Os policiais sérios não precisam dos projetos que Bolsonaro lançou na sexta-feira (25). Exemplo de ‘bom agente’ para o “mito” é o ‘capitão’ Adriano da Nóbrega, chefe de milícia e assassino de aluguel. ‘Sargento’ Queiroz, também não é flor que se cheire, apesar de ter usado farda
Depois da tragédia da pandemia, o Brasil enfrenta gravíssimos problemas, como a explosão descontrolada dos preços, a queda na renda dos trabalhadores, a volta da carestia e da fome e o alto nível desemprego. O normal seria esperar do governo uma intensa discussão para se encontrar soluções e propostas para enfrentar esses problemas. Não é isso o que nós assistimos.
Quando não está passeando de jet ski, ou de lancha, nas praias de Santa Catarina ou do litoral norte de São Paulo, fazendo motociatas em busca e votos pelas estradas, ou pescando com comparsas, mesmo quando ocorrem tragédias como as do final do ano na Bahia e em Minas Gerais, Bolsonaro está provocando confusão e criando polêmica ou pregando o ódio e a violência.
AUMENTO DA VIOLÊNCIA
É o caso, agora, dos projetos que ele está enviando ao Congresso. Ao invés de estar buscando formas de manter o abastecimento do país e garantindo preços suportáveis dos alimentos, de ver uma forma efetiva de baixar os preços dos combustíveis, de obter recursos para investimentos em obras que o Brasil tanto precisa, ele está discutindo como aumentar a violência no país e como perseguir os movimentos sociais.
Bolsonaro anuncia que enviará ao Congresso Nacional projetos que visam incentivar a violência e que são consideradas verdadeiras “licenças para matar”. Segundo o Ministério da Justiça, a medida é a ampliação do conceito de legítima defesa para profissionais de segurança pública. “O objetivo é aperfeiçoar a legislação penal para conceder maior amparo jurídico aos integrantes dos órgãos de segurança pública”, diz o ministro.
É um projeto que não é dirigido para o conjunto da polícia. Porque a maioria dos policiais já atua dentro das leis e são homens que dormem tranquilos depois de agirem em defesa da sociedade. Com esses projetos, Bolsonaro se dirige a uma parte mais miliciana que mancham as forças de segurança, aos setores que almejam atropelar a Justiça e agir por conta própria. É apenas a esta parte que Bolsonaro se dirige.
Ele diz que “devemos trabalhar e buscar o entendimento entre os poderes para que no futuro, espero que não demore muito, [para que] o policial, ao cumprir sua missão, vá para a casa repousar, reencontrar-se com a sua família; e no dia seguinte receber uma medalha, não a visita de um oficial de Justiça”, disse o presidente.
‘SARGENTO’ QUEIROZ, OPERADOR DA RACHADINHA
Todos os bons policiais são homenageados e recebem medalhas. Já os falsos agentes da lei, que, na verdade, são bandidos disfarçados, são os preferidos de Bolsonaro. Estes são defendidos enfaticamente por ele. Este foi o caso, por exemplo, do ex-capitão do BOPE, Adriano da Nóbrega, que recebeu medalha de um de seus filhos, Flávio Bolsonaro, e que foi elogiado pelo próprio Bolsonaro na tribuna da Câmara, quando este era deputado.
O ‘capitão’ Adriano era simplesmente um matador profissional, assassino de aluguel, chefiava a milícia do Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, e o Escritório do Crime, uma arapuca de criminosos de aluguel, envolvida em vários crimes, inclusive no assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.
É só ver a ficha corrida do ex-policial Fabrício Queiroz, capataz da família Bolsonaro, operador da rachadinha de Flávio e de Jair. Íntimo de Adriano da Nóbrega, que acabou morto numa operação policial na Bahia, Queiroz, que movimentou milhões em sua conta e foi pego pelo Coaf, pagava os salários falsos da mãe e da ex-mulher do pistoleiro assassino que devolvia uma parte para o gabinete de Flávio Bolsonaro.
O MP-RJ estima que o miliciano tenha transferido mais de R$ 400 mil a Fabrício Queiroz. Esse tipo de gente, apesar de terem vestido a farda, não representam a polícia. Eles são a bandidagem que se infiltra na polícia e na política brasileira.
