O jornal inglês The Guardian, que não pode ser acusado de qualquer simpatia por Moscou, acaba de registrar, em artigo assinado pelo seu editor econômico Larry Elliott, que a Rússia “está vencendo a guerra econômica” quase três meses após o início da operação de desnazificação e desmilitarização da Ucrânia e socorro russo ao Donbass.
Declaração feita exatamente quando a União Europeia tenta dar mais uma volta no garrote vil das sanções, desta vez anunciando “em seis meses” o fim de “90% das importações do petróleo russo”.
Ou seja, a contragosto, The Guardian se viu forçado a concordar com o presidente russo Vladimir Putin que vem afirmando há um mês: que havia fracassado a blitzkrieg econômica desencadeada pelos EUA e a União Europeia para destruir a economia russa, com sanções e inclusive confisco de reservas.
Acresce o Guardian que Putin “não está mais perto de retirar as tropas”. Na verdade, a Rússia também está vencendo no terreno militar e prestes a libertar o conjunto do Donbass do jugo do Batalhão Azov e outros “heróis” ucranianos recém santificados pela mídia ocidental, apesar das suásticas e outros adereços em tatuagens, uniformes e bandeiras.
Diz inspirado o jornalão inglês: “Já se passaram três meses desde que o Ocidente lançou sua guerra econômica contra a Rússia , e não está indo conforme o planejado. Pelo contrário, as coisas estão indo muito mal”.
Conforme o Guardian, não há nenhum sinal imediato de que a Rússia vá se retirar da Ucrânia, acrescentando que isso “não é surpreendente, porque as sanções tiveram o efeito perverso de aumentar o custo das exportações de petróleo e gás da Rússia, aumentando massivamente sua balança comercial e financiando seu esforço de guerra”.
SUPERAVIT DE US$ 96 BI NOS PRIMEIROS MESES DO ANO
Elliott acrescenta que “nos primeiros quatro meses de 2022, Putin pode ostentar um superávit em conta corrente de US$ 96 bilhões – mais que o triplo do valor do mesmo período de 2021”.
Quando a UE anunciou sua proibição parcial das exportações russas de petróleo no início desta semana, o custo do petróleo bruto nos mercados globais aumentou, “proporcionando ao Kremlin outro ganho financeiro inesperado”, lamentou o editor. Ele acrescentou que a Rússia “não está tendo dificuldade em encontrar mercados alternativos para sua energia, com as exportações de petróleo e gás para a China em abril aumentando mais de 50% ano a ano”.
Na verdade, é um pouco pior para os autores das sanções: a Ásia no mês passado superou a Europa como maior mercado para a energia russa, com a Índia também aumentando enormemente a compra de hidrocarbonetos russos.
Uma crise financeira imediata para Putin foi “evitada”, lamenta-se o editor. “O rublo – cortesia de controles de capital e um superávit comercial saudável – é forte . O Kremlin tem tempo para encontrar fontes alternativas de peças de reposição e componentes de países dispostos a contornar as sanções ocidentais”.
Em compensação, o editor econômico do Guardian é forçado a reconhecer que o bumerangue das sanções está voltando com força sobre quem as ordenou, a ponto de estar ocorrendo um “retorno à estagflação da década de 1970”: como resultado da guerra, “as economias ocidentais enfrentam um período de crescimento lento ou negativo e inflação crescente”.
Elliott reconhece que, proclamações pró-Kiev à parte em público em Davos, nos corredores era grande a preocupação “com os custos econômicos de uma guerra prolongada”.
Preocupação, segundo ele, “inteiramente justificada”. “A invasão da Ucrânia pela Rússia deu um impulso adicional às já fortes pressões sobre os preços. A taxa de inflação anual do Reino Unido é de 9% – a mais alta em 40 anos – os preços da gasolina atingiram um recorde e o teto do preço da energia deverá aumentar em £ 700-800 por ano em outubro”.
O Guardian acrescentou que o mais recente pacote de apoio de Rishi Sunak [ministro das Finanças] para lidar com a crise do custo de vida “foi o terceiro em quatro meses – e haverá mais por vir no final do ano”.
É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou açoitar. Assinala Elliott que os bancos centrais – incluindo o Banco da Inglaterra – “sentem que precisam responder à inflação de quase dois dígitos aumentando as taxas de juros” e o desemprego “deve aumentar”.
“Outros países europeus enfrentam os mesmos problemas, se não mais, já que a maioria deles depende mais do gás russo do que o Reino Unido”, observa o atento editor.
Continuando, Elliott assinala que o principal problema para os países mais pobres do mundo é a fome, não a estagflação, o que seria resultado do ‘bloqueio’ do fornecimento de trigo dos portos ucranianos – quando na realidade, o problema é que foi o próprio regime de Kiev que determinou o fechamento desses portos e sua minagem.
Além disso, as sanções impedem que navios russos carregados de grãos – a Rússia é o maior exportador de trigo do mundo – atraquem em portos europeus e as companhias seguradoras foram proibidas de fazer o seguro desses navios e cargas. As sanções também atingiram os fertilizantes russos e bielorrussos, tudo isso impactando na oferta de alimentos.
O Guardian também chama a atenção para outro efeito colateral do tsunami de sanções deflagradas contra a Rússia (em torno de 10.000): o FMI e o Banco Mundial temem que as nações em desenvolvimento, sob o triplo golpe em que crises de combustível e alimentos desencadeiam crises financeiras, “diante da escolha de alimentar suas populações ou pagar seus credores internacionais, os governos optarão pela primeira opção”.
“O mundo parece mais perto de uma crise de dívida total do que em qualquer momento desde a década de 1990”, registra Elliott, apontando que Sri Lanka foi o primeiro país desde a invasão russa a não pagar suas dívidas, “mas é improvável que seja o último”.
Segundo o editor, “o presidente russo vem jogando um longo jogo, esperando que a coalizão internacional contra ele se fragmente”. O Kremlin acha que o limite da Rússia para problemas econômicos é maior do que o do Ocidente – ele observa -, “e provavelmente está certo sobre isso”.
Para o Guardian, a “esperança” é que os novos sistemas de foguetes anunciados por Biden ao regime de Kiev consiga “o que as proibições de energia e a apreensão de ativos russos não conseguiram até agora: forçar Putin a retirar suas tropas”.
Com o rumo que as coisas estão tomando, o jornal britânico já admite que a saída pode ser “um acordo negociado”.
“Putin não vai se render incondicionalmente, e o potencial para graves danos colaterais da guerra econômica é óbvio: queda dos padrões de vida nos países desenvolvidos; fome, distúrbios alimentares e uma crise da dívida no mundo em desenvolvimento”, diz Elliott, que conclui apontando que apesar de um compromisso com o Kremlin ser “difícil de engolir”, “a realidade econômica sugere apenas uma coisa: mais cedo ou mais tarde um acordo será fechado”.