
“Infelizmente está havendo um processo de esquartejamento da empresa”, disse Deyvid Bacelar, da FUP. Paulo Cesar Lima desmontou a falácia neoliberal de que tem que privatizar para poder investir. “Não investiram nada”, denunciou
Em continuidade ao ciclo de debates sobre a Petrobrás, organizado pelo Canal Outras Palavras, do jornalista Antonio Martins, participaram do segundo dia do evento, ocorrido na quarta-feira (27), sob o tema Como reverter o desmonte da Petrobrás, o petroleiro Deyvid Bacelar, dirigente da FUP e ex-representante dos petroleiros no Conselho de Administração da empresa e o engenheiro Paulo Cesar Lima, ex-consultor legislativo do Senado e uma das maiores autoridades sobre petróleo no Brasil.
ESQUARTEJAMENTO DA PETROBRÁS

Ambos fizeram um diagnóstico do processo em curso de destruição da Petrobrás e apontaram os caminhos para a suia recuperação.
“Infelizmente está havendo um processo de esquartejamento da empresa. Processo que começa em 2015 quando eu estava no Conselho de Administração da Petrobrás e acompanhei de perto as mudanças que nós tivemos ali”, disse Deyvid Bacelar.

“Em 2015 setores do capital financeiro se apoderaram da direção da Petrobrás e retomaram o projeto de privatização que nós tínhamos barrado no início dos anos 2000, com a eleição de um governo democrático e popular”, assinalou o líder petroleiro.
“Nós impedimos que isso ocorresse em 2015 com uma greve que nós fizemos. Mesmo com as aves de rapina que já estavam ali no Palácio do Planalto, nós conseguimos barrar aquele processo de privatização”, prosseguiu.
Ele destacou que, “com Temer, se acelera o processo de privatização. Uma série de ativos são vendidos num processo de esquartejamento e venda de pedaços como se não pertencessem à empresa mãe Petrobrás. No governo Bolsonaro tivemos uma aceleração ainda maior dessas privatizações”.
ESTATAL CONSTRUIU O PARQUE DE REFINO NACIONAL
Paulo Cesar Lima lembrou que seu primeiro chefe na Petrobrás foi o Guilherme Estrella, que esteve no debate anterior. “A Petrobrás era uma empresa de economia mista com acionistas que sabiam que a empresa era monopolista e tinha como objetivo entregar os combustíveis para a população pelo menor preços possível”, apontou.
“Essa era a missão da Petrobrás. Era um orgulho enorme, na década de 1980, trabalhar no Sistema Petrobrás. A Petrobrás era um grande instrumento de desenvolvimento nacional. Ela era grande em muitas áreas. O grande destaque da Petrobrás tinha sido a construção do parque de refino. Quem construiu o parque nacional de refino foi a Petrobrás. Toda a infraestrutura de dutos, de terminais”, destacou Paulo Cesar.
Confira abaixo o debate na íntegra
Ele lembrou que, em 1967, foi criada a Petroquisa. “Então a Petrobrás era investidora em petroquímica. Foi criada a Copene, o polo petroquímico da Bahia e a Copesul, o polo petroquímico do Rio Grande do Sul, e ampliado o parque petroquímico de São Paulo. Tinha a Petrofértil, grande empresa de fertilizantes e as coligadas, a Fosfértil e a Nitrofértil. Era uma grande empresa de fertilizantes do Brasil”, prosseguiu.
“Tinha a Interbrás, que tratava do comércio exterior. Tinha a Petromisa, que era uma empresa de mineração voltada para a produção de sais como o potássio da área de fertilizantes. Foi construída também a segunda empresa em faturamento do Brasil que era a BR Distribuidora”, disse Paulo Cesar.
INDÚSTRIA DE BENS DE CAPITAL NASCEU COM A PETROBRÁS
A imporância da Petrobrás para o desenvolvimento da indústria nacional foi destacado pelo ex-engenheiro da Petrobrás. “A construção das indústrias de bens de capital foi uma decorrência da Petrobrás. Quando as pessoas defendem a privatização da Petrobrás, elas não têm essa dimensão histórica. A Petrobrás foi responsável pela construção da indústria de bens de capital no Brasil”, afirmou.
“O nosso erro estratégico começa com Fernando Collor de Mello, que é quando começam as privatizações. Diziam que tinham que vender as empresas do sistema Petrobrás porque a empresa não tinha como investir. Só as empresas privadas investiriam. Privatizaram os grandes polos petroquímicos porque, com isso, viria o capital privado. Depois da construção da Copesul, nenhum polo petroquímico foi construído no Brasil”, denunciou Paulo Cesar.
