Ele voltou a enfiar a cara no fogo pelo ex-ministro. Afirmou, neste domingo (26), que foi “injusta” a prisão preventiva dos propineiros feita pela PF na operação ‘Acesso Pago’. “Não há indícios mínimos de corrupção”, disse Bolsonaro
Jair Bolsonaro afirmou neste domingo (26), em entrevista ao programa 4 por 4, da Jovem Pan, que a cobrança de propina de prefeitos por parte de pastores ligados a ele – e que nem eram servidores do Ministério da Educação, para liberar verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), não caracteriza corrupção. Ele disse considerar “injusta” a prisão preventiva feita pela operação Acesso Pago da Polícia Federal.
Segundo Bolsonaro, o relatório enviado pela CGU (Controladoria-Geral da União), que serviu de base para a abertura do inquérito do PF, foi solicitado pelo próprio ex-ministro para fazer um “pente-fino” dentro do MEC. “Não há indícios minimos de corrupção”, afirmou.
PROPINA NÃO É CORRUPÇÃO?
“Não foi corrupção da forma que está acostumado a ver em governos anteriores. Foi de história de fazer tráfico de influência. É comum”, argumentou Bolsonaro.
“Qualquer depósito acima de R$ 10.000 é atípico, mas não justificava o que fizeram com o Milton. O objetivo é constranger, humilhar, dizer que o governo é corrupto, que é igual ao do [ex-presidente] Lula, essas coisas todas”, disse Bolsonaro. “Então são todas narrativas que tentam desgastar o governo, nada além disso”, afirmou o chefe de Milton Ribeiro e amigo dos pastores propineiros do MEC.
Um dos “indícios” negado por Bolsonaro é uma gravação de uma reunião no MEC na qual Milton Ribeiro aparece dizendo que Bolsonaro fez um pedido especial a ele para atender a todos os pleitos do pastor Gilmar Santos. Esse pastor, e mais um outro, de nome Arilton Moura, foram denunciados por prefeitos por exigirem propina para liberar as verbas do FNDE a que os municípios tinham direito. O último, por coincidência, visitou 45 vezes o Palácio do Planalto.
QUEM CONFESSOU FOI O PRÓPRIO MINISTRO
No áudio, Milton Ribeiro confessa que Bolsonaro pediu que ele atendesse os pastores propineiros que atuavam no MEC sem serem servidores: “A minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, disse Milton Ribeiro em um áudio divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo. “Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, relatou. Se isso não é indício de crime, não se sabe o que é indício e o que é crime.
PREFEITOS DEUNCIARAM EXTORSÃO DOS PASTORES
Em seguida, aparecem outros “indícios” da bandalheira que Bolsonaro também diz que não existem.
Os prefeitos denunciam a cobrança desavergonhada da propina por parte do pastores que atuavam dentro do MEC. O prefeito de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga informou que em 7 de abril do ano passado, ele foi a Brasília para participar de reunião no MEC. Após a reunião, disse Braga, o pastor Arilton Moura convidou os prefeitos para um almoço.
“Até então, eu não conhecia o ministro da Educação. O pastor estava, sim, sentado à mesa na hora da palestra no MEC e, em seguida, nós fomos para esse almoço. E, lá nesse almoço, que não estava o ministro, só estavam os dois pastores, tinha uma faixa de uns 20 a 30 prefeitos. E a conversa era muito bem aberta. Ele virou para mim e disse: ‘Cadê suas demandas?’”, disse.
E seguiu: “E ele falou rapidamente: ‘Você vai me arrumar os R$ 15 mil para eu protocolar as demandas e depois que o recurso tiver empenhado, depois, como a sua região é de mineração, vai me trazer 1 quilo de ouro’. Eu não disse nem que sim nem que não, me afastei da mesa e fui almoçar”, acrescentou Gilberto Braga. “Ele falou em ouro porque a minha região é de mineração”, disse o prefeito.
Outro prefeito, de Boa Esperança do Sul (SP), José Manoel de Souza, afirma em audiência pública na CE, que o pastor Arilton Moura pediu R$ 40 mil de propina, também para conseguir a liberação de recursos no MEC. “O Arilton perguntou: ‘você sabe muito bem como funciona, né? O Brasil é muito grande, não dá para ajudar todos os municípios. Mas eu consigo te ajudar com uma escola profissionalizante. Eu faço um ofício agora, chamo a Nely, você assina um ofício, coloco no sistema e, em contrapartida, você deposita R$ 40 mil na conta da igreja evangélica’”, relatou o prefeito na audiência pública.
