CAIO TEIXEIRA, FELIPE BIANCHI E LEONARDO WEXELL SEVERO/ COMUNICASUL
Como denuncia o professor da Universidade Pedagógica Nacional da Colômbia, historiador Renán Vega, seu país foi transformado em uma base operacional dos Estados Unidos e o desafio de Gustavo Petro nas eleições presidenciais do próximo domingo (29) é mudar um regime de submissão que remonta ao final dos anos 40 do século passado.
“Desde muito cedo, quando se inicia a Guerra Fria, a Colômbia é um dos primeiros países que se inscreve clara e abertamente na órbita dos EUA, com acordos que convertem o país no primeiro em investimento e assessoramento militar”, lembra o doutor em Estudos Políticos pela Universidade Paris VIII, mestre em história e bacharel em Economia pela Universidade Nacional.
Em seu testemunho na Comissão Histórica do conflito e suas vítimas, Renán Vega explicitou que isso adquire um sentido particular precisamente no momento em que os EUA inundam o país de dólares para as Forças Armadas: “é aí que se inicia a violência que estamos vivendo”. “E o fato mais conhecido é o assassinato de Eliecer Gaitan em 9 de abril de 1948. No contexto de consolidação dos interesses mais retrógrados, os Estados Unidos vão se aproveitar da situação e assinar acordos e convênios militares prolongados até os dias de hoje”, acrescenta.
“Temos também um dos acontecimentos mais desgraçados para a história colombiana e latino-americana, que inaugura este vínculo com os Estados Unidos. É que na Guerra da Coreia as Forças Armadas do nosso país intervêm diretamente, constituindo o que chamam de Batalhão Colômbia. E temos a vergonha de haver sido o único país do continente em participar, ao lado dos EUA, nesta guerra que serviu para formar o Exército colombiano em anticomunismo e perseguição do inimigo interno. Depois disso eles vêm aplicar esses ensinamentos aqui, com os EUA reforçando sempre tal aprendizagem teórica e prática. Desde então, até hoje, há inúmeros fatos e múltiplos exemplos da ingerência estadunidense e esse é o começo”, assinala.
PLANO COLÔMBIA
Na avaliação do pesquisador, a última fase do processo “inicia há quase 25 anos com a assinatura do chamado Plano Colômbia, muito relacionado com a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela”. “É quase automático que assim que Chávez ganha as eleições, em 1998, se aprove o Plano Colômbia, que é de contrainsurgência não somente no país mas na zona andina e, portanto, se aponta a perspectiva de converter a Colômbia em pivô estratégico dos Estados Unidos no terreno militar para sabotar os processos nacionalistas em marcha na Venezuela, Equador e Bolívia”, disse.
Para Renán Vega, embora haja o discurso contrainsurgente, para combater principalmente a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), após a derrubada das Torres Gêmeas, as ações do Plano Colômbia “avançam para além das fronteiras do país, para o Caribe, para a Amazônia, ameaçando os países vizinhos e convertendo-se, ademais, em um polo de inteligência e de informação dos EUA. Então, o Comando Sul [das Forças Armadas estadunidenses] passeia pelo território colombiano como se fosse de sua propriedade, sem nenhum tipo de obstáculo”.
Em um contexto de intensa disputa política e ideológica, em que os monopólios de comunicação reproduzem a visão dominante, acredita o historiador, “é essencial registrar que nos últimos 70 anos, o Exército colombiano foi adestrado pelas doutrinas militares dos EUA, e a melhor forma encontrada para isso foi levar os militares colombianos para preparar-se naquele país, na tristemente célebre Escola das Américas”.
Assim, recordou Renán Vega, “as Forças Armadas da Colômbia foram desenhadas pelos EUA, ainda que também por outras influências, como a de Israel, que é outro elemento a ser considerado”. Essa “preparação” se dá igualmente “no âmbito doutrinário, tanto de forma legal como ilegal, porque os paramilitares que seriam tão dramaticamente importantes neste país nos últimos 40 anos, vão ser treinados em grande medida por mercenários de Israel, financiados e patrocinados pela Inglaterra e pelos EUA”.
