Governo cassou liminar que impedia prosseguimento da venda. Entrega da maior empresa de energia da América Latina para o capital estrangeiro é considerado crime de lesa-Pátria. Lula e Ciro são contra a alienação da estatal
O governo, ávido para entregar de mão beijada a Eletrobrás, a maior empresa de energia da América Latina, para o capital estrangeiro, acionou a Advocacia Geral da União (AGU) e derrubou a liminar que suspendeu a assembleia de debenturistas, que deveria ser realizada nesta segunda-feira (6), para permitir o prosseguimento da privatização da estatal.
A Associação dos Empregados de Furnas denuncia havia conseguido a liminar denunciando vícios na convocação da assembleia de debenturistas. Entre as violações estão não serem respeitados o prazo mínimo para realização da segunda assembleia de debenturistas, o dever de prestar informação aos debenturistas convocados, o quórum exigido para a assembleia e as regras mínimas de compliance e governança da empresa.
A assembleia é necessária porque Furnas está sendo obrigada a resolver uma pendência com a empresa que administra a Hidrelétrica Santo Antônio para poder avançar a privatização da Eletrobrás.
A empresa que administra a Hidrelétrica Santo Antônio perdeu na Justiça uma ação movida contra o consórcio que construiu a usina. Houve atraso na entrega das obras, o que obrigou a Mesa, empresa dona da usina, a dispender gastos extras para garantir a oferta de energia que havia sido contratada. Depois de anos, o consórcio teve ganho de causa. A empresa de energia, impossibilitada de obter crédito para garantir o pagamento dos R$ 1,58 bilhão devidos na ação, foi obrigada a chamar os sócios a fazerem um aporte neste valor. Os demais sócios se recusaram a fazê-lo.
Furnas, possuidora de 43% das ações da Mesa, resolveu, então, fazer o aporte sozinha. O que está sendo visto como uma “estatização temporária” da empresa, já que Furnas passará a ter 72,3% das ações da Mesa às vésperas de sua privatização.
Para fazer o aporte, Furnas terá que obter a autorização dos debenturistas, que, em última instância, são credores da empresa. Caso estes não sejam ouvidos ou não autorizem a operação, ocorrerá uma antecipação de vencimentos de dívidas da empresa e, segundo analistas, isto poderá desencadear antecipação de vencimento de 41% das dívidas da própria Eletrobrás. Como estes pagamentos podem superar R$ 15 bilhões, o imbróglio poderá impedir a privatização da Eletrobrás.
Em sua decisão, o presidente do TJ-RJ, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, cita que a suspensão da assembleia poderia causar “impacto significativo no planejamento setorial elétrico brasileiro, sendo capaz de comprometer a modicidade tarifária e, consequentemente, o acesso das camadas mais carentes da população ao serviço essencial de energia elétrica”.
Ao contrário do desembargador que ajudou o governo em sua intenção de entregar a Eletrobrás, o argumento de todos os principais técnicos e autoridades do setor de energia do país, entre eles o professor Ildo Sauer, da USP e Roberto D´Araújo, do Instituto Ilumina, é que a privatização da Eletrobrás vai prejudicar as camadas mais pobres da população com a explosão tarifária que esta venda ocasionará. Não só os mais pobres mas toda a economia brasileira sofrerá com a alta das tarifas, que já estão entre as mais altas do mundo.
Nos meios políticos, a privatização da Eletrobrás é vista como um crime contra o país. O pré-candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de intenção de voto, já anunciou que é contra a privatização da Eletrobrás. Ele considera, por exemplo que, em mãos privadas, jamais poderia ser feito o “Programa Luz Para Todos”, que levou energia elétrica para cerca de 16 milhões de pessoas durante seu governo.
O pré-candidato à Presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, reafirmou, que, caso eleito, reverterá a privatização da Eletrobrás se o processo for concluído neste ano. O ex-ministro classifica a desestatização da empresa como “um crime” e “um caminho absolutamente tortuoso para entregar o capital público brasileiro para interesses privados”.
“Se fizerem isso, eu tomo de volta, mas não tem conversa. Pagarei as devidas indenizações, porque nosso país é sério”, disse nesta terça-feira (31), em sabatina realizada pelo jornal Correio Braziliense, em Brasília.