“Navios russos não são aceitos nos portos europeus, não conseguem seguro e, basicamente, daí que todas as cadeias logísticas e financeiras ligadas ao fornecimento de grãos nos mercados mundiais estão sob sanções ocidentais”, afirmou o chanceler russo, rebatendo a hipocrisia sobre a ‘crise alimentar global’. Para culpar a Rússia, “ocultam vergonhosamente” esse bloqueio, esclareceu Lavrov
Os países ocidentais não falam que as sanções contra Moscou atingiram navios russos que carregam grãos, apontou na quarta-feira (1º) Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, em uma entrevista coletiva após uma visita à Arábia Saudita, em que desmascarou a hipocrisia de Bruxelas e Washington sobre a ‘ameaça de crise alimentar global’, na qual reduzem o problema exclusivamente a grãos armazenados em portos ucranianos.
A Rússia é o maior exportador mundial de trigo e a Ucrânia ocupa a 4ª posição. E, quanto aos imprescindíveis fertilizantes (NPK), a Rússia é o maior exportador mundial de nitrogenados, o segundo maior fornecedor de potássicos e o terceiro maior exportador de fosfatados.
“Há um problema com a exportação de grãos russos. Embora o Ocidente nos lembre muito alto que os grãos não estão sujeitos a sanções, por alguma razão, eles se mantêm vergonhosamente silenciosos sobre o fato de que os navios que importam grãos russos foram sancionados. Eles não são aceitos nos portos europeus, não conseguem seguro e, basicamente, todas as cadeias logísticas e financeiras ligadas ao fornecimento de grãos nos mercados mundiais estão sob sanções de nossos colegas ocidentais”, denunciou o chefe da diplomacia russa.
Quanto aos grãos ucranianos, Lavrov enfatizou que não existe nenhum entrave de parte da Rússia: “o problema é principalmente a falta de saída livre dos portos ucranianos através dos campos minados pelos próprios militares ucranianos”, acrescentou ele.
Recentemente, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, insistiu que “os alimentos e fertilizantes russos devem ter acesso irrestrito aos mercados mundiais sem impedimentos indiretos”. Para ele, “não há solução efetiva para a crise alimentar sem reintegrar a produção de alimentos da Ucrânia, assim como os alimentos e fertilizantes produzidos pela Rússia e pela Bielorrússia, nos mercados mundiais – apesar da guerra”.
DESMINAGEM DOS PORTOS SÓ DEPENDE DE KIEV
Quanto a isso, ele revelou, foi possível chegar a um acordo com a Turquia para desminar os portos ucranianos. “Após uma conversa com o presidente [da Turquia, Recep Tayyip] Erdogan, foi acordado que os colegas turcos tentariam ajudar a organizar a desminagem dos portos ucranianos, para libertar os navios feitos reféns lá”, disse ele a jornalistas, acrescentando que espera que “esta operação ocorra sem qualquer tentativa de fortalecer o potencial militar da Ucrânia e prejudicar a Federação da Rússia”.
Na véspera, o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, havia confirmado que o que estava impedindo a saída de navios com grãos de Odessa e outros portos ucranianos eram “minas marítimas instaladas pela Ucrânia”.
Declaração que contestou a alegação, de parte de Bruxelas e de Washington, que o problema para a liberação da safra era o suposto ‘bloqueio por navios de guerra russos’.
A propósito, a Rússia vem mantendo diariamente um corredor seguro para navegação no Mar Negro, como informado à Organização Marítima Internacional (IMO) e o porto de Mariupol, recém libertado, já opera normalmente.
DEBATE NO CS DA ONU
No Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo Vasily Nebenzia rebateu declarações do secretário de Estado, Anthony Blinken, acusando a Rússia de manter 20 milhões de toneladas de grãos sem uso nos silos ucranianos, “à medida que os suprimentos globais de alimentos diminuem, os preços disparam, causando insegurança alimentar em mais pessoas ao redor do mundo”.
“Você afirma que supostamente estejamos impedindo que produtos agrícolas sejam retirados da Ucrânia por mar”, disse ele. “No entanto, a verdade é que foi a Ucrânia e não a Rússia que bloqueou 75 navios de 17 Estados nos portos de Nikolaiev, Kherson, Chernomorsk, Ochakov, Odessa e Yuzhny e minou as vias navegáveis”.
