Trens abarrotados, atrasos, corte de energia, furto de cabos e – acidente com morte – são problemas registrados nas operações das linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitano (CPTM) em menos de dois meses de privatização. Em 47 dias de administração privada, já foram registradas 30 ocorrências, segundo levantamento feito pela TV Globo, período em que a operação deixou de ser gerenciada pela CPTM, após a concessionária Via Mobilidade assumir a gestão.
Na manhã de segunda-feira (28), os trens das Linha 8 – Diamante, e da linha 9 – Safira, tiveram a circulação afetada. De acordo com a concessionária, devido à falha no sistema de alimentação elétrica entre as Estações Imperatriz Leopoldina e Presidente Altino, desde as 4h, a Linha 8-Diamante operou com velocidade reduzida e maior tempo de parada nas estações, com trens circulando por via única entre as duas estações.
Já na Linha 9-Esmeralda, os trens circularam somente entre as estações Grajaú e Presidente Altino. Usuários com destino à estação Osasco precisaram utilizar a Linha 8 -Diamante.
Os transtornos aos passageiros, que enfrentam plataformas e vagões superlotados, além de horas de espera para embarcar, são registrados semanalmente.
Na Linha 8- Diamante, foram 14 falhas – duas somente no dia 14 último, desde que a concessionária assumiu as operações. Na Linha 9- Esmeralda, outras 15 falhas foram registradas. No ano passado inteiro, essas duas linhas, somadas, tiveram 15 falhas. E nenhum furto.
No dia 10, um funcionário da Via Mobilidade morreu em um acidente na estação de Pinheiros durante manutenção de rotina da linha 9-Esmeralda, que circula entre as estações Grajaú, na zona sul da capital, e Osasco, na Grande São Paulo.
No mesmo dia, por volta das 6h, um trem da linha 8-Diamante colidiu contra a barreira de proteção da estação Júlio Prestes, na região central da cidade. O condutor e um passageiro receberam atendimento no local e foram encaminhados a um hospital para avaliação médica.
TRABALHO EXAUSTIVO
Semanas após o acidente, a concessionária alegou que a colisão foi provocada por falta de acionamento do freio. O operador foi demitido. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias da Zona Sorocabana, maquinistas das linhas 8 e 9 de trens metropolitanos de São Paulo, estariam trabalhando até 12 horas por dia, sem paradas adequadas a cada viagem, enquanto que na CPTM a jornada era de oito horas diárias, com intervalos entre 10 minutos e 15 minutos a cada viagem.
Além disso, na CPTM, o tempo de treinamento para que um maquinista possa atuar é entre oito e dez meses com acompanhamento de um monitor; na Via Mobilidade, a capacitação de maquinistas dura aproximadamente quatro meses.
Para José Claudinei Messias, presidente da entidade, a pressa no processo de concessão e o tempo de treinamento curto dos funcionários da são aspectos importantes para explicar o elevado volume de falhas e acidentes.
“É necessária muita especialização para o trabalho nas ferrovias. Não se forma um profissional em poucos meses”, critica Messias. “Foi preciso ter um grave acidente e uma vítima fatal para deixar claro o quanto têm sofrido os profissionais”, completa.
No início deste mês, outras duas grandes falhas ocorreram na linha Esmeralda. No dia 4, os trens pararam de funcionar devido a uma falha no sistema de fornecimento elétrico. Dois dias antes, a paralisação aconteceu em função de um princípio de incêndio em cabos externos entre as estações Santo Amaro e Granja Julieta.
Diante dos transtornos enfrentados, usuários estão tendo que adotar outros meios para se locomoverem. É o caso da empregada doméstica Ana Claudia Alves, 50, moradora da Vila Natal, zona Sul da capital, que costumava utilizar a linha Esmeralda todos os dias úteis para chegar ao trabalho em Moema, na zona centro-sul da cidade.
Ela conta, no entanto, que trocou o transporte sobre trilhos por dois ônibus devido às constantes falhas na operação e a percepção de que houve uma diminuição na frequência dos trens.” O trem costumava ser mais rápido. Sempre cheio [no horário de pico], porém, pelo menos, era rápido. De um tempo para cá, comecei a perceber um aumento no tempo de espera”, diz.
Já a farmacêutica Andressa Limo Moisés, 26, reclama que, além do aumento no tempo de espera, os trens da linha Diamante, com destino a Itapevi, constantemente seguem viagem somente até a estação Barueri.
Para completar o destino, que inclui mais seis estações, os passageiros têm que trocar de plataforma e esperar outro trem. “Todo esse processo [de trocar de trem em Barueri] demora uns 10 minutos. Na semana passada aconteceu duas vezes, mas está assim desde o começo do ano. Parece pouco, mas esse tempo é o que faz o trabalhador se atrasar”, relata Andressa.
Outro problema decorrente da privatização é a substituição de trens por modelos mais antigos, principalmente na linha 8-Diamante, sem passagem entre os vagões, o que reduz a área útil dos veículos e atrapalha a distribuição dos passageiros.
A CPTM alega que os trens que circulavam nesta linha foram transferidos para a linha 11-Coral, já que a concessão para a administração privada não inclui os veículos. Por sua vez, a Via Mobilidade diz que adquiriu 36 novos trens e que o primeiro deles “será entregue no segundo ano de concessão, seguindo um cronograma definido no contrato”. Enquanto isso não acontece – se é que vai acontecer – os passageiros seguem enfrentando mais esse problema.
Sobre as reiteradas falhas na operação, a concessionária respondeu à Agência Mural que “nos próximos meses, as principais mudanças, capazes de conferir mais estabilidade às linhas, já poderão ser sentidas” e que está apurando as causas da recente colisão da linha 8-Diamante.
NOTIFICAÇÃO
Em reunião realizada com representantes da Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) da Prefeitura, a empresa foi notificada “em razão de descumprimentos de procedimentos operacionais e da interrupção da prestação do serviço”.
A concessionária Via Mobilidade pode ser multada em até R$ 4,3 milhões por conta da sucessão de falhas ocorridas nas linhas 8-Diamante e 9-Esmeralda do transporte sobre trilhos de São Paulo pelos problemas apresentados desde que a empresa passou a operar as linhas ferroviárias.
Em nota, a secretaria destacou que a concessionária tem um prazo de 15 dias para manifestação e apresentação de defesa.
“Após a finalização dos processos administrativos, a pasta poderá aplicar as sanções cabíveis”, disse a secretaria.
A Via Mobilidade é a primeira empresa privada a gerenciar linhas de trens metropolitanos em São Paulo. A empresa, que tem permissão para operar as vias por 30 anos, assumiu as operações em janeiro deste ano.