
A Uneafro Brasil e o Instituto de Referência Negra Peregum protocolaram uma ação no Ministério Público do Paraná pedindo o fechamento da AlfaCon, empresa de curso preparatório para entrar na Polícia Rodoviária Federal e outros órgãos públicos e que ensina alunos a torturarem. A empresa é intimamente ligada ao clã Bolsonaro. Um dos seus filhos [Eduardo] já ministrou aulas para a Alfacon em 2018 e o próprio Jair Bolsonaro já fez propaganda da Alfacon.
O conteúdo foi postado duas vezes nos perfis do fundador e presidente do AlfaCon, Evandro Guedes. Uma das publicações, contudo, já foi apagada. Nela, Guedes tinha colocado a logo da escola junto à mensagem de Bolsonaro, no intuito de promover o cursinho: “Ano que vem teremos 2000 vagas para PF e 2000 PRF! “Você não pode arriscar estudar em outro lugar!” TAOKEY”, escreveu .
TORTURA
De acordo com a ação protocolada no MPPR, a Alfacon é responsável por ensinar técnicas de tortura como as que mataram o Genivaldo de Jesus, a seus estudantes. O homem de 58 anos morreu na última quarta-feira (25), após agentes da instituição improvisarem uma câmara de gás lacrimogêneo no porta-malas da viatura e trancarem ele dentro. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram o professor Ronaldo Bandeira ensinando a mesma prática, descrita pelo próprio como uma técnica de “tortura” aos alunos da Alfacon.
As entidades pediram também a responsabilização criminal de Evandro Guedes, o dono da AlfaCon, por incitação ao crime e racismo. Guedes, que é ex-policial militar e se diz candidato ao Senado pelo PL, já disse falas racistas e violentas em suas aulas.
“O desgraçado do favelado. É isso mesmo, feio para caralho, mijou na latinha de Coca-Cola e mandou, num calor desgraçado 4 e meia da tarde num domingo. Aquela p** bateu nas minhas costas e até hoje eu tenho uma raiva… E a latinha subiu e o xixi veio, chegou a entrar no meu nariz, fiquei todo mijado. P**, mijo de favelado, a p* dos favelados, a crioulada, todo mundo rindo. O capitão mandou bater em todo mundo. Foi o primeiro ato de execução de maldade e crueldade que eu fiz, p** que par*. Ali eu descobri que eu gosto de bater nas pessoas, e ponto. É uma coisa que eu gosto de fazer, e tive que me controlar por anos para não dar m**.”, disse ele em uma ocasião.
Um vídeo mostra Evandro Guedes, afirmando, durante uma aula de capacitação para policiais em formação, que ele gosta “de bater nas pessoas”.
“Fatia daqui e daqui e bate em todo mundo [referenciando a ordem do capitão]. Ai eu falei ‘É comigo mesmo’. Foi o primeiro ato de execução de maldade e crueldade que eu fiz […] ali eu descobri que eu gosto de bater nas pessoas e ponto. É uma coisa que eu gosto de fazer e tive que controlar por anos pra não dar merda”.
Em outro trecho, Guedes aparece dizendo que agrediu diversas pessoas ao longo da carreira.
“Porrada sobrou, irmão, eu dei porrada em todo mundo: homens, crianças, velhos e adolescentes […]”.
INVESTIGAÇÃO
A declaração de Guedes e outras semelhantes estão sob a investigação do Ministério Público do Paraná (MP-PR), que formalizou inquérito civil para apurar as falas três professores. A escola, que tem sede em Cascavel, no oeste do estado, também está sob investigação.
O procedimento quer apurar a suspeita de incitação a crimes como tortura, pela escola e por professores.
Em uma vídeo-aula, também sob investigação, o professor Ronaldo Bandeira, que atuava no mesmo cursinho, ensina a jogar spray de pimenta dentro de um camburão. A apuração do MP-PR teve como estopim a morte de Genivaldo. Após a morte de Genivaldo, declarações atribuídas a Guedes, sócio da AlfaCon, e a outros dois professores do cursinho no Paraná, vieram à tona por supostamente incitarem situações similares a que envolveu a morte de Genivaldo.
Em nota, nesta terça-feira (1º), a escola afirmou que Ronaldo Bandeira não faz parte dos quadros da instituição desde 2018, e que o vídeo em questão atribuído a ele foi gravado em 2016. Além disso, a escola também informou que removeu o material do ar tão logo tomou conhecimento da aula.
PROFESSOR CAVEIRA
A propaganda de práticas de tortura por palestrantes da Alfacon já é conhecida. Em 2019, reportagem do portal Ponte Jornalismo, revelou o caso do ex-pm Norberto Florindo Junior, que se auto-intitulava “capitão caveira”. Em diversos vídeos ele afirma já ter praticado tortura e execuções em favelas, inclusive de crianças e bebês.
A Ouvidoria do Ministério Público de São Paulo recebeu uma representação (notícia de fato) com base na matéria e a promotora Cynthia Pardo Andrade Amaral, da 6ª Promotoria de Justiça Criminal, instaurou o inquérito para apurar suspeita de incitação ao crime, em 7 de novembro de 2019. A Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo também passou a investigar Norberto na mesma época.
O ex-PM prestou depoimento ao 5º DP (Aclimação) dizendo que leciona na AlfaCon desde 2013 e que “Capitão Caveira” era um “personagem fictício” que “apregoava que o bandido deveria ser tratado de forma enérgica, mas dentro da lei”. Justificou que “nunca disseminou a prática de tortura e nem de homicídios”, que os exemplos também eram “fictícios” para “manter a atenção do aluno”, já que detinha de “Liberdade de Cátedra”, e que nunca recebeu reclamações de alunos ou familiares, mas sim “elogios”.
Nas aulas de Direito Penal e de Processo Penal, no entanto, colocando-se como “Professor Caveira”, exaltava ter feito chacinas quando era PM em São Paulo. Ele foi demitido da corporação em 2009, quando foi condenado por posse de cocaína no alojamento da Diretoria de Ensino da PM, época em que dava aulas de Direito aos militares. “Por isso quando eu entrava chacinando eu matava todo mundo: mãe, filho, bebê, foda-se! Eu já elimino o mal na fonte”, afirma em uma das aulas. Entre os ensinamentos do docente estão a tortura e a omissão de socorro.
“Bandido ferido é inadmissível chegar vivo ao pronto-socorro. Só se você for um policial de merda. Você vai socorrer o bandido, como?! Com esta mão, você vai tampar o nariz e, com esta, a boca. É assim que você socorre um bandido”, explica em um dos vídeos. Em outro, Norberto se vangloria de sua ficha de “baixas”: “São 28 [homicídios] assinados, um embaixo do outro, mais uns 30 que não assinei [risos]. Vai se foder, já prescreveu tudo! Foda-se, não estou nem aí”.