“A Petrobrás saiu da área de fertilizantes, manteve apenas os fertilizantes nitrogenados, manteve-se a Nitrofértil, a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (FAFEN) incorporou as unidade da Bahia e Sergipe. Elas foram incorporadas como ativos da Petrobrás. Acabou a Nitrofértil, a Petrofértil acabou, a Fosfértil foi privatizada e a Petronisa também. Por que elas foram privatizadas? Porque o Estado não tinha como investir e a iniciativa privada seria a grande investidora no setor de fertilizantes”, prosseguiu o especialista.
“Qual foi o resultado? Só vou falar dos fertilizantes fosfatados. A Petrobrás arrendou para a Vale os poços de sais para fertilizantes a base de potássio. Em 1991 houve o arrendamento, foi criada a Vale Fertilizantes com a promessa de que iria investir R$ 4 bilhões no projeto de Sergipe. Ela não investiu e em 2018 ela acabou. A Vale Fertilizantes não existe mais e ela foi vendida para uma empresa chamada Mosaic Fertilizantes, uma empresa americana que não investiu absolutamente nada e é uma grande importadora de fertilizantes dos EUA e também de outros países como o Canadá”, denunciou Paulo Cesar.
SETOR PRIVADO NÃO INVESTIU NADA EM FERTILIZANTES
“O Brasil hoje não tem nenhuma empresa de fertilizantes. O Brasil não tem mais nenhuma empresa petroquímica. Isso é só para confirmar que essa história de que tem que privatizar porque a iniciativa privada vai investir, não aconteceu. Mesmo não tendo acontecido no passado, essa é a retórica de hoje”, prosseguiu.
“Com FHC, veio a Lei do Petróleo, em 1997, decorrente de uma emenda Constitucional de 1995, que acabou com o monopólio da Petrobrás. Manteve o monopólio da União, mas era um monopólio de fachada. O grande golpe mesmo foi a colocação das ADRs (ações da Petrobrás) na bolsa de Nova Iorque. O resultado é que os estrangeiros têm 45% do capital social da Petrobrás”, observou o ex-consultor legislativo.
“Aí vai a minha crítica aos governos do PT”, disse Paulo Cesar. “Durante toda a minha discussão técnica no Congresso, eu sempre defendi a recompra das ADRs. A Petrobrás tinha que sair da bolsa de Nova Iorque. Tinha que ter saído já no governo Lula. Para mim a primeira coisa do governo Lula seria a recompra das ADRs. Elas não foram recompradas”, prosseguiu.
“Para mim esse foi um erro gravíssimo. Depois veio uma coisa boa, o pré-sal. O grande feito do governo Lula foi a descoberta do pré-sal, mas teve outras coisas boas. A tentativa de voltar a construir refinarias no Brasil, a última tinha sido a de São José dos Campos, a Revap, em 1980. A de Pernambuco conseguiu um trem, a Comperj e as do Maranhão e Ceará foram paralisadas, mas houve uma tentativa”, acrescentou o analista.

“O pré-sal tem o poços mais produtivos do mundo. O primeiro passo para a exploração do pré-sal era a reestatização da Petrobrás. Você não pode ter uma empresa como operador único com essa composição de estrangeiros. Mas, defendi o operador único e continuo defendendo, mas para mim houve uma confusão conceitual. A Petrobrás com essa estrutura do capital social não é Estado”, disse Paulo Cesar.
E prosseguiu: “Então, o que eu defendi na época foi o modelo norueguês, com o Estado investidor, ou como em outros países onde você contrataria a Petrobrás pagando regiamente por prestação de serviço. Mas o Estado assumindo. Se você transforma a Petrobrás numa empresa pública, a empresa é o próprio Estado”.
NENHUM PAÍS DO MUNDO ENTREGA SEU PETROLEO COMO O BRASIL
“Eu posso dizer com segurança que nenhum país do mundo, que tem reservas superiores a 100 bilhões de barris, com poços que produzem 50 a 60 mil barris por dia, não seja o Estado a assumir o controle. Então, para mim, houve um erro grave. Considerar a Petrobrás uma empresa pública, quando na verdade ela não era mais uma empresa pública. Aí vieram os leilões e eu já era contra”, denunciou.
“Eu fui contrário ao leilão de Libra em 2013. Por que? A Petrobrás tinha 40%, a Shell 20%, a Total 20% e duas chinesas, cada uma com 10%. A Petrobrás com 45% estrangeiros, mais 20% privados. Com isso, você já começou a entregar Libra para os estrangeiros. Na realidade você entregou Libra para os estrangeiros. E mais grave ainda foi a sessão onerosa. Eu defendi a sessão onerosa mas não nos termos em que ela ocorreu. Se a gente pega o melhor campo do mundo que é Buzios, a renda governamental é muito baixa. É baixíssima. Aí você pode falar. Tupi também é baixa, mas é até mais alta do que em Buzios. Então, nos tivemos erros que eu considero graves”, prosseguiu o engenheiro.
