“Queremos professor em sala de aula” e “televisão eu assisto em casa”, publicaram jovens nas redes sociais
Alunos de escolas estaduais do Paraná resistem à política de precarização do ensino levada a cabo pelo governador Ratinho Júnior. Os estudantes têm deixado as salas para protestar nas ruas em recusa a assistir a aulas pela televisão.
Ratinho (PSD) contratou neste ano uma faculdade particular para dar aulas à distância aos alunos do Ensino Médio nas disciplinas que compõem o que classificam de “itinerário profissionalizante”.
A justificativa é que o novo modelo fez com que o estado conseguisse mais do que duplicar a oferta de vagas em ensino técnico, passando de 15 mil matrículas, em 2021, para cerca de 37 mil neste ano. Essa deve ser uma das principais bandeiras de campanha de Ratinho, que tenta a reeleição.
A proposta também enfrenta críticas dos pais de alunos. “Eu pedi para acompanhar uma das aulas porque não conseguia acreditar em tamanho descaso com os alunos. Fiquei chocada ao ver os alunos sentados na sala por quase uma hora, assistindo um professor, sem poder interagir, sem conseguir tirar dúvida sobre o conteúdo”, contou Eli Ferreira da Silva, mãe de um aluno da escola estadual Mario de Andrade, em Francisco Beltrão, no interior do estado.
Durante as aulas, sem a presença de um professor em sala, um monitor acompanha os estudantes. Esse profissional, no entanto, não precisa ter formação na área já que sua função é auxiliar com questões tecnológicas, por exemplo, ligar a televisão e encaminhar as dúvidas da turma para o professor.
Especialistas explicam que a estratégia usada para ampliar o número de vagas na modalidade não pode ser comparado ao ensino técnico tradicional. Segundo eles, as aulas remotas não garantem uma formação profissionalizante adequada, já que não estão previstas atividades práticas, trabalho em laboratório, entre outras.
Levantamento da Folha de São Paulo aponta que os protestos já atingiam ao menos 26 escolas na terça-feira (26). Nessas unidades, os alunos têm protestado ficando de costas para a televisão quando começam as aulas a distância ou deixam as salas. Em alguns casos, os estudantes estão desde fevereiro sem acompanhar as atividades.
ENGODO
Os jovens também têm se manifestado nas redes sociais, postando fotos de cartazes em que dizem “queremos professor em sala de aula” e “televisão eu assisto em casa”.
Os estudantes relatam que as aulas são transmitidas ao vivo em um televisor que fica na frente da sala. Muitas turmas têm mais de 40 alunos, o que impede que todos consigam ouvir e ver o aparelho.
Para piorar, as aulas podem ser transmitidas simultaneamente para até 20 turmas de escolas diferentes. Ou seja, um único professor dá aula a distância para cerca de 800 estudantes de 1º ano do Ensino Médio.
Além disso, os estudantes reclamam que há diversos casos de indisciplina e briga dentro das salas durante essas aulas, já que eles ficam apenas sob a supervisão de um monitor. Na maioria das vezes, esse profissional é um estudante de licenciatura, ou seja, sem experiência com sala de aula para mediar ou administrar os conflitos.
Cesar Callegari, ex-secretário de Educação Básica do MEC e que atualmente preside o Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, diz que a insatisfação e protesto dos alunos revelam como o modelo a distância e o currículo intitulado como sendo profissionalizante não tendem às necessidades dos jovens.
“O que está sendo ofertado no Paraná não é nem ensino a distância e nem presencial, já que o EAD tem uma estrutura totalmente diferente. Também não é um ensino profissional, porque não está preparando esses meninos para a prática do mercado. Ou seja, é um engodo, cria uma miragem de ensino”, diz.
Ele teme ainda que o novo formato aumente o abandono escolar. “O aluno frustrado com a má qualidade se sente desrespeitado, enganado. Esse aluno percebe que a escola não se importa com o que ele está aprendendo e, por isso, ele fica desestimulado e abandona os estudos.”
Renato Feder, secretário de Educação do Paraná, diz que a medida adotada é uma forma de garantir que mais alunos possam ter acesso ao que chama de ensino profissional. Acrescenta que ajustes serão feitos ao longo da implementação das mudanças para adequação do modelo.
“Muitos alunos queriam fazer o ensino médio profissional, mas a gente não conseguia atender todos. Com esse modelo, a gente conseguiu expandir muito o atendimento e com qualidade”, diz.
Fernando Cássio, professor da UFABC e integrante da REPU (Rede Escola Pública e Universidade), avalia que a insatisfação dos alunos não deve ser desconsiderada.
“Os estudantes do Paraná estão pedindo para ter professor em sala de aula. Eles estão reivindicando conhecimento, estão dizendo qual é a escola que querem. Devemos prestar atenção a isso. Menosprezar essa demanda é menosprezar a educação”, afirma.
A resistência à nova modalidade de ensino no Paraná vem desde o início do ano letivo. Mobilizações começaram a eclodir em escolas de diferentes regiões do estado, com um primeiro recuo da Secretaria de Estado da Educação (Seed).
Em Cascavel, no Oeste paranaense, foco de muitas mobilizações, pais e alunos conseguiram tirar o Centro Estadual de Educação Profissional Pedro Boaretto Neto (Ceep) da lista de escolas onde parte do currículo é regida por professores a distância, vinculados a uma instituição privada contratada pelo governo para um formato praticamente inédito no Brasil.
A lei do Novo Ensino Médio, aprovada em 2018 no governo Temer, autorizou que até 20% da carga curricular ocorresse com aulas a distância. A obrigatoriedade de adotar o novo ensino médio passou a vigorar neste ano, o que levou alguns estados a aplicar o modelo remoto para completar parte da grade horária dos alunos.
Aprovada por meio de medida provisória, em 2022, as mudanças abrangem apenas os estudantes do primeiro ano do ensino médio, mas gradualmente, a previsão é que, a partir de 2024, todas as séries sejam inseridas na modalidade a distância.
Para a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, “o novo modelo faz um reducionismo no direito à educação ao restringir as disciplinas, modificar algumas para conteúdos vinculados somente a um modelo de sociedade baseada no que dita o mercado”.
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei de autoria da deputada Neide (PT-BA) que pede o adiamento para 2024 do conjunto de medidas previstas na nova lei do ensino médio.