Exaltado por certa crítica nos EUA e arraiais anexos, faleceu aos 87 anos em Nova Iorque Tom Wolfe, considerado o pai do “new jornalism”, uma espécie de precursor das fake news, em que, como costumava dizer, o importante não são os fatos, mas a criação das “cenas” em torno deles, centrada no onipotente narrador, na primeira pessoa, excesso de detalhes, manipulação do leitor, levado a se identificar com algum personagem, e – o que ele não conta-, a parasitagem de celebridades.
O que implicava, dizia Wolfe, em dar um tratamento literário às matérias jornalistas, aplicar recursos da ficção. Reportagens (supostamente com base nos fatos) que seriam lidas como novelas, feitas por jornalistas que, nas palavras de Wolfe, “queriam se trajar como novelistas”.
Quanto aos fatos propriamente, ora, os fatos … Como registra a ensaísta Emily Witt, uma contemporânea de Wolfe, Renata Adler, o acusou de inventar fatos e escreveu que detestava o ‘novo estilo’, que considerava como “corrupção” do estilo de escrever na primeira pessoa criado na revista The New Yorker. “Os fatos são dissolvidos”, ela escreveu, conforme Witt. “O escritor era tudo”.
Nas palavras do próprio pai da matéria, Wolfe, “a unidade de reportagem básica não é mais o dado, a peça de informação, mas a cena, já que a maior parte das estratégias sofisticadas de prosa depende das cenas”.
O que ele recomendava atingir através do recurso a quatro esquemas: “construção cena a cena”, “diálogo realístico”, “ponto de vista de uma terceira pessoa (para induzir o leitor a se sentir como se estivesse dentro da mente do personagem), e então – conforme Witt – “em contraste com o jornalismo tradicional dos jornais, um olho descritivo, onde a roupa do sujeito, os modos, o que come, e a sala de estar são tão importantes de serem documentados pelo escritor quanto as palavras do sujeito”.
Era o que Wolfe chamava de “reportagem por saturação”. “Cena por cena”, “concentração nos detalhes”, com “a maior quantidade de diálogos possíveis” e adotando “um ponto de vista” para contar a história.
O “ponto de vista” era sempre do agrado do establishment, por mais ares de enfant terrible que Wolfe encenasse. No “Radical Chic” – o termo foi ele quem inventou -, seu alvo foi o compositor e maestro Leonard Bernstein, autor das músicas de West Side Story, ironizado por ajudar a levantar recursos para os Panteras Negras. Em “A Fogueira das Vaidades”, foi contra Jesse Jackson, um dos líderes do movimento pelos direitos civis e fim do apartheid nos EUA, ao lado de Martin Luther King, que ele abriu baterias.
É de se registrar que, na época, parte da intelectualidade, que havia se afastado sob a pressão do macartismo, voltava a cerrar fileiras ao lado das causas progressistas. E, claro, o que não faltava – nem continua faltando – nos EUA eram figurantes decadentes e ridículas no establishment e nas altas rodas.
Um dos elementos dessa “criação literária” do “new jornalism” era o que Wolfe chamava de “o narrador intimidante”, que poderia falar ou insultar os personagens; a “voz do palco”, onde ele adotava o tom e o vocabulário de um de seus personagem em um pano de fundo ou história; e o abuso na pontuação. “Coisas como pontos de exclamação, itálico, e mudanças abruptas (traços) e síncopes (pontos) ajudavam a dar a ilusão não só de uma pessoa falando, mas de uma pessoa pensando”, escreveu.
Mas não sejamos tão rigorosos. O filme que se baseou em seu livro de maior sucesso, “A Fogueira das Vaidades”, de Brian De Palma, acabou recebendo cinco indicações para o Prêmio Framboesa e há quem jure que está entre os 25 piores de todos os tempos. Será que no inferno ardem ainda as fogueiras das vaidades?
M.B.