EMPRESÁRIO TEVE QUE PAGAR R$ 1OO MIL A ARILTON MOURA
Neste domingo (26), em reportagem do Fantástico, da TV Globo, mais um indício que Bolsonaro diz que não vê ou que não existe. O empresário Edvaldo Brito contou que após descobrir que o ministro tinha um gabinete itinerante, procurou o contato para trazê-los para a sua região, no interior de São Paulo. “Os técnicos do FNDE iam para um determinado município, organizavam um evento em parceria com os municípios, e aí todos os outros municípios eram atendidos”, diz Edvaldo. Ele ficou assustado com o que viu. Só se falava em propina.
“O ministro pregava nesse culto. Acabei descobrindo o contato do Gilmar através da própria igreja dele. Liguei para ele, que marcou para me atender em Brasília, num hotel. Eu fui até lá”, revela Edvaldo, acrescentando que o encontro no hotel aconteceu em maio do ano passado com os pastores Gilmar e Arilton. “Eu vi que realmente tinha uma mesa lá em que ele atendia, conversava. Depois, chamava o outro na mesa”, contou.
Depois, segundo o empresário, os pastores pediram que ele e o prefeito do município fossem a Brasília. O objetivo: gravar um vídeo com o então ministro. Após esse encontro, Edvaldo afirma que houve um pedido de dinheiro feito pelo pastor Arilton.
Aí, relatou o empresário: “O próprio Arilton disse: ‘Olha, eu preciso que você faça uma doação. É para uma obra missionária’. Eu falei: ‘Tudo bem. E de quanto é essa doação?’, aí ele falou: ‘Ah, por volta de R$ 100 mil reais é a doação’. Eu falei: ‘É muito. Eu não tenho. Eu não tenho condição. Mas eu tenho amigos, pessoas, empresários que costumam investir na obra e que eu vou pedir a doação’.” Mesmo fazendo a doação, Arilton, segundo o empresário, continuou exigindo mais dinheiro.
Quando Arilton disse que queria mais R$ 10 mil, oempresário denunciou o caso ao ministro da Educação. Achou que resolvia. Depois de saber das falcatruas do pastor, o ministro seguiu realizando encontros organizados pelo pastores denunciados. Ou seja, estava tudo combinado.
Segundo o próprio ministro, para explicar um dinheiro em sua conta, disse que teria vendido um carro de sua mulher para a filha do pastor. Tudo para explicar um depósito de R$ 50 mil na conta de sua mulher. Só não explicou por que fez “negócio” com o pastor, depois da denúncia feita pelo empresário. Mesm9 depois desses fatos, Bolsonaro ainda disse que tudo isso é normal. Realmente é normal o roubo em seu governo. O que ele tenta impedir é a investigação da corrupção na sua desastrosa administração.
PARA BOLSONARO “É TUDO NORMAL. NÃO HÁ EVIDÊNCIAS”
A interferência de Bolsonaro para impedir as investigações veio à tona com outro áudio, de um telefonema feito pelo ex-ministro no dia 9 para sua filha, alguns dias antes de sua prisão. No áudio o ex-ministro relatou um telefonema do presidente Jair Bolsonaro.
“Hoje o presidente me ligou. Ele está com pressentimento novamente de que eles podem querer atingi-lo através de mim. Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa”, disse Milton Ribeiro, revelando que Bolsonaro o informou de uma operação sigilosa da PF.
A filha alerta o ex-ministro de que está falando de um celular normal. Milton responde: “Ah, é? Então depois a gente se fala”.
Veja o diálogo completo entre os dois
Milton: “Tudo bem! As coisas tão caminhando”
Filha: “Caminhando…”
Milton: “A única coisa meio… Hoje o presidente me ligou… ele está com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?”
Filha: “Ah! Ele quer que você pare de mandar mensagem?”
Milton: “Não! Não é isso… Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa… sabe… é… é muito triste! Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né…”
Filha: “Ah!” Milton: “Mas, não há por quê, meu Deus” Filha: “Ah, pai! Não… Essa voz não é definitiva… Eu não sei se ele tem alguma informação… Eu tô te ligando no meu… Eu tô te ligando no celular normal, viu pai?” Milton: “Ah, é? Ah… Então depois a gente se fala então! Tá?”
O delegado Bruno Callandrini, responsável pelas investigações sobre os esquemas de corrupção no Ministério da Educação, denunciou que estaria havendo interferências de superiores para “obstaculizar” a apuração dos crimes. Ele acrescentou que o ex-ministro Milton Ribeiro recebeu “honrarias não existentes na lei” quando esteve preso. Segundo o delegado, “a investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro”.
Na sexta-feira (24), o Ministério Público Federal corroborou as afirmações do delegado e viu indícios de que Jair Bolsonaro pode ter interferido na investigação. A parte do inquérito sobre este caso foi enviado para o Supremo Tribunal Federal (STF) em função do foro privilegiado do atual ocupante do Palácio do Planalto. O caso volta então para as mãos da ministra Cármen Lúcia que enviou o caso para a primeira instância depois que o ministro pediu exoneração do cargo.