“É minha obrigação não deixar que o patrimônio público seja liquidado. Estão fazendo liquidação”, disse o ministro Vital do Rego. TCU adiou decisão por 20 dias
Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) decidiram nesta quarta-feira (20) adiar por 20 dias o julgamento da segunda etapa do processo de privatização da Eletrobrás, estatal que atua nas áreas de geração e transmissão de energia elétrica. A ministra Ana Arraes, presidente do órgão, estabeleceu o prazo de 20 dias para vista coletiva. O governo quer viabilizar privatização até 13 de maio.
LIQUIDAÇÃO DA ELETROBRÁS
O ministro Vital do Rêgo já havia denunciado o processo. Ele disse que a Eletrobrás foi subavaliada e que a privatização pode resultar no aumento da conta de luz, impacto que o governo não projetou. “É minha obrigação não deixar que o patrimônio público seja liquidado. Estão fazendo liquidação”, criticou o ministro, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Vital do Rêgo pediu vista de 60 dias, em razão da complexidade do tema e pelo fato de o ministro relator, Aroldo Cedraz, ter disponibilizado o voto horas antes da sessão. Com o adiamento em 20 dias, a tendência é que a operação fique para julho ou agosto, em uma derrota para o governo, que teme que a proximidade com as eleições prejudique a operação.
O governo Bolsonaro, afoito por entregar o patrimônio público brasileiro para empresas estrangeiras, como já está fazendo com as refinarias e outros ativos da Petrobrás, ficou furioso com o resultado porque pressionou de todas as formas para que a decisão fosse tomada nesta quarta-feira (20). A data limite considerada ideal pelo governo federal para vender a empresa é 13 de maio.
O ministro Jorge Oliveira, indicado de Bolsonaro fez carga para que não houvesse o pedido de vista, como queria o governo. Não conseguiu e pressionou para que fosse só de 7 dias. Os ministros Bruno Dantas e Benjamin Zymler argumentaram que o regimento interno dá ao ministro que pedir vista o direito a estudar o processo por, no mínimo, por 20 dias. Assim, o plenário não teria o poder de reduzir ainda mais o período, segundo os ministros.
A presidente, ministra Ana Arraes, lembrou que a extensão do prazo para 60 dias dependia do aval dos demais ministros. Como isso não ocorreu, concedeu o prazo mínimo, de 20 dias, para vista coletiva. A ministra também solicitou à consultoria jurídica da Corte esclarecimentos se o prazo de vista poderia ser menor que 20 dias, mas a interpretação se aplicará a futuros processos, não ao caso da Eletrobrás.
OPOSIÇÃO DENUNCIA CRIME DE LESA PÁTRIA
A primeira etapa já foi aprovada pelo TCU em fevereiro. Na ocasião, os ministros analisaram o bônus de outorga que, após a privatização, a Eletrobrás deverá pagar à União pela renovação dos contratos das 22 usinas hidrelétricas da empresa. Nesta segunda fase, agora em julgamento, o tribunal avalia o modelo de venda proposto pela União, incluindo faixa de valor das ações a serem ofertadas na bolsa de valores.
Os partidos Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido dos Trabalhadores (PT), Socialismo e Liberdade (PSOL) e Rede Sustentabilidade contestam a lei de privatização da Eletrobrás.
Eduardo Assunção, o Chicão, presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, denunciou a privatização e alertou que ela vai expulsar o que resta de indústria no Brasil. “É um desastre. Primeiro vai espantar a indústria. Vão acabar com o que resta da indústria no país. Em toda privatização o preço da energia aumentou. Quando é privado, o lucro vai para o acionista”, apontou.
“Nunca vi o setor privado fazer uma usina. Eles querem chegar e pegar o que foi mobilizado pelo Estado e tirar lucro em cima disso. Os caras não investem a longo prazo. Querem usurpar o que é público. A privatização é um escárnio. Eu não sou contra a iniciativa privada no setor elétrico. Desde que peguem o fluxo d’água de um rio, formem um lago, criem uma usina, gerem energia, emprego e aí tirem seu lucro. Não! Eles querem pegar o que já está gerando energia, cumprindo seu objetivo social e tirar o lucro”, acrescentou Chicão.
No julgamento anterior, o ministro Rêgo havia questionado a fórmula de cálculo do valor da estatal, avaliando que a maior companhia de energia da América Latina valeria R$ 130 bilhões e não os R$ 67 bilhões definidos.
“Estamos falando de subavaliações que superam facilmente a casa das várias dezenas de bilhões de reais. Estamos falando de obscuridades no impacto tarifário para o consumidor de energia elétrica, ou seja, a quase totalidade da população brasileira”, disse Vital do Rêgo na época, ao apresentar o voto revisor. E destacou que “nenhum país cuja matriz elétrica possua hidroeletricidade como parte significativa [caso do Brasil] privatizou seu setor elétrico. Estados Unidos, China, Canadá, Suécia, Noruega, Índia, Rússia. Nenhum deles”.
A Eletrobrás é dona ou sócia das mais importantes hidrelétricas do Brasil, como Belo Monte e Furnas, e ainda é responsável por quase 44% do sistema de transmissão do país.
PREÇOS SUBAVALIADOS
Com base em dados do site Statista, sobre “as mais valoradas” empresas do setor elétrico do mundo, o especialista e diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina), Roberto Pereira D’Araújo, afirmou que “a Eletrobrás não pode valer um quarto de uma empresa inglesa, que tem muito menos transmissão do que Eletrobrás e nenhuma usina”. A décima colocada é a inglesa National Grid, “uma empresa que só tem transmissão, não tem nenhuma usina e vale US$ 44 bilhões”.
“Se uma empresa que só tem transmissão – e muito menos transmissão do que a Eletrobrás – e não tem nenhuma usina vale 44 bilhões de dólares, como é que a Eletrobrás vai valer 10 bilhões de dólares?”, questionou o engenheiro eletricista. “É doar de graça uma empresa com um potencial impressionante”, criticou D’Araújo.
O mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP Joaquim Francisco de Carvalho denunciou que “o controle das grandes usinas hidrelétricas é estratégico. Por esta razão, até nos Estados Unidos, as grandes hidrelétricas pertencem e são operadas por entidades públicas”.
“A energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, as comunicações, o ensino, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem visar à maximização de lucros para grupos privados, pois influenciam todos os custos da economia, podendo gerar tendências inflacionárias, inviabilizar indústrias e excluir do consumo as famílias menos favorecidas”, acrescentou Carvalho, lembrando que 77% dos consumidores ingleses querem a reestatização das empresas de energia elétrica que foram privatizadas pela premier Margareth Tatcher.