Centenas de balsas de garimpo ilegal invadiram o Rio Madeira, no município de Autazes, distante 111 quilômetros de Manaus. Na mesma região, em novembro de 2021, a Polícia Federal (PF), com apoio das Forças Nacionais de Segurança, prendeu três pessoas e destruiu cerca de 131 balsas utilizadas para o garimpo durante Operação Uiara.
A organização não-governamental Greenpeace, confirmou o retorno do grupo de garimpeiros à comunidade do Rosarinho, em Autazes, com centenas de balsas, dragas e outros equipamentos utilizados para a exploração de ouro.
Para o porta-voz da Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar, a ausência das Forças de Segurança e regulação nos rios, somada à falta de estrutura empregatícia, possibilitou o retorno dos garimpeiros.
“O regresso desses garimpeiros a Autazes demonstra com clareza o quão falha é a política de desenvolvimento regional. Se não houver alterações profundas no desenvolvimento regional, toda vez que a política de comando e controle recuar – e ela vai ter que recuar e os garimpeiros sabem disso – essa atividade vai recrudescer, vai voltar, assim como voltou o desmatamento após a forte queda que teve nos anos do Governo Lula”, afirmou.
“De uma vez por todas, o Estado brasileiro precisa compreender que precisamos ir além das ações de comando, controle e estruturar outras políticas que nos permitam superar a economia da destruição que consome rios e florestas, mas também se alimenta da desigualdade social profunda que caracteriza a região”, prosseguiu.
O Ministério Público Federal do Amazona instaurou nesta quarta-feira (13) um procedimento para investigar a ação dos invasores no local, mas informou que não tem registro formal da situação.
Os garimpeiros que invadiram o rio Madeira não têm autorização da ANM (Agência Nacional de Mineração) para explorar a região.
O garimpo é a mineração manual. Por não haver profundidade na exploração, esse tipo de mineração degrada mais a superfície dos biomas, situação agravada pelo fato desse tipo de atividade estar fora do alcance da lei.
A mineração ilegal raramente tem protocolos de segurança, ambientais e trabalhistas. O garimpo é a principal forma de mineração na Amazônia. Levantamento do MapBiomas revela que a área minerada por garimpo na região em 2020 atingiu 101,1 mil hectares, se constituindo na maior área de garimpo no Brasil. A área equivale a todo o perímetro urbano de São Bernardo do Campo, cidade na região metropolitana de São Paulo.
Outro levantamento divulgado em agosto de 2021 pela MapBiomas apontou que o garimpo ilegal no Brasil já ultrapassou a mineração industrial.
Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro tem se ocupado em adotar medidas para favorecer a atuação da criminalidade garimpeira.
Em fevereiro, sob o pretexto de estimular o desenvolvimento da mineração manual e em pequena escala, o governo criou o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa). E também, para alcançar o “desenvolvimento sustentável regional e nacional”, segundo o texto.
A inciativa foi criticada por especialistas. “O decreto que estimula “mineração” em pequena escala, leia-se garimpo, é uma afronta para a Amazônia. Se sem nenhum estímulo a atividade tem sido um desastre ambiental e social, imaginem com estímulo”, afirmou Ane Alencar, diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Para Larissa Rodrigues, doutora em Energia pela USP e gerente de portfólio no Instituto Escolhas, entidade civil que produz estudos, análises e relatórios sobre sustentabilidade, “a forma do governo Jair Bolsonaro acabar com a legalidade na Amazônia é pegar a atividade ilegal e, na caneta, dizer que ela é legal”.
De artesanal, a atuação do garimpo irregular tem apenas o nome. “A gente não está falando de uma atividade artesanal; está falando de uma atividade que está muito bem organizada, que tem atores poderosos atuando nela”, explica Rodrigues.
“Não tem nada de artesanal. Não tem nada de rudimentar, como eles fizeram questão de chamar a atenção nesses decretos, criando esse programa. Isso é garimpo e é industrial”, prossegue a gerente do Instituto Escolhas.
“O que esse decreto está colocando aqui é, basicamente, dizer que o Presidente da República, Jair Bolsonaro – como já tinha se posicionado diversas vezes ao longo dos últimos anos de que era a favor da atividade garimpeira – coloca institucionalmente que vai criar esse programa para desenvolver (o garimpo)”, completa.
Para o Greenpeace, “além de incentivar mais desmatamento, grilagem e garimpos ilegais, agora o governo busca formas de legalizar esses crimes e avança com medidas que liberam mais destruição e contaminação ambiental, principalmente na Amazônia”, considerou a organização à época.
Além dos profundos impactos ambientais causados pelo garimpo, há ainda, os danos à saúde das populações da Amazônia pelo uso de mercúrio na extração dos minérios.
Um laudo da Polícia Federal apontou que o nível de mercúrio no corpo de moradores da região do garimpo no Amazonas era três vezes maior que o limite aceitável. Constatações semelhantes foram feitas em mulheres do Amapá.
“As pessoas que estão próximas às regiões de garimpo, elas estão contaminadas e a contaminação de garimpo é muito ruim pra saúde, você tem danos neurológicos. As populações da Amazônia que estão próximas dessa área de garimpo – que praticamente tomou a Amazônia inteira – elas estão contaminadas”, denuncia Rodrigues.
A liberação do garimpo tem outro agravante. Ocorre sempre em áreas de preservação ambiental. É o caso do projeto que está sendo estudado para envio à Câmara dos Deputados que impulsiona a liberação dessas atividades em terras indígenas.
Dessa forma, Bolsonaro contribui para o aumento das disputas na Amazônia nos últimos anos e a explosão da violência. Exemplo disso foram os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, no mês passado.
“O incentivo do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao garimpo em áreas de proteção ambiental no país, que inclui articulações para envio à Câmara dos Deputados de projeto de lei de liberação dessas atividades em terras indígenas, aumentou a tensão na Amazônia nos últimos anos, segundo Renan Sotto Mayor, defensor público da União.
“Esse tipo de posicionamento do chefe do Executivo reflete no território e gera tensão, porque as pessoas passam a acreditar na liberação (do garimpo em áreas de proteção). Mas garimpo em terra indígena é crime ambiental e de usurpação”, criticou.