“Meta de Putin é criar uma zona de segurança em torno de suas fronteiras”, diz Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da ESG, em entrevistas à CNN
O professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra e pesquisador sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Ronaldo Carmona, avaliou na terça (22) e quarta-feira (23), em entrevistas à rádio e à TV CNN, que os dois grandes objetivos militares da Rússia no atual conflito, que, segundo ele, estão próximos de serem atingidos, são o controle da região sul do país – norte do Mar Negro – e o cerco à capital Kiev.
ZONA DE SEGURANÇA NA FRONTEIRA
Atingidos esses dois objetivos, segundo o analista, estarão dadas as condições para uma negociação de paz que leve em conta as exigências da Rússia – que foram negligenciadas pelas potências ocidentais – que são o fim da expansão da OTAN (aliança militar liderada pelos EUA) em direção às suas fronteiras e a interrupção da limpeza étnica contra a população ucraniana de origem russa, levada a cabo por grupos nazistas abrigados no Estado ucraniano e estimulados pelo governo de Kiev.
O grande objetivo estratégico da Rússia que, segundo Carmona, “não é nenhum segredo e já foi proclamado e está sendo proclamado há muitos anos, é criar uma zona de segurança em torno de suas fronteiras, sobretudo a sua fronteira mais sensível que é a Ucrânia”. Após o golpe de 2014, apoiado pelos EUA, que derrubou o governo eleito, “o pais tornou-se uma área altamente estratégica onde um controle por parte da OTAN deixaria a Rússia bastante vulnerável”, explicou.
“Este é o sentido mais profundo, do ponto de vista geopolítico e geoestratégico da guerra, na ótica de Moscou”, destacou Carmona.
Ele considerou pouco precisas as análises de que estaria havendo uma demora acentuada no atingimento dos objetivos militares por parte das tropas da Rússia. “Estamos falando da segunda maior potência militar do planeta, mas é preciso compreender da dinâmica da guerra”, disse ele.
SEM CONFRONTOS EM REGIÕES URBANAS
Na opinião do professor da ESG, as forças russas estão tentando atingir seus objetivos militares provocando o menor dano possível à infraestrutura urbana e às populações civis. “As forças militares russas têm objetivos específicos e estão evitando confrontos militares em regiões urbanas”, explicou.
Segundo o especialista, não há dados que sustentem a tese de que os objetivos da Rússia sejam anexionistas. Em sua opinião, apesar de não ter todos os dados para uma análise mais profunda, não parece que os russos estejam interessados em anexar territórios, mas sim, de criar condições militares para forçar uma negociação onde seus interesses estratégicos sejam garantidos. E estes interesses estão relacionados à proteção de suas fronteiras e a contenção das ambições expansionistas da OTAN.
“Já do ponto de vista ocidental terão que ser tiradas lições de tudo isso”, diz o professor. Em sua opinião, não parece que o episódio criará a médio prazo uma maior unidade entre os países que estão estabelecendo sanções à Rússia. “Nem dentro dos EUA há unidade em torno da abertura de um confronto dessas dimensões com a Rússia”, afirmou Carmona.
Ele citou como exemplo dessas dissenções, segmentos acadêmicos americanos, como é o caso do professor John Maersheimer, de Chicago, e os próprios eleitores de Donald Trump, que têm apresentado uma visão crítica em relação à participação americana no confronto.
Segundo Ronaldo Carmona, “a batalha militar que se trava hoje em solo ucraniano, na verdade, é uma batalha que tem relação com um fenômeno mais amplo, ou seja, uma grande reorganização de forças que o mundo observa em escala internacional e que vai ter grandes impactos para a geopolítica mundial e para as relações internacionais nos próximos anos”.
MAIOR AUTONOMIA DA EUROPA
“A viagem de Joe Biden à Europa se dá num momento em que a Europa se debate sobre o seu reposicionamento”, acrescenta o especialista.
“Até pouco tempo atrás havia uma discussão sobre a continuidade do próprio mandato da OTAN, da validade mesmo da OTAN”, destacou. “No ambiente europeu hoje há um grande debate sobre uma maior autonomia em relação aos EUA”, prosseguiu Carmona. “Por exemplo, a dependência europeia, em especial da Alemanha, relacionada à questão energética, é algo que chama muito a atenção”, observou.
