Multidões vestidas de branco realizaram marchas em 50 cidades, condenando a repressão ao referendo, que feriu 800 pessoas, e clamando: “Conversem!”
Com roupas brancas – a cor da paz – e clamando “conversem!” – conclamação dirigida à Generalitat catalã [governo regional] e a Madri, multidões foram às ruas de 50 cidades da Espanha no sábado (7), em repúdio à repressão decretada pelo governo neoliberal de Mariano Rajoy contra o referendo da Catalunha, que deixou mais de 800 feridos.
Os maiores atos ocorreram em Madri e Barcelona. 90% dos que votaram no referendo – que foram 42% dos 5,3 milhões de eleitores – decidiram pelo sim à separação da Espanha. Conforme pesquisa de opinião, 80% foi favorável à realização do referendo, embora não necessariamente pró-independência.
No domingo (8), em Barcelona, onde as manifestações pela autonomia costumam congregar mais de um milhão de pessoas, um ato com cerca de 400 mil – parte vinda de ônibus de outros lugares da Espanha e com bandeiras espanholas – expressou que uma parte importante dos catalães não quer a separação. Na véspera outra manifestação em Madri, na praça Colón, juntou neofranquistas para amaldiçoar os “mossos” – a guarda catalã que tentou defender a população dos espancamentos – e pedir a prisão ao “traidor” Carles Puigdemont, presidente da Generalitat.
A realização do referendo foi o principal compromisso de campanha da coalizão que ganhou as eleições de 2015, com a aspiração à separação impulsionada pelo brutal arrocho e desemprego em massa sob o diktat da Troika a Rajoy, para salvar bancos, reforçada pela cassação em 2010 dos avanços na autonomia assinados em 2006 e pelo escândalo da corrupção na cúpula do PP, o partido do primeiro-ministro.
Numa nação multinacional como o Estado Espanhol, com vários povos e idiomas, a autodeterminação é o direito essencial – e, claro, voluntário -, que não implica na obrigação da separação – assim como o direito de divórcio não obriga casal algum a se desfazer. O que abrange não só a Catalunha, mas também a Galiza, a Andaluzia e o País Basco, com a unidade inclusive podendo ser a condição mutuamente mais vantajosa, sob a prisão de povos que é a União Europeia, e debaixo do tacão de Berlim e da ocupação dos EUA. E – como já visto – o maior sabotador da possibilidade de preservação da unidade da Espanha é exatamente o neoliberal Rajoy.
Nesta terça-feira, em Barcelona, Puigdemont foi até o parlamento regional catalão para apresentar o resultado do referendo. A tensão vem se multiplicando à medida que grandes empresas estão mudando suas sedes para fora da Catalunha, como o Caixabank e o Banco Sabadell, e o secretário de comunicação do partido de Rajoy, Pablo Casado, ameaçou Puigdemont de ter “o mesmo destino” de Lluís Companys. Este, o presidente da primeira Generalitat nos anos 1930, e que após a queda da República Espanhola foi preso, torturado e fuzilado pelo ditador Franco, que também acabou com a autonomia e proibiu por décadas o idioma catalão.
Na verdade, Rajoy é um primeiro-ministro desmoralizado pelos escândalos de corrupção e pela devastação da economia, assim como pela sabujice a Merkel, e seu governo é de minoria, só tendo 134 lugares, e apenas voltou ao poder graças ao ex-primeiro-ministro socialista Felipe Gonzáles, que bancou no PSOE a abstenção diante de sua renomeação.
Além de estar em crise pela submissão à UE, a Espanha também agoniza sob uma fachada de monarquia inteiramente artificial e corrupta, fabricada para resolver o imbróglio pós-franquista. E Rajoy está vendo na mão dura contra os catalães a oportunidade para dar uma volta por cima, reanimar seus cães de fila neofranquistas e enquadrar os recalcitrantes. Por outro lado, a unidade que pode ser conseguida na resistência ao arbítrio e ao neoliberalismo pode ter como desfecho a queda do frágil governo Rajoy e abrir espaço para revogar o arrocho e restaurar a ampliação da autonomia.
A prefeita de Barcelona, Ada Colau, que havia chamado Rajoy de “covarde” por sua repressão ao referendo, participou do ato no sábado por negociações entre Madri e a Generalitat. Para ela, não existe “coesão suficiente” dentro da sociedade catalã para a decretação unilateral da independência, que foi o que as duas manifestações de Barcelona – o referendo e a de domingo – demonstraram. “Os resultados do 1º de outubro não podem ser um aval para proclamar a independência”, afirmou.
“Não precisamos de uma escalada que não beneficia ninguém. É hora de construir pontes, não de dinamitá-las”, afirmou. Ela também pediu que Rajoy retire da Catalunha os 10 mil policiais que enviou. Nas manifestações de branco de sábado, os participantes também denunciaram a intenção, anunciada por Rajoy, de usar o artigo 155 da Constituição para dissolver o governo catalão e intervir na região.
ANTONIO PIMENTA