
Enquanto Bolsonaro passeia de jet-ski e faz motociatas bancadas com dinheiro público, além de promover uma farra com a distribuição de verbas via orçamento secreto, a população sobrevive de restos e doações
Soro de leite e “feijão partido” passam a ser os mais novos itens da “cesta básica da fome” ou “cesta básica da vergonha”, como preferir, em tempos de governo Bolsonaro. Além de ossos, carcaça de peixe e pele de frango, que já são vendidos desde o ano passado, os estabelecimentos agora passaram a comercializar o soro de leite e o “feijão partido”.
Vale ressaltar que também já consta dessa “cesta”, itens como “arroz quebrado” – e miojo – esse último, alimento sem nenhum valor nutricional.
No mercado Fonte Nova, em Guarulhos, na Grande São Paulo, uma caixa de leite oscila entre R$ 8 e R$ 10. Por ali, subprodutos como soro de leite e misturas condensadas se tornaram a alternativa mais barata.
“A qualidade não é a mesma, e honestamente não gosto de consumi-los, porém necessito levar algum leite para casa”, diz uma aposentada de 53 anos, moradora do Jardim Cocaia, que pediu para não ser identificada. Ela paga, no máximo, R$ 7 para adquirir o soro, valor que faz diferença no fim do mês.
No Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, ao lado do feijão comum, um estabelecimento mantinha na gôndola uma espécie de “feijão fora do tipo”. Ele é composto por 70% de grãos inteiros e 30% feijão bandinha (partido), segundo o site da marca Solito Alimentos. A venda dele é autorizada desde que esteja identificado, “cumprindo as exigências de marcação e rotulagem”.
No mercado, esse tipo de feijão saía a R$ 8,48, enquanto o carioca tradicional da mesma marca custava R$ 9,98.
Na mesma loja, pontas de frios eram vendidas como promocionais, com pedaços de restos de queijo.
No Grajaú, também na zona sul da capital, mercados e açougues estavam vendendo carcaça e pele de frango em sacos plásticos e bandejas.
“Troco os produtos senão não dá para comprar. Diariamente os valores aumentam nos supermercados. É impossível manter a mesma qualidade de vida com a situação atual”, disse ao jornal Folha de S. Paulo, a assistente administrativa Patrícia Ribeiro, moradora do bairro Maranhão, na zona leste da capital.
O leite condensado, por exemplo, custava o dobro da versão ‘genérica’, a mistura láctea, no mercado onde Patrícia fazia compras.
O Procon-SP entrou com pedido de esclarecimentos acerca da tabela nutricional do produto, indicação do consumo por faixa etária, cópia dos materiais publicitários e das mídias de divulgação do produto, documentos que comprovem os testes de qualidade, entre outros. A empresa tem até 14 de julho (amanhã) para responder.
“O consumidor entende que está comprando leite, quando na verdade está comprando o soro do leite”, afirma Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon-SP.
Ele ressalta ainda que as informações não estão suficientemente destacadas no rótulo. “O consumidor tem noção do conceito do que é bebida láctea? Do que é o soro do leite?”, questiona.
RENDA COMPROMETIDA
Um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em abril deste ano, aponta que após o desconto de 7,5% da Previdência Social, um trabalhador assalariado que recebe um salário mínimo, ou seja R$ 1.212,00, comprometeu 71,71% da sua remuneração para adquirir os itens da cesta básica.
De acordo com o economista e supervisor técnico do Dieese no Rio de Janeiro, Paulo Jager, a disparada dos preços dos alimentos ocorre em um contexto internacional desde 2020 com a pandemia e foi agravada com o conflito no Leste europeu, porém a situação brasileira atingiu níveis graves por escolhas políticas do governo federal.
Segundo Jager, o governo federal “deixou que a taxa de câmbio desvalorizasse a um nível muito elevado e isso incentivou os produtores nacionais a buscarem vender no mercado internacional porque aumentava a renda deles em reais”.
Ele explica ainda o problema enfrentado pela falta dos estoques reguladores.
“O governo vem eliminando os chamados estoques reguladores, uma política de garantia de preços mínimos que implicava em adquirir produtos dos produtores quando o preço estivesse muito deprimido. Esses produtos eram estocados em armazéns do governo federal e no momento de alta [dos preços], o governo fazia o movimento contrário, vendia parte desses estoques para evitar que os preços ficassem altos e prejudicassem as famílias. O governo zerou esses estoques e ficou impossibilitado de regular os preços”.
Com a alta da inflação e da taxa de juros, a o setor de alimentos e bebidas foi um dos que sofreu mais maior impacto para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) em maio. O custo de se alimentar já acumula 16% a mais somados aos 12 meses anteriores.
VENCIDINHOS
Além de subprodutos, a inflação também impulsionou a venda de produtos perto da data de validade, os “vencidinhos”.
Com mais de 15 milhões passando fome no Brasil, cresce o número de pessoas que se alimentam de produtos como carcaça e pele de frango comprados ou obtidos por doação.
“Comer pé, carcaça, aqui em casa tá sendo luxo quando tem. Nem ovo a gente pode comprar mais, porque tá caro”, relata Ionara Jesus, desempregada, moradora de capital paulista.
“Esses dias aqui em casa, para te falar a verdade, nem carcaça tô podendo comprar, porque não tá sobrando nem para isso”, diz Ionara, que é mãe de quatro filhas.
Enquanto Jair Bolsonaro passeia de jet-ski e faz motociatas bancadas com dinheiro público, além de promover uma farra com a distribuição de verbas via orçamento secreto a parlamentares em troca de apoio, a população sobrevive de restos e doações.
Relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) revela que 61,3 milhões (cerca de 3 em cada 10 habitantes do Brasil) sofrem algum tipo de insegurança alimentar. Destes, 15,4 milhões estão em insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome.
JOSI SOUSA