
O show do cantor Gusttavo Lima que, no sábado (4), havia sido liberado por um juiz plantonista do Tribunal de Justiça da Bahia para ocorrer no sul do estado foi suspenso pelo presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Humberto Martins, no domingo (5), dia da apresentação do sertanejo. O artista cantaria na Festa da Banana, no município de Teolândia, a cerca de 280 km de Salvador.
“Com a decisão do STJ, volta a valer a suspensão dos shows, determinada pelo Juízo da Vara Cível de Wenceslau Guimarães, atendendo a um pedido do Ministério Público da Bahia (MPBA). O MP acionou a Justiça após suspeitas de irregularidades nos gastos com a organização do evento, sobretudo com relação ao cachê pago ao cantor”, informou o STJ.
Gusttavo Lima foi contratado por R$ 700 mil para se apresentar na cidade, que está em situação de emergência por causa das chuvas.
Segundo o ministro Humberto Martins, o gasto de altos valores para um município de apenas 20 mil habitantes e em situação de emergência declarada justifica a providência tomada inicialmente de suspender a realização do evento.
“Cuida-se de gasto deveras alto para um município pequeno, com baixa receita, no qual, como apontado pelo Ministério Público da Bahia, o valor despendido com a organização do evento chega a equivaler a meses de serviços públicos essenciais”, justificou Humberto Martins.
Desproporcionalidade dos custos
De acordo com o STJ, o Ministério Público questionou toda a realização da 16ª edição da Festa da Banana, em razão da desproporcionalidade entre os custos do evento e a situação financeira do município, atingido fortemente por chuvas nos meses de novembro e dezembro de 2021.
“O Juízo de primeiro grau concedeu o pedido liminar, suspendendo a realização do evento. Na decisão, citou os altos valores empregados para a contratação de artistas, entre eles Gusttavo Lima, e o fato de o município ter recebido verbas do governo federal para a sua reconstrução após ser atingido fortemente pelas chuvas”, informou o tribunal.
Mesmo sem energia elétrica, saneamento básico, asfalto ou posto de saúde, pequenas cidades investiram milhões em shows de famosos cantores sertanejos em 2022, ano eleitoral.
Deputados e senadores enviam os recursos diretamente para o caixa das prefeituras, que podem dar ao dinheiro o destino que bem entenderem, sem licitação ou prestação de contas.
Mar Vermelho, cidade que fica a 110km de Maceió (AL), município entre os cem de menor renda no País, gastou R$ 370 mil com um show de Luan Santana.
Com 3.474 habitantes, é como se cada morador tivesse de desembolsar R$ 106 com o cachê do show que está marcado para agosto, a dois meses das eleições.
O município comandado pelo prefeito André Almeida (PMDB), enfrenta problemas, como falta de saneamento – presente em apenas 14,9% das casas –, ausência de pavimentação – só 24% das moradias estão em ruas com urbanização adequada – e de emprego (9,4% da população estava empregada em 2019).
Casos como esse proliferam pelo interior do País. Segundo Levantamento do Estadão, há gastos superiores a R$ 14,5 milhões com cachês de Gusttavo Lima, Zé Neto e Cristiano, Wesley Safadão, Luan Santana e Leonardo em 48 cidades.
Os artistas foram contratados por prefeituras para fazer shows neste ano em municípios com menos de 50 mil habitantes.
As contratações só são possíveis graças à ajuda de Brasília: as cidades que contrataram os shows receberam R$ 28,5 milhões em emendas parlamentares de uso livre. São as chamadas “emendas Pix”, também conhecidas como “cheque em branco”. O dinheiro cai direto na conta da prefeitura e nem mesmo os vereadores sabem ao certo quanto será gasto com os shows.
Em São Luiz (RR), com 8.232 habitantes, a prefeitura aceitou pagar R$ 800 mil por um show de Gusttavo Lima em dezembro. Dados do IBGE indicam que menos da metade da população tem tratamento de esgoto adequado e apenas 17% das vias públicas estão urbanizadas. Na contratação, sob investigação do Ministério Público, a prefeitura argumentou que se tratava de “show musical do artista de notável reconhecimento”.
“É evidente que tem um caráter eleitoreiro. As pessoas ficam muito gratas ao prefeito ou ao parlamentar que colocou a emenda porque o cidadão atribui a esses políticos a gratuidade do show, que não é gratuito. (…) É mais fácil desviar recursos por causa de um show do que por causa de uma obra. Uma obra pode ser aferida. Num show, é tudo muito relativo (…)”, afirmou Gil Castello Branco, diretor executivo da Contas Abertas.