“A Alemanha, o coração industrial da Europa, é altamente dependente de produtos da área energética da Rússia. 40% do gás consumido no país vem da Rússia”, apontou. A pressão dos EUA para que os países da Europa deixem de comprar petróleo e gás da Rússia trará grandes problemas para todos os europeus, particularmente para a Alemanha. “Então há um forte debate sobre a necessidade de maior autonomia estratégica”, destacou.
Este debate, apontado pelo analista do Cebri, está momentaneamente abafado, em razão da guerra. Diante da orquestração anti-russa, desencadeada pela máquina de propaganda dos EUA e seus satélites, há uma aparente unidade europeia e transatlântica. Todavia, toda essa discussão sobre as vantagens e desvantagens da perda de autonomia da Europa, tende a retornar com força assim que a poeira baixar.
ALIANÇA RÚSSIA/CHINA
“Na verdade”, disse o professor, “o mundo vive um grande reposicionamento, um grande rebalanceamento de forças”. “Essa aliança Rússia/China, que vem se fortalecendo, tem grandes impactos nas relações internacionais”, salientou o analista da ESG. “Se nós formos ver os clássicos americanos da geopolítica”, diz Carmona, “o pior dos mundos para eles é uma aliança entre China e Rússia que poderia acabar incorporando a própria Europa”.
E é exatamente isso o que estava ocorrendo. “O próprio fato da Alemanha ter aprofundado as relações econômicas com a Rússia significa uma mudança mais ampla de correlação de forças mundiais no sentido de um mundo mais multipolar, com mais polos de poder mundial”, explicou.
É exatamente por causa dessas mudanças no mundo, que estão pondo em cheque a supremacia americana, que o império se torna agressivo, mas, ao mesmo tempo, fraco. “Essa é uma discussão, inclusive que interessa muito ao Brasil, pelo fato de sermos um grande país e termos os nossos interesses nacionais a serem observados”, apontou Carmona.
Sobre o teatro da guerra, na avaliação do professor da ESG, neste momento, o objetivo militar central da Rússia é o controle da cidade de Mariupol. Segundo ele, isso permitirá à Rússia um domínio maior do Mar Negro, que é uma região altamente estratégica, por onde circula inúmeros recursos minerais, energéticos, mercadorias, etc.
Ele explicou que, em sua operação de desmilitarização da Ucrânia, as forças russas executam várias ações com objetivos diferentes. Por exemplo, em torno da capital Kiev o objetivo é político, é de cercar a capital e criar uma situação que force a negociação. Mas, o controle de Mariupol, militarmente, é mais importante, explica o professor.
É UMA QUESTÃO DE DIAS EM MARIUPOL
Carmona considera que a cidade de Mariupol, bloqueada por terra e por mar, será levada à rendição. A Rússia vem usando a estratégia de cerco, em que suas forças não usam a mesma violência destrutiva que foi utilizada, por exemplo, pelos americanos na Iugoslávia ou no Iraque. Nestes tristes episódios, houve uma agressão direta às cidades, com intensa destruição urbana e mortes de civis.
Na avaliação do especialista da ESG, “é uma questão de dias para que Mariupol colapse”. Dentro desse mesmo raciocínio, o professor analisa que o próximo objetivo será a cidade portuária de Odessa onde, segundo ele, “já há ações militares e a cidade já está bloqueada por mar”.
Odessa é uma cidade que fica no sul da Ucrânia onde os nazistas, fortalecidos pelo golpe de 2014, queimaram vivos 43 pessoas que protestavam contra o governo e pediam democracia. O crime ocorreu dentro da sede dos sindicatos dos trabalhadores da cidade e ficou conhecido como o “massacre de Odessa”.
Na avaliação do professor e analista, a OTAN tem apoiado a Ucrânia com treinamentos e, mais recentemente, com o fornecimento de armas e suprimentos. E, até mesmo com pessoal militar, na forma de “voluntários”. Mas, segundo ele, “há poucas chances de uma entrada formal de forças diretamente da OTAN no conflito”, porque isso significaria, em sua opinião, “um enfrentamento de potencias militares nuclearmente armadas”. E, segundo Carmona, “isso não é desejável por ninguém, porque um conflito nuclear seria ruim para todos”.
S.C.