A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou, na quinta-feira (24), a abertura de inquérito criminal sobre o escândalo da propina dos pastores ligados a Bolsonaro no Ministério da Educação.
Cármen Lúcia atendeu o pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras feito na quarta-feira (23). A Procuradoria-Geral da República (PGR) disse no pedido de abertura de inquérito que irá apurar as denúncias de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa. Entretanto, no pedido, Augusto Aras, ignorou a participação de Bolsonaro no episódio e só pretende investigar o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os pastores, Gilmar Santos e Arilton Moura, sem cargos no Ministério.
Em áudios, em uma reunião com prefeitos no Ministério, o ministro Milton Ribeiro diz que os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura tinham prioridade na distribuição de recursos por ordem de Bolsonaro.
“A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, disse Milton Ribeiro em um áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. “Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, continuou o ministro.
Os pastores não têm cargo no governo, atuam de forma paralela no MEC, distribuindo verbas e indicando as prefeituras que deveriam recebê-las. Além disso, eles participaram de várias reuniões com autoridades nos últimos anos.
Em sua decisão, a ministra Cármen Lúcia disse que “a gravidade do quadro descrito é inconteste e não poderia deixar de ser objeto de investigação imediata, aprofundada e elucidativa sobre os fatos e suas consequências, incluídas as penais”.
“Nos autos se dá notícia de fatos gravíssimos e agressivos à cidadania e à integridade das instituições republicanas que parecem configurar práticas delituosas”.
“O cenário exposto de fatos contrários ao direito, à moralidade pública e à seriedade republicana impõe a presente investigação penal como atendimento de incontornável dever jurídico do Estado e constitui resposta obrigatória do Estado à sociedade, que espera o esclarecimento e as providências jurídicas do que se contém na notícia do crime”, observou.
A ministra deu prazo de máximo de 30 dias improrrogáveis, “salvo o caso de motivação específica e suficiente, para que a autoridade policial diligencie, pratique os atos e analise os dados obtidos”.
No pedido de investigação, Aras solicitou que sejam ouvidos em depoimentos o ministro, os dois pastores e prefeitos que teriam sido beneficiados com verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Ele solicitou ainda que o Ministério da Educação e a Controladoria-Geral da União esclareçam o cronograma de liberação de verbas do FNDE e os critérios adotados.
Os pedidos foram atendidos por Cármen Lúcia, que de deu o prazo de 15 dias para que esses esclarecimentos sejam apresentados.
Cármen Lúcia negou pedido de Aras para que polícia faça a análise das circunstâncias da produção do áudio veiculado com as declarações de Milton Ribeiro. De acordo com a ministra, é “impertinente ao objeto da presente investigação e sem vinculação jurídica com as práticas apontadas como delituosas que teriam sido cometidas pelo investigado”.
BOLSONARO
Bolsonaro tentou ignorar que foi citado nas gravações como quem interveio pelo esquema dos pastores no MEC e jogou o foco sobre o ministro Milton Ribeiro ao dizer que, na quinta-feira, bota a “cara no fogo pelo Milton”. “Minha cara toda no fogo pelo Milton”, disse em sua transmissão ao vivo semanal.
Segundo o ministro, a prioridade na distribuição de verbas aos pastores foi um “pedido especial” de Bolsonaro.
Quando estourou o escândalo, Milton Ribeiro negou e tentou blindar Bolsonaro, procurando livrar a cara do chefe.
PROPINA
Após a divulgação dos áudios, os prefeitos confirmaram os pedidos de propinas feitos pelos pastores para liberar verbas para os municípios.
O prefeito de Luis Domingues (MA), Giberto Braga (PSDB), denunciou, na quarta-feira (23), que um dos pastores ligados a Jair Bolsonaro envolvidos na manipulação ilegal de verbas federais do Ministério da Educação pediu 1 kg de ouro (equivalente a R$ 308.050) para liberar os recursos para obras no setor de educação para a cidade.
O prefeito relatou que o pastor pediu um valor de R$ 15 mil, segundo ele para cobrir custos de protocolo. “Depois, quando o valor fosse liberado, seria paga uma quantia X”, disse o prefeito, explicando que, como a sua região é uma área de mineração, o pastor pediu um quilo de ouro. “Eu não aceitei. Ele disse que sem os R$ 15 mil não seria protocolado. “Como eu não transferi o dinheiro, não foi protocolado”, afirmou o prefeito, em entrevista ao Estadão. O pedido de ouro em troca de liberações de recursos foi feito pelo pastor Arilton Moura.
Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito da cidade de Bonfinópolis, disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura.
O prefeito relatou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério”.
Também ao jornal “O Globo”, o prefeito José Manoel de Souza (PP), da cidade paulista de Boa Esperança do Sul, relatou outro pedido de propina de R$ 40 mil por parte de Arilton, para liberar verba para construção de escolas profissionalizantes no município. Ele disse que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC em 2021.