Nebenzia responsabilizou as mais de 10.000 sanções contra a Rússia pelos problemas logísticos e de pagamento de grãos e fertilizantes. “Se você não quer suspender suas sanções de escolha, então por que você está nos acusando de causar esta crise alimentar?” ele perguntou. “Por que é que, como resultado de seus jogos geopolíticos irresponsáveis, os países e regiões mais pobres devem sofrer?”
O embaixador russo permanente na ONU acrescentou que, levando em conta declarações de políticos ocidentais e relatos da mídia, se pode chegar à conclusão de que “o grão ucraniano está realmente sendo exportado por ferrovia e ao longo do Danúbio por barcaça”.
A Rússia – assinalou – tem motivos para suspeitar que o grão não está sendo entregue ao “sul global faminto”, mas está sendo levado para países europeus como “compensação” pelas armas fornecidas a Kiev pelo Ocidente.
Ele disse ainda que a Rússia espera uma safra recorde de trigo e está pronta para exportar 25 milhões de toneladas de grãos de 1º de agosto até o final de 2022 através do porto de Novorossiysk, no Mar Negro.
SANÇÕES DE ESCOLHA
Em Bahrein, Lavrov ressaltou que a logística de suprimentos de alimentos e as operações financeiras relacionadas a eles foram interrompidas pelas sanções e instou Washington e Bruxelas a definirem “o que é mais importante para eles: usar o problema da segurança alimentar para suas próprias relações públicas ou resolver o problema com medidas concretas”. “Agora depende deles”, assinalou.
Na semana passada, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, havia igualmente refutado as alegações do eixo Washington-Bruxelas de que o ‘bloqueio russo’ estaria bloqueando o fornecimento de grãos aos ‘países africanos’. “Negamos categoricamente essas acusações e, ao contrário, acusamos os países ocidentais de terem realizado algumas ações ilegais que levaram a esse bloqueio”, disse Peskov.
Quando perguntado por um jornalista se isso significa que os países ocidentais precisam suspender as sanções para que o fornecimento de grãos seja retomado, Peskov disse: “Eles devem cancelar as decisões ilegais que impedem o afretamento de navios, que impedem a exportação de grãos e assim por diante”.
SANÇÕES AFETAM OFERTA DE FERTILIZANTES
Como assinalou uma comentarista russa, os europeus, que em matéria de comida só conhecem a fartura faz tempo, “estão caminhando para uma crise de fome autoproduzida”.
“O nitrato de amônio custava 270 euros a tonelada no ano passado – e agora custa 790 euros. O custo do nitrogênio líquido subiu de 240 euros para 400 euros por litro”. Quanto ao nitrogênio, “agora todos puderam aprender que o gás natural russo é necessário para sua produção na Europa. E sem esse fertilizante, ‘o rendimento cai em 50-60 por cento’ –, enquanto com ele, o trigo também ganha altura e massa ainda mais rápido” – atingindo os agricultores europeus.
O Índice de Preços de Fertilizantes do Banco Mundial subiu quase 10% no primeiro trimestre de 2022, para um recorde histórico em termos nominais. O aumento segue o aumento de 80% do ano passado. De acordo com as projeções, os preços vão subir quase 70% este ano antes de cair – presumivelmente – daqui a doze meses.
Em abril, a UE adotou outro pacote de sanções contra Moscou que incluía a proibição da importação de fertilizantes. Em março, Bruxelas sancionou outro importante exportador de fertilizantes, a Bielorrússia.
Além da interrupção da entrega, desde o início do conflito na Ucrânia, várias grandes empresas de navegação, incluindo as maiores operadoras de navios porta-contêineres do mundo – AP Moller-Maersk A/S e Mediterranean Shipping Co. – suspenderam os serviços para os portos russos.
A RT acrescenta outro exemplo da insanidade das sanções: a enorme fábrica da EuroChem em Antuérpia, Bélgica, de propriedade de russos e sede na Suíça, que produz fertilizantes. Após o início da histeria das sanções, o proprietário russo transferiu todas as suas ações para sua esposa, uma cidadã croata. Conclusão: os alemães continuaram felizes a comprar da EuroChem, enquanto o tesouro francês proibia qualquer transação e os agricultores da França não recebiam nada.