
Claudio Campos, fundador da Hora do Povo, por ocasião da privatização da Vale, afirmou que o nome correto era roubatização
Reunimos numa mesa redonda três dirigentes sindicais nacionais, eletricitários, que, pela CNTI (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria), desde 2017, estão à testa da resistência à privatização da Eletrobrás. São eles: Renato Fernandes, diretor do Sindefurnas (Sindicato dos Eletricitários de Furnas), que tem base em Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso; Ícaro Chaves, trabalhador da Eletronorte e diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobrás e do Coletivo Nacional dos Eletricitários, e Vitor Costa, que trabalha na sede de Furnas, no Rio de Janeiro, e é diretor da Associação dos Empregados de Furnas.
INCONSTITUCIONAL
Segundo Ícaro, o governo Bolsonaro construiu uma modelagem para a privatização da Eletrobrás inconstitucional. “Na Constituição, energia nuclear é monopólio do Estado”, diz Vitor. “Em seu artigo 20, § 23, a Constituição brasileira determina que qualquer coisa que diga respeito à energia nuclear é monopólio da União”, completa Ícaro. E segue: “Quem financia todo o programa nuclear é a Eletrobrás. A Eletronuclear é subsidiária da Eletrobrás, é quem compra todo o combustível nuclear produzido pela INB (Indústrias Nucleares Brasileiras). Há uma cadeia que sustenta toda energia nuclear brasileira, fundamental para a soberania nacional. O Brasil será um dos poucos países a ter submarino nuclear. A Eletronuclear é o esteio de todo programa nuclear brasileiro”.
Para Ícaro, “a Eletrobrás não foi feita para ser privatizada. Gera desenvolvimento tecnológico, especialmente da energia nuclear. O Brasil já tem o domínio de todo o ciclo da energia a nuclear. Da extração do urânio até a produção do combustível nuclear, da produção de energia elétrica, fármacos etc”. “Vão criar uma empresa, a Eletronuclear remodelada, que vai ter 70% do seu capital pertencente à Eletrobrás privada”.
Apesar do controle formal continuar sendo da União, por uma empresa criada recentemente, a NB PAR, a maior parte do capital será da empresa privada, inclusive com acesso a informações estratégicas. “Em lugar nenhum do mundo se transfere tecnologia nuclear. Eles irão colocar capital privado para tomar conta, que pode ser algum fundo dos EUA, algum fundo soberano do Catar, que vai mandar no nosso programa nuclear, que vai ter o direito de indicar o diretor financeiro da empresa. Vão colocar em risco o programa nuclear brasileiro e as próprias usinas nucleares”, afirmou Ícaro.
5ª COLUNA
Segundo Renato, nos últimos 4 anos., a Eletrobrás teve R$ 40 bilhões de lucro. O bônus de outorga, ou seja, o governo vai auferir R$ 23 bi. “Como se vende uma empresa que nos últimos 3 anos teve lucro líquido de R$ 25 bilhões por R$ 23 bilhões, com um patrimônio avaliado em R$ 400 bilhões?”, aponta.
Vitor informou que a Medida Provisória da privatização (MP 1031), em votação conturbada e apertada no Senado, cheia de jabutis, virou a lei 14.182. A ANEEL e o BNDES precisaram fazer “ajustes” para submeter ao TCU nova concessão de 22 usinas hidrelétricas e a modelagem da privatização. Foi pautada no dia 20 de abril, no entanto houve pedido de vistas pelo ministro Vital do Rego e tem nova pauta para o dia 18 de maio.
“Passou no Congresso. Mas a situação continua muito complexa. A precificação e segregação dos ativos de Itaipu Binacional são questões muito contraditórias porque é um acordo internacional com o Paraguai, além da Eletronuclear. A Constituição diz que energia nuclear é monopólio do Estado”, reforçou Vitor.
MAIS INFLAÇÃO
O processo de privatização do setor elétrico acontece desde o governo de Fernando Henrique. Quanto mais avança a privatização, mais o preço da energia aumenta. “O Brasil conseguiu a proeza de produzir uma das energias elétricas mais baratas do mundo. Nossa base é a energia hidroelétrica, e temos uma das tarifas mais caras do mundo. O que vai tornar o acesso à energia um privilégio ao invés de um direito”, afirmou Ícaro. “A Eletrobrás possui 30% da geração de energia no país. Os outros 70% foram privatizados. Com relação à transmissão, a participação da Eletrobrás é de cerca de 44%. Na distribuição está praticamente tudo privatizado. Das 53 distribuidoras, só três são estatais”, acrescentou.
Conforme Renato, “a privatização significa desemprego, terceirização, precarização da mão de obra, diminuição na qualidade do serviço”. Temos feito pesquisas com a sociedade. A população é totalmente contrária. O Sindefurnas representa trabalhadores de Minas, Goiás e Mato Grosso. Estou em Goiás. “A privatização da CELG [antiga Companhia de Distribuição do Estado de Goiá] foi um desastre. Encareceram os serviços, que ficaram piores. Os produtores têm prejuízo na produção por falta de energia”.
Ícaro lembrou que, na Carta Testamento de Getúlio, Petrobrás e Eletrobrás foram criadas por uma necessidade nacional. “Já estava claro que a iniciativa privada não iria investir em energia. Não atendia a necessidades para o desenvolvimentismo do país”.
O Brasil, entre os anos 30 e 80, foi o país que mais se industrializou no mundo. A base desse desenvolvimento foram empresas como a Petrobrás, a Eletrobrás, a CSN, as indústrias de base, todas elas estatais. “A privatização da Eletrobrás nos levaria a um século atrás, numa situação em que nós não tínhamos soberania energética”, considerou Ícaro. Para que o próximo governo possa romper o ciclo de estagnação que estamos vivendo vai precisar de energia”, ressaltou.
CARLOS PEREIRA