Diálogos entre a “primeira dama mais bonita do Brasil” e o estilista Dener conduzem o público às emoções dos dias em que o Brasil foi governado por Jango. A covardia do golpe e as angústias do exílio também são trazidas ao público pelos autores do espetáculo
Um ato político emocionante ocorreu neste dia 31 de março de 2022, em protesto contra a ditadura militar que infernizou a vida do Brasil por 21 longos anos. Ao final da peça de teatro, que conta os momentos decisivos da passagem de Maria Thereza Goulart e Jango pelo palácio do Planalto, a reação não podia ser outra. Explodiu um vigoroso Fora Bolsonaro!
FORA BOLSONARO!
O palco foi o teatro Eva Hertz, na Avenida Paulista, região central da capital. O próprio nome do teatro já diz tudo. A família de Eva saiu de Berlim em 1938 fugindo da perseguição nazista. A venda de livros foi a forma encontrada para a sobrevivência no exílio. Hoje o teatro é o primeiro dentro de uma livraria no Brasil. A Livraria Cultura, pertencente ao filho de Eva Hertz.
O ato ao final da peça reuniu jornalistas, artistas, intelectuais e políticos num debate que se seguiu ao espetáculo “Maria Thereza e Dener”, uma obra sobre a vida de Maria Thereza Goulart, esposa de João Goulart, derrubado do governo pelo golpe de 1964.
Os principais debatedores foram o atual vereador e ex-senador Eduardo Suplicy (PT) e o filho de Jango, o ex-deputado João Vicente Goulart (PCdoB).
Muitos representantes de entidades populares da capital e personalidades estavam na plateia. Entre os políticos presentes estavam o ex-deputado Jamil Murad (PCdoB), a ex-vereadora Lídia Correa (PCdoB) e o deputado Paulo Teixeira (PT). O teatro ficou lotado. Todos manifestaram seu repúdio à ditadura e ao atual governo, que exalta o regime que extinguiu a democracia, perseguiu opositores, matou e torturou presos políticos.
Eduardo Suplicy disse que é necessário repudiar o que a ditadura fez como também é necessário agora derrotar esse governo de extrema direita na eleição presidência deste ano.
João Vicente elogiou o trabalho realizado em homenagem a sua mãe e em memória da luta de seu pai. Ele e sua esposa Verônica Goulart vieram de Brasília, onde moram, para participar do ato.
Janguinho, como é conhecido, contou que entrou com um habeas corpus contra a prisão e o sequestro de bens de membros de uma delegação oficial chinesa que estava no Brasil no dia 4 de abril de 1964 e que até hoje são mantidos como condenados. Seu pai havia acabado de fazer uma visita inédita à China.
“Mesmo com a China sendo o maior parceiro comercial do Brasil, esse triste episódio diplomático não foi resolvido até hoje”, disse João Vicente, continuador da luta de seu pai.
PEÇA IMPERDÍVEL
A peça, que emocionou o público, é uma livre adaptação do livro “Uma Mulher Vestida de Silêncio”, de Wagner Willian, autor de “O Soldado Absoluto”, sobre a vida do Marechal Lott, e que também estava presente ao espetáculo.
No elenco estava Angela Dippe, idealizadora da peça, no papel de Maria Thereza Goulart e Thiago Carreira, como Dener Pamplona de Abreu. A direção do espetáculo é de Ricardo Grasson e o texto, que agradou e emocionou a todos, é de José Eduardo Vendramini e Wagner William.
A amizade, desde os tempos de adolescência, de Maria Thereza Goulart com o estilista Dener serviu de esteio por onde o público pode acompanhar alguns dos principais momentos vividos pela família Goulart desde a posse na Presidência após a renúncia de Jânio, em 1961, até a morte de Jango no exílio em 1976.
Momentos de extrema emoção foram relatados por Maria Thereza ao contar o medo que sentiu de ir ao comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964. Apesar do pavor que sentia, ela entendeu que seu marido não podia deixar de comparecer ao ato e nem ela. Maria Thereza Goulart, sentia muito medo. Suava frio, mas não perdeu a elegância.
COMÍCIO DA CENTRAL
Ela recebera informações de que o presidente, João Goulart, sofreria um atentado em seu derradeiro ato popular. Às portas da ditadura, o comício da Central do Brasil reuniu 200 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro. Jango pressionava o Congresso para implantar as reformas de base, que garantiriam a justiça social no país.
Darcy Ribeiro, então chefe da Casa Civil de Jango, brincou com a primeira dama durante o comício: “não se preocupe, se explodirem o palanque os baixinhos serão os primeiros a irem pelos ares”. Darcy certamente falava dele mesmo.
Maria Thereza tomava lições de moda e comportamento com Dener. Naquela época, Dener já era famoso por ter vestido a modelo Danuza Leão e a primeira-dama Sarah Kubitschek. A peça mostra diversas cenas em que ela conversava com o estilista e desfilava na Granja do Torto para aprender, sob os olhares rigorosos do amigo, a caminhar com elegância. A partir das conversas entre os dois, o público vive e relembra os momentos vividos pelo Brasil naqueles anos.
Maria Thereza passou a estampar capas de revistas do Brasil e do mundo. A Time, dos Estados Unidos, a considerou uma das “belezas reinantes”, ao lado de Grace Kelly, a princesa de Mônaco, e Jacqueline Kennedy. A comparação com a primeira-dama americana era constante, tanto que Dener se inspirara nos vestidos de Kennedy para vestir Maria Thereza.
POVO CARREGOU JANGO NOS BRAÇOS
O momento alto da peça é quando Maria Thereza descreve os dias que se seguiram à morte de Jango numa fazenda na Argentina. Maria Thereza inicialmente pensou em enterrá-lo ali mesmo. Mas, na peça ela repete: alguém disse que ele teria que ser enterrado em São Borja. Alguém disse que ele teria que ser enterrado em São Borja. O governo arrogante, e com medo de protestos populares, não autorizou a vinda do corpo de Jango para o seu país.
Maria Thereza então conta que Almino Afonso, na época auxiliar de Jango, consegue uma autorização com o governo brasileiro, com a condição de que não haveria protestos. Eles são parados na fronteira, mas, depois das tensas negociações, seguem viagem.
No caminho já começam a aparecer, na beira da estrada, milhares de pessoas que queriam se despedir de seu saudoso presidente. Na chegada em São Borja, uma multidão carrega o caixão de Jango, exatamente o que a ditadura mais temia. A partir daí o povo brasileiro foi cada vez mais ocupando as ruas até colocar por terra a ditadura.