“Com essa estrutura do capital social, veio a visão do STF, que apoiou outro erro gravíssimo do governo do PT, que foi o Decreto 2.745 que permitia a contratação com um processo muito simplificado, com uma carta convite para construir obras de um bilhão de dólares. Em cima da “livre concorrência”. Porque o FHC deixou uma legislação liberal e não houve mudança dessa legislação a não ser a substituição do regime de concessão para o regime de partilha”.
“E essa é positiva, apesar de não ser o que eu defendia. Meu modelo era o Estado assumindo em parceria com a Petrobrás. Ou então reestatizando a Petrobrás. O STF disse que a empresa podia comprar pelo decreto a partir da lei do FHC. Isso deu espaço para contratos que não tinham como foco o interesse público. O governo da época perdeu uma grande oportunidade de fazer uma discussão sobre como a Petrobrás deve fazer as contratações. Não houve essa discussão”, assinalou.
“Também não houve nenhuma discussão sobre política de preços dos combustíveis. Se a gente tinha uma legislação ruim, durante os governos do PT, os danos foram pequenos. Ou até foram benéficos, no caso do GLP, por exemplo, ficou congelado anos e anos. Um benefício para a população, mas tem que reconhecer que este tipo de política gerou dificuldades de investimentos em refino”.
“Aí veio a Lava Jato que, eu concordo, que destruiu muita coisa. Agora, deram milho para bode. Se você tivesse um diretor de abastecimento íntegro na Petrobrás, talvez você não tivesse dado tanto milho para bode. Você ter o diretor de abastecimento como aquele, você paralisar o Comperj ainda no governo do PT, paralisar o segundo trem de Abreu e Lima. A gente tem que reconhecer que houve problemas na gestão da Petrobrás, principalmente na diretoria de abastecimento, mas, o fato é que veio a Lava Jato e destruiu o país”, afirmou Paulo Cesar.
PONTE PARA O FUTURO APROFUNDOU ENTREGUISMO
O especialista falou do impeachment da Dilma e a Ponte para o Futuro. “Ela pega a lei da partilha do Brasil que é muito ruim, não garante conteúdo nacional em lei, não garante recuperação de custo, não garante uma politica de participação governamental, de renda estatal. Além de eu ser contra o modelo em si, a lei da partilha é muito ruim. A lei 9748 com total liberdade para a Petrobrás fazer o que quiser em termos de preço. Veio a Ponte para o Futuro, assume lá o Pedro Parente e aí ele coloca o PPI e é um escândalo”, aponta.
“Então”, explicou, “nós temos um arcabouço legal no no país muito ruim. E a interpretação que se faz dessas leis que já são ruins é pior ainda. A interpretação que o TCU deu e a do STF, eles conseguiram transformar uma coisa que era ruim, numa coisa péssima. Qual é o resultado? Foram vendidos ativos de 263 bilhões sem licitação. Na minha visão, vendas totalmente ilegais. Que sequer respeitam a lei 9.491, que é uma lei que está em vigor”. “O problema do Brasil é muito mais sério do que o presidente da República”, observou.
“Ganhando as eleições”, disse Paulo Cesar, “temos todas as condições de recuperar tudo, temos os melhores poços de petróleo do mundo, jazidas de minérios, técnicos de alto nível, temos um povo extraordinário, trabalhador, inteligentíssimo, então, temos tudo nas nossas mãos. O problema é como gerenciar tudo o que nós temos em benefício do povo brasileiro.
“Ao falar em comprar as ADRs, nós estamos falando aqui em 16,5 bilhões de dólares. Isso é nada. Em 2021 a Petrobrás gerou em caixa 200 bilhões de reais. A Petrobrás é uma máquina de gerar recursos. Ela está destruída enquanto projeto nacional de desenvolvimento, mas não enquanto geradora de caixa. A renda petrolífera do Estado é baixíssima, o conteúdo local é baixíssimo. Então recomprar essas ADRs é perfeitamente factível. Ao invés de mantermos as reservas em títulos americanos, podíamos comprar as ações da Petrobrás”, defendeu.
“Temos boa chance de recuperar muita coisa se vencermos as eleições deste ano. Mas, o que vai determinar o futuro é qual a linha do ministério da Economia do novo governo. Se o economista do Lula for ortodoxo, não tem jeito. Tem que ser heterodoxo, tem que sair da caixinha. Porque os governos Lula e Dilma, apesar de muitos avanços, foi um governo muito dentro da caixinha”, disse Paulo Cesar Lima.
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