Os dois a quem ele se refere eram Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados na Amazônia. Bruno havia sido exonerado pelo governo depois de participar da Operação Handroanthus, da PF, que apreendeu 43 mil toras de madeira ilegal
A notícia da morte do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, assassinados por criminosos ambientais no Vale do Javari, na região amazônica, gerou indignação no mundo inteiro. Chefes de Estado, autoridades, personalidades, artistas e ambientalistas cobraram providências do governo brasileiro em relação à violência contra os defensores do meio ambiente e das comunidades indígenas.
INDIFERENÇA
A reação de Jair Bolsonaro no episódio foi completamente diferente. Foi uma repetição do descaso e da desumanidade que ele já havia demonstrado durante toda a pandemia de Covid-19. Desprezo e indiferença com as mortes. A cada número assustador e crescente de mortes causadas pelo vírus, e pela sabotagem do governo às vacinas e outras medidas sanitárias, ele reagia com desdém e sarcasmo. “E daí?”, dizia ele, quando lhe informavam o número de mortos. “Eu não falo nesse assunto. Eu não sou coveiro para ficar falando de mortes”, afirmou, em algumas ocasiões.
Desta vez, ele não só destoou completamente do sentimento de revolta, de tristeza e de solidariedade manifestadas pela comunidade internacional e brasileira com as famílias das vítimas, como reclamou da atenção “exagerada” dada ao caso. Depois de insinuar que eles próprios tinham sido culpados por decidirem se meter numa “aventura” perigosa na Amazônia e dizer que eles eram “malvistos” pela população local, Bolsonaro recriminou o ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), pela cobrança de informações sobre as providências da União no caso.
“É dispensável o senhor Barroso dar uma de dono da verdade e dar cinco dias para o presidente explicar ou achar esses dois que desapareceram lá na região amazônica. Estamos fazendo nossa parte. Agora, eu não tenho número exato aqui para dizer para o senhor Barroso que são dezenas de milhares que pessoas desaparecem todo ano no Brasil. Ele se preocupou apenas com esses dois. Nós, via nosso Ministério da Mulher, Direitos Humanos, nos preocupamos com todos os desaparecidos no Brasil”, afirmou.
BRUNO PEREIRA TINHA SIDO EXONERADO
A má vontade de Bolsonaro com os desaparecidos e suas famílias é perfeitamente compreensível. Bruno Pereira era servidor da Funai (Fundação Nacional do Índio). Nesta condição, combatia o garimpo clandestino e os invasores de terras indígenas na região. O jornalista inglês cometeu o “erro” de documentar em livro esses crimes. Esses bandidos que mataram Bruno e Dom têm amplas sintonias com o pensamento bolsonarista.
Tanto eles como o Planalto não querem saber de fiscalização de florestas, de preservação de reservas indígenas, nada disso. Eles querem armas na mão e “liberdade” para fazerem o que bem entenderem. Querem “liberdade” para poluírem os rios, derrubar florestas e matar os índios e fiscais que reclamarem.
Bruno Pereira havia participado da Operação Handroanthus, da PF, conduzida pelo delegado Alexandre Saraiva, que aprendeu 43 mil toras de madeira ilegal contrabandeada na Amazônia. Foi a maior apreensão já ocorrida em toda a história da região.
Na ocasião, o então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, se deslocou até a Amazônia e bateu de frente com o delegado. Em nome do governo, ele acobertou e deu total apoio aos criminosos. Chegou a fazer uma visita oficial às madeireiras ilegais.
Por ordem sua, Bruno Pereira foi exonerado do cargo que ocupava na Funai. Nesta época, Bolsonaro também exonerou Saraiva do cargo de superintendente da PF na região. Agora, Bruno, que não parou o seu trabalho, é assassinado brutalmente.
Nas palavras do próprio delegado Alexandre Saraiva, da PF. “Esses criminosos têm muito respaldo político. Boa parte dos políticos do centrão vieram desta região. Eles são financiados por esses grupos. Telmário Mota, Messias de Jesus, até Jorginho Mello, de Santa Catarina, mandou ofício”, denunciou o delegado. “A deputada Carla Zambelli foi lá defender madeireiros, junto com Ricardo Salles. Ou seja, nós temos uma bancada do crime”, destacou o policial federal.
BANCADA DO CRIME
“No dia que eu fui a uma audiência pública na Comissão de Legislação Participativa na Câmara, me deparei com uma bancada agressiva defendendo os criminosos. E olhe que eu já participei de muitas audiências criminais, na presença de bandidos que ficavam na minha frente, mas eu nunca fui tão desrespeitado pelos criminosos ali presos, como naquele dia na Câmara Federal. Os deputados estavam fazendo uma nítida defesa do crime”, acrescentou o delegado Saraiva.
Bolsonaro já havia afastado muitos servidores do Ibama que fiscalizavam e diversas vezes queimaram balsas de garimpeiros ilegais e máquinas usadas no desmatamento na Amazônia. O governo reagiu demitindo servidores que cumpriam o seu dever. Foram divulgados vídeos na época, pelos defensores dos criminosos, – isto por volta de 2020 e 2021 – onde Bolsonaro aparece recriminando os fiscais e determinando que não se queimasse mais os equipamentos ilegais. Muitas cabeças rolaram e o Ibama foi desmantelado.