‘CAPITÃO’ ADRIANO ERA CHEFE DE MILÍCIA
Quando diz que quer que os policiais possam agir “sem serem perseguidos”, Bolsonaro não está pensando no policial sério, no policial honesto, que trabalha dentro da lei, como todo mundo deve fazer, ele está pensando é nos milicianos infiltrados no interior das polícias e de seus gabinetes. Nos “capitães Adrianos” e “sargentos Queiroz”, que denigrem a imagem dessas corporações.
Um dos textos propostos por Bolsonaro altera a legislação penal no que se refere ao conceito de legítima defesa. Ele pretende incluir no Código Penal um artigo para prever que a legítima defesa pode ser configurada para evitar ato ou iminência de ato “contra a ordem pública ou a incolumidade das pessoas mediante porte ou utilização ostensivos, por parte do agressor ou suspeito, de arma de fogo ou outro instrumento capaz de gerar morte ou lesão corporal de natureza grave”.
Segundo juristas, já há no país normas que definem o que é legítima defesa e regulam as ações das forças policiais, mas Bolsonaro quer modificá-las para estimular a violência. Se depender dele, o país vira uma praça de guerra ou um verdadeiro faroeste, todo mundo com armas na cintura. É o que se pode ver com a afirmação do “mito”, ao anunciar seus projetos. “A vida dessas pessoas se decide em frações de segundos, é uma classe especial, e nós temos que ter consciência disso”, disse Bolsonaro nesta sexta (25). Ou seja, no mundo das milícias, só se pensa em quem saca primeiro sua arma.
Já desde 2019, ele vem tentando alterar a legislação para estimular a violência. Naquele ano, Bolsonaro enviou ao congresso o chamado “pacote anticrime”, para falsamente combater o crime. Propunha alterações na legislação penal. Entre as propostas, estava a ampliação das situações que configurariam excludente de ilicitude (determinadas situações podem levar à isenção da pena). Atualmente, pelo Código Penal, são causas de excludentes de ilicitude: legítima defesa; estado de necessidade e no estrito cumprimento do dever legal. Isto pode ser utilizado por agentes de segurança e, a depender do caso, por qualquer cidadão. Bolsonaro não está satisfeito. Ele quer mais liberdade para o extermínio.
CONTRA A ORDEM CONSTITUCIONAL
É o que pensa Felippe Angeli, gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz. Ele diz que as mudanças propostas fazem é criar “uma grande licença para matar”. “Claramente você vai contra a ordem constitucional, porque o valor jurídico da vida é muito superior ao do patrimônio”, explica Angeli, destacando que as propostas não encontram nenhum embasamento na nossa ordem constitucional.”
O gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz vê na proposta uma tentativa de importar um entendimento comum nos Estados Unidos mas “sem encontrar nenhum embasamento na nossa ordem constitucional.” O jurista Wálter Maierovitch também classifica as novas regras propostas como um “incentivo” para que policiais “possam agir sem receio”, “possam matar”.
PERSEGUIÇÃO A MOVIMENTOS SOCIAIS
Além de incentivar a violência ilegal, Bolsonaro mandou outro projeto de lei que trata da questão do terrorismo no país. O governo propõe alterar a definição do crime para incluir atos realizados “com o emprego premeditado, reiterado ou não, de ações violentas com fins políticos ou ideológicos”.
O projeto muda ainda um parágrafo que esclarecia que a regra não se aplica “à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional”, entre outros. O texto a ser enviado pelo governo ao Congresso inclui no artigo a necessidade de que a conduta seja “de caráter pacífico”, sem explicar como este caráter é definido.
Para Angeli, a combinação das propostas é preocupante, já que as novas condições para legítima defesa incluem o terrorismo entre as ações que podem justificar a ação dos agentes. “Se o policial ver uma pessoa com arma, pode atirar. Se ver alguém cometendo um ato de terrorismo, pode atirar, e este terrorismo pode inclusive significar danos patrimoniais e por aspecto ideológico. É ser um juiz executor, é a barbárie, é um cheque em branco para a polícia”, diz Angeli.
Ouça Bolsonaro defendendo falso policial, que era, na verdade, chefe de milícia e assassino profissional
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