete do ministro da Educação, que também é chefiado por um pastor?”, questionou a líder do partido, Sâmia Bomfim (SP).
O deputado Ricardo Silva (PSB-SP) protocolou um requerimento de convocação de Milton Ribeiro para prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados. O deputado afirma que o caso precisa ser investigado, pois “a prioridade de envio de verbas deve ser analisada por aspectos técnicos, e não por interesses políticos ou motivos individuais”.
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) disse que apoia a convocação. Na gravação, Milton Ribeiro “confessa a promíscua relação entre interesses privados e recursos públicos em sua pasta”, comentou.
A deputada estadual Isa Penna (PCdoB-SP) afirmou que “o governo virou quintal do Vivendas da Barra”, se referindo ao condomínio em que morava Jair Bolsonaro e outros criminosos do Rio de Janeiro.
“O áudio vazado de Milton Ribeiro, Ministro da Educação, confirma que existe (também) um gabinete paralelo na educação, com verbas favorecidas aos ‘amigos do Presidente’. Mais um caso de corrupção e nada vai acontecer com o clã Bolsonaro!”.