BASES MILITARES
“Quando se assina um acordo entre Colômbia e EUA em 30 de outubro de 2009 se estabelece a instalação de sete bases militares claramente localizadas e grande parte das denúncias que se fizeram nesse momento, e que se fazem desde então, se restringem a esses territórios”, apontou.
O fato, explicou Renán Vega, é que as classes dominantes deste país – banqueiros, latifundiários e narcotraficantes – “sempre foram muito cuidadosas na forma em que se apresentam como se fôssemos um Estado de Direito onde o Poder Judiciário é independente e significativo”. “Então resultou que esse acordo foi considerado nulo aqui, internamente. Mas isso não significa que essas bases ou outras formas de intervenção dos EUA tenham deixado de operar. O que eu e outros pesquisadores vimos dizendo é que é praticamente uma enganação reduzir a presença estadunidense a essas bases quando eles têm presença sobre todo o território nos últimos 25 anos. Não só nas bases formalmente estabelecidas, mas também em batalhões, por exemplo em lugares onde se estabelecem radares e equipamentos do gênero. Há pessoas dos EUA trabalhando e se movendo conjuntamente com as forças colombianas. Há pessoal militar e civil dos EUA, mas grande parte da presença militar estadunidense não é de tropas oficiais, senão de mercenários porque há esse processo de crescente terceirização da guerra por parte dos EUA havendo dessa forma um sem número de civis contratados que se reportam diretamente à embaixada dos EUA ou de empresas que têm contratos reultantes do Plano Colômbia em diferentes âmbitos da segurança dentro do território colombiano”, declarou.
OCUPAÇÃO DE LUGARES ESTRATÉGICOS
Para proteger os interesses estrangeiros a Colômbia tem o que chamam de “Batalhões de Segurança Energética, presentes em todos os lugares onde há mineração ou exploração de petróleo”. “O Exército possui uma força especial para cuidar desses lugares que pertencem principalmente a capital multinacional, empresas petrolíferas dos EUA, mineradoras canadenses e europeias. Esses batalhões sempre contam com a presença direta de militares ou assessores de segurança estadunidenses. Estamos falando de cerca de 70 mil membros nesses batalhões dentro de um exército de 300 mil soldados apenas no Exército Nacional Militar, na Polícia e nos organismos secretos”, esclareceu Renán Vega. Desta forma, na prática, “quase um terço do Exército colombiano está dedicado a cuidar disso. São empresas fundamentalmente privadas, mas teoricamente a serviço do Estado colombiano. Essa situação resulta precisamente dos acordos, alguns conhecidos, outros desconhecidos pois são acordos secretos com os EUA. Secretos depois da experiência das bases militares em 2009, que gerou tanto escândalo a níveis nacional e internacional”. Mas a situação é tão evidente, advertiu, que o ex-presidente Juan Manuel Santos (2010-2018), “que então era ministro da Defesa quando esses acordos foram assinados, deu uma entrevista dizendo que era preciso evitar toda esta perda de tempo e a irritação com procedimentos formais”. Segundo Santos, “os acordos tinham que ser assinados sem tanto ruído”.
Na realidade, asseverou, “o paramilitarismo foi uma desintegração do Estado colombiano e das Forças Armadas para realizar práticas contrainsurgentes que em determinado momento não eram convenientes para o exército colombiano admitir”. Entre outros atropelos aos direitos humanos, condenou, “encontram-se os bombardeios indiscriminados contra acampamentos de guerrilheiros, o que significou o assassinato de centenas de militantes, não somente de lideranças, mas também de populações rurais e indígenas localizados nas proximidades dos locais”.
HORA DA MUDANÇA
A luta para o cumprimento dos Acordos de Paz, apontou Renán Vega, passa pelo enfrentamento à oligarquia, extremamente subserviente desta lógica de exclusão e morte. O obstáculo, reiterou, “é o capital financeiro, algumas famílias que controlam historicamente a gestão do Estado, os grandes meios de produção e de informação”. A possibilidade de fraude nas eleições de domingo é algo real, sinalizou, pois “há um medo visceral e anticomunista das classes dominantes e do Exército”. No cenário positivo, da vitória de Gustavo Petro no primeiro turno, alertou, “podem iniciar a realizar todo tipo de manobras e sabotagem para tornar o país ingovernável”.
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