JUAN DOMINGO PERÓN
“Em quase todos os países aderidos ao famoso Fundo Monetário Internacional se sofrem as consequências e se começam a escutar as lamentações”
Quando em 1946 assumi o governo, a primeira visita que recebi foi a do presidente do Fundo Monetário Internacional que vinha nos convidar a que aderíssemos ao mesmo.
Prudentemente lhe respondi que necessitava pensá-lo e, logo depois, destaquei dois jovens técnicos de confiança da equipe do governo para investigar esse “monstro tão perigoso”, nascido segundo lembro nos suspeitos acordos de Breton Woods.
O resultado deste informe foi claro e preciso: em síntese, tratava-se de um novo engendro putativo do imperialismo.
Eu, que tenho a vantagem de não ser economista, posso explicá-lo de maneira que se entenda.
A política das “áreas monetárias”, depois do abandono do padrão ouro, tem sido frutífera em acontecimentos onde sempre o negocio esteve no centro.
Usando diversas maneiras de deformar a realidade, tem se conformado já uma longa história através da “área esterlina” assim como a “área dólar” e, embora o pretexto fosse dar respaldo indireto às moedas dos países pobres de reservas de ouro, em realidade de verdade, tudo tem sido uma nova forma de especular com a boa fé dos demais.
Até depois da Primeira Guerra Mundial existiu a “área esterlina”, que agasalhou numerosas moedas a mercê do ouro da Inglaterra, que a guerra foi levando paulatinamente para o Fort Knox, até o extremo de que a Grã Bretanha viu-se em um grave problema para sustentar a sua área monetária.
Intentou fazê-lo fundando o Banco Central da Inglaterra e declarando imediatamente depois que, se antes a área esterlina estava garantida pelo ouro da Inglaterra, agora o estava pelo império inglês.
Mas acontece que os Estados Unidos nesse processo tinham acumulado quase 80% do ouro do mundo e ditam sua famosa Lei Fiduciária que estabelecia que quem apresente um dólar no Banco da Reserva Federal receberia seu equivalente em ouro.
Essa promessa, embora jamais se cumprisse, teve a suficiente atração natural como para forçar o nascimento da “área dólar”.
É assim como, desde esse momento, o dólar passa a ser a moeda de câmbio no mundo ocidental, em quanto que a esterlina deixa de sê-lo.
Desde então, assim como antes todas as semanas, desde a Torre de Londres, os ingleses anunciavam o valor oficial do ouro, frente ao povo e a viva voz, Wall Street se encarregou de substituí-los em silêncio e desde seus escritórios da Quinta Avenida, fixando o valor da Onza Troy pelo dólar americano sobrevalorizado, com um preço político que, não obedecendo a lei de oferta e a procura no mercado áureo-internacional, lhes permitira cobrar um Royalty em todas as operações em que interviesse esta moeda de câmbio.
Pouco depois de finalizada a Segunda Guerra Mundial, a perda de grande parte da reserva ouro dos Estados Unidos ameaçava gravemente a existência da “área dólar”, situação que continua se agravando com os gastos de pós-guerra, com o que os EUA se colocavam em situação parecida à da Inglaterra depois da guerra anterior quando alguma Nação conseguia a formação dessa reserva.
Em consequência era preciso criar o instrumento necessário para consolidar a “área dólar”.
O Fundo Monetário Internacional foi a solução.
Nele participariam a maioria dos países ocidentais, comprometidos mediante uma longa contribuição ao Fundo, desde onde se lidaria com todas suas moedas, se fixaria não só a política monetária, como também os fatores que direta ou indiretamente estivessem ligados à economia dos associados.
A realidade depois se encarregou de ir muito além, como podemos ver agora, quando chega a hora das lamentações.
Eis aqui algumas das razões, além de muitas outras, pelas quais o Governo Justicialista da República Argentina não aderiu ao Fundo Monetário Internacional.
Para nós, o valor de nossa moeda era fixado no país, como também, nós estabelecíamos o câmbio de acordo com as nossas necessidades e conveniências.
Para o intercâmbio internacional recorremos à permuta e assim nossa moeda real foram nossas mercadorias.
Ante a falsificação permanente da realidade monetária internacional e as manobras de todo tipo a que se prestava o insidioso sistema criado, não havia outro recurso que não fosse fazê-lo assim ou deixar-se roubar impunemente.
Passou o tempo, e em quase todos os países aderidos ao famoso Fundo Monetário Internacional se sofrem as consequências e começam a se escutar as lamentações.
Este Fundo, criado segundo diziam para estabilizar e consolidar as moedas do “Mundo livre”, não tem feito senão envilecê-las na maior medida.
Enquanto isso, os Estados Unidos se encarregavam, através de suas empresas e capitais, de apropriar-se das fontes de riqueza em todos os países onde os tontos ou os capachos lhe davam espaço, à mercê de seu dólar ficticiamente valorizado em referência às envilecidas moedas dos outros.
Juan Domingo Perón (1967)
Fonte: Gaceta