
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), através da 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada, denunciou nesta quarta-feira (13), os policiais militares Rodrigo Correia de Frias e Marcos Felipe da Silva Salviano pelo assassinato de Kathlen Romeu, no dia 8 de junho de 2021, no Complexo do Lins, Zona Norte do Rio. Kathlen estava grávida de quatro meses e morreu após levar um tiro de fuzil no peito.
Segundo a denúncia, assinada pelo promotor Alexandre Murilo Graça, os dois policiais atingiram Kathlen ao dispararem contra pessoas que estariam vendendo drogas na localidade conhecida como Beco da 14. Eles realizavam patrulhamento de rotina no local quando teriam avistado esses supostos traficantes. Segundo a denúncia, sem que percebessem a presença policial, Marcos Salviano e Rodrigo Frias atiraram contra os indivíduos, não havendo qualquer ação que legitimasse a referida agressão.
Os disparos efetuados pelos policiais não atingiram os supostos traficantes, que fugiram, mas, um deles, vitimou Kathlen Romeu. No momento da ação ela caminhava com sua avó pela Rua Araújo Leitão. O MPRJ chama atenção pelo fato de os policiais militares terem atirado em direção à Rua Araújo Leitão, que sabiam se tratar de uma via de grande movimento de carros e pessoas.
“Se a minha filha fosse morta por bandido eu não falaria nada com vocês porque eu sei que eu moro em um lugar que eu não poderia falar. Então ficaria na minha. Mas não foi. Foi a polícia que matou a minha filha. Foi a PM que tirou a minha vida, o meu sonho”, disse Jaqueline de Oliveira Lopes, mãe da vítima.
“Avisa ao major Blaz que esta historinha que é contada há anos na televisão que foi troca de tiros, que a polícia foi recebida a tiros. Quem foi recebida a tiros foi a minha filha. Eu fui informada por todos de que não foi troca de tiros. A polícia estava dentro de uma casa, viu os bandidos e atirou. Se a polícia estava dentro de uma casa, porque não olhou quem estava passando? Se eles estavam de tocaia, eles têm que ter cuidado. Na favela não mora só bandido”, afirmou Jaqueline.
A avó de Kathlen, que estava com ela na hora em que foi baleada, afirma que teve que insistir para os policiais levarem a jovem para o Hospital Salgado Filho.
“Eles estão falando que socorreram a minha neta. Não foi. Eu não estou morta por Deus. Quando começou o barulho do tiro, a minha neta caiu. Eu pensei que ela tinha se jogado e eu me joguei em cima dela. Quando eu me joguei eu vi que ela estava com um buraco. Durante o tiro ela estava comigo. Eu me levantei e falei: ‘gente, para de dar tiro e socorre a minha neta’. Eles socorreram porque eu gritei. Eles não queriam nem que eu fosse no carro com ela”, disse Sayonara Fátima Queiroz de Oliveira.
A promotoria ressalta que apesar de a ação ter sido dirigida a criminosos, eles não ofereciam risco aos policiais ou a terceiros, pois já estavam em fuga. A denúncia ressalta, por fim, que a fundamentação de prévio confronto com traficantes se apresenta como cenário inteiramente dissociado dos elementos probatórios.
O documento pede ainda a aplicação de medida cautelar pessoal com a proibição dos denunciados de manterem qualquer tipo de contato com as testemunhas que não são policiais militares, em especial, com Sayonara de Oliveira (avó de Kathlen) e Jackelline de Oliveira, (mãe de Kathlen).
Na tarde desta quinta-feira (14), ao saber da notícia, o pai da jovem, Luciano Gonçalves se disse aliviado ao ver uma resposta na “intenção de reparar o irreparável”.
“É uma sensação de alívio, de uma resposta que estamos esperando há tanto tempo no sentido de reparar o irreparável. É o mínimo que queremos reparar a dignidade da nossa filha e tentar evitar que outras pessoas passem por isso. Mas sabemos que vencemos uma batalha, não ganhamos a guerra”, diz sobre esperar agora que a Justiça aceite a denúncia e transforme o caso em processo.
Ele falou também sobre a rotina de dor e luto com a mulher, Jackeline Oliveira, mãe de Kathlen.
“É muito sacrificante. Estamos há 1 ano, 1 mês e cinco dias sem nossa filha, ainda não podemos viver o nosso luto, e todo dia revivemos essa dor. Mas esperamos que a justiça seja feita. Essa denúncia nos dá a sensação de que não está tudo perdido, que as pessoas podem correr atrás dos seus direitos e que ainda há justiça”, disse.
FRAUDE PROCESSUAL
Em dezembro de 2021, os cinco policiais militares que estavam na ação no Complexo do Lins que terminou com a morte de Kathlen Romeu, de 24 anos, viraram réus na Auditoria da Justiça Militar por falso testemunho e fraude processual. A denúncia do Ministério Público foi aceita no dia 17 deste mês.
A polícia concluiu que o tiro que matou a jovem partiu de um dos PMs. Na Delegacia de Homicídios da Capital, dois PMs confessaram ter disparado naquele dia.
Resumo das acusações:
Os PMs Cláudio da Silva Scanfela, Marcos da Silva Salviano, Rafael Chaves de Oliveira e Rodrigo Correia de Frias passaram a réus por duas fraudes processuais e por dois crimes de falso testemunho; O capitão Jeanderson Corrêa Sodré virou réu por fraude processual na forma omissiva.