Aconteceu de novo: tiroteio dentro de uma escola de ensino médio em Santa Fé, a 48 quilômetros de Houston, no Texas, matou dez pessoas, a maioria estudantes, mas também há funcionários entre as vítimas, no mais recente surto da “doença americana”, a matança indiscriminada e aleatória de outros seres humanos que aflige os EUA há mais de duas décadas, desde os “tiros de Columbine”.
É o 22º tiroteio em escolas dos EUA com vítimas este ano. Um massacre em uma escola na Flórida em fevereiro, em que foram mortos 17 alunos a tiros de arma semiautomática, havia levado centenas de milhares a Washington no dia 24 de março para exigir o fim da matança nas escolas e da corrupção promovida pelo cartel do Rifle, a NRA, que até aqui barrou no Congresso dos EUA qualquer limite à venda de armas – inclusive de guerra – a qualquer um.
O próprio governador Greg Abbott confirmou o morticínio. Com ferimentos a bala, oito pessoas foram encaminhadas ao Clear Lake Regional Medical Center, conforme o médico Safi Madain, e há um paciente em estado crítico e outro foi considerado fora de perigo. Os demais já foram atendidos e liberados.
Uma aluna relatou à rede ABC que por volta de 7h45 (hora local), os alarmes de incêndio soaram e os alunos abandonaram as salas de aula sob orientação dos professores, até que se ouviram os “booms” e todo mundo correu “o mais rápido que pôde” em busca de abrigo. Ela relatou que um colega foi ferido na perna.
O estudante Michael Farina, 17, disse que estava do outro lado do campus quando o tiroteio começou e até pensou ser um exercício de tiro. Um professor chegou e gritou: “isto é real”. Os estudantes se arranjaram como deu para se protegerem. Quando a situação amainou, um ônibus escolar os levou para um centro comunitário a alguma distância, para onde os pais foram para ter notícias ou poder abraçar seus filhos.
O xerife do condado local, Ed Gonzáles, revelou que um suspeito foi preso, um estudante. Outro policial extra-oficialmente asseverou tratar-se de Dimitrios Pagourtzis, de 17 anos, que faz parte do time de futebol da escola e participa também de um grupo de dança na igreja que frequenta. Um policial ficou ferido. Está detida para averiguações uma segunda pessoa, que pode ter envolvimento no ataque, no entender da polícia. Há a informação de que foram encontrados explosivos. Nos informes disponíveis, não há descrição da – ou das – arma utilizada, mas pela dimensão do massacre, deve ser algum fuzil semiautomático.
Trump, que havia estimulado a gigantesca manifestação dos estudantes e professores em Washington contra a carnificina nas escolas, ao se pronunciar contra medidas de controle das armas e ao sugerir que os professores deveriam passar a andar armados nas escolas para ‘resolver’ o problema, voltou a tripudiar dos sentimentos das famílias das vítimas.
Asseverou estar “monitorando de perto” a situação no Texas e declarou seu apoio aos afetados “nesta hora trágica”, acrescentando que seu governo “está determinado a fazer tudo para proteger nossos estudantes”. “Deus abençoe a todos”, postou no Twitter, após escrever o óbvio “que foi um ataque totalmente horrível”.
Sob a proteção de Trump e dos republicanos, para qualquer jovem com menos de 21 anos continua mais fácil comprar um rifle do que uma latinha de cerveja. Enquanto isso, recentemente o cartel do Rifle, NRA, elegeu um novo presidente, à altura da função: o traficante de armas e cocaína preferido do governo Reagan, Oliver North, o operativo do “Irã-Contras”.
Depois não reclamem quando os estudantes voltarem às ruas, cantando na velha melodia dos tempos do Vietnã, “hey hey, how many kids did you kill today? (ei ei, quantos garotos você matou hoje?)
Como assinalou várias vezes o cineasta Michael Moore, há as armas, mas não são só as armas. Em outros países em que é rotina a posse de armas – como o vizinho Canadá, ou a Suíça -, não acontecem esses reiterados massacres nas escolas, cinemas e boates. Há a doença mental, há a falta de controles na venda e posse de armas, mas o buraco é mais embaixo.
Relembrando o que já foi dito antes: “a ‘epidemia americana’ são os ‘Mi Lai’ e os ‘No Gun Ri’ – as chacinas cometidas por tropas americanas contra civis nas guerras no exterior – voltando para casa, depois de dezenas de anos de genocídio contra outros povos, invasões, ocupações e tortura, sempre glorificados pelo establishment, ao mesmo tempo em que os monopólios e a mídia fazem apologia do egocentrismo e da revanche”.
E a decadência do Império como que implode em cada episódio dessa “epidemia americana”, expondo suas vísceras – a incapacidade de identificação com o próximo, a miséria espiritual, a doentia revanche, a violência indiscriminada e ensandecida, em meio à metástase da especulação em Wall Street e da carreira armamentista, bem como da desigualdade que não cessa de inchar.
Como disse na grande manifestação de março diante do Capitólio uma oradora de Los Angeles, Edna Chavez, deter os tiroteios em massa exige chegar às “causas básicas” da violência, “mudar as condições que fomentam a violência”. Incluindo o desemprego, a desigualdade, a deterioração das escolas públicas, o corte de direitos. Foi ela também que disse que aprendeu a se esquivar dos tiros nos ‘barrios’ “antes de aprender a ler”. O massacre desta sexta-feira foi o mais mortal no Texas desde que um homem armado com um rifle de guerra matou mais de duas dezenas e feriu outros tantos em uma igreja rural.
A.P.