Para o presidente da organização Iniciativa Nacional Palestina, Mustafá Barghouti, um dos mais destacados ativistas palestinos, “Mr. Biden está tentando marginalizar a questão palestina”
Nestas quinta e sexta (dias 14 e 15), as ruas de Ramallah, Nablus e Gaza foram tomadas por manifestações em repúdio à política do presidente norte-americano, Joe Biden, de prestar apoio irrestrito ao regime israelense, tanto em recursos e armas, da ordem de bilhões de dólares anuais, como no terreno diplomático, enquanto aos palestinos se limitou em declarar apoio formal à Solução dos Dois Estados – Israel em coexistência com a Palestina – mas sem sequer mencionar os maiores obstáculos impostos por Israel a esta solução: a ocupação da Palestina, o uso desta ocupação para assaltar terras aos palestinos (crime de guerra que fere as Convenções de Genebra) e a manutenção de milhões de palestinos na Cisjordânia ocupada sob regime militar coercitivo e sem direito a cidadania.
Como ressaltou o dirigente palesitino, presidente Mahmoud Abbas, durante a visita de Biden à palestina Ramallah, “é necessário um fim aos passos unilaterais israelenses que violam a lei internacional e minam a Solução dos Dois Estados, o que inclui parar o que o deslocamento forçado de palestinos, parar com as demolições de casas e assassinatos diários, fazer os assassinos da jornalista Shireen Abu Akleh pagar pelo crime, parar com a atividade colonizadora de assentamentos [de judeus em terras assaltadas aos palestinos], porque todos os assentamentos colonizadores israelenses são ilegais”.
“Para barrar estas medidas e passos unilaterais se requer a criação de condições para que se retorne ao camilho político o que implica na resolução de todos os assuntos centrais da questão, incluindo a questão dos refugiados palesitnos em acordo com as resoluções internacionais legítimas, a Iniciativa Árabe e em obediência aos acordos já assinados [entre governos israelenses anteriores, incluindo o do assassinado Itzhaq Rabin, e a Autoridade Nacional Palestina]”.
Abbas reiterou que “a Jerusalém Oriental, ocupada desde 1967, é a capital da Palestina”, destacando a “necessidade de parar com as atividades de grupos extremistas e suas incursões na sagrada mesquita Al Aksa ou em desafio ao status histórico aos sítios cristãos e islâmicos na capital palestina”.
ÀS CALENDAS A SOLUÇÃO DOS DOIS ESTADOS
Biden não atendeu a nenhuma das demandas palestinas e muito menos se comprometeu com elas, aliás, até ao admitir a Solução dos Dois Estados, fez questão de pontuar que isso “não era para o curto prazo”.
Quanto ao cala boca financeiro, depois de longo período sem nenhum aporte norte-americano no que seria uma compensação aos bilhões entregues ao regime israelense, de tão ridículo, revela na verdade nenhuma mudança com relação à visão de Trump (que além de suspender aportes financeiros, obrigou a Organização de Libertação da Palestina – OLP a fechar as portas de seu escritório em Washington, colocando a entidade mundialmente reconhecida na lista de “organizações terroristas”).
Biden não mudou nada com relação a assistir impassível a esta perseguição a entidades palestinas e ofereceu pífios US$ 314 milhões, distribuídos da seguinte forma: US$ 201 milhões para a agência da ONU para os refugiados palestinos, mais US$ 100 milhões para hospitais que atendem palestinos na Jerusalém Oriental, mas US$ 15 milhões para “assistência humanitária” e, pasmem, US$ 7,2 milhões para “programas para promover a cooperação e aproximação entre israelenses e palestinos”.
BARGHOUTI: “BIDEN AJUDA ISRAEL A MATAR”
Como enfatizou o presidente da organização Iniciativa Nacional Palestina, Mustafá Barghouti, um dos mais destacados ativistas palestinos, “Mr. Biden está tentando marginalizar a questão palestina”.
Na verdade, como acrescenta Barghouti, “se ele não atua para que os palestinos tenham seus direitos, está ajudando Israel a matar e dar fim à última possibilidade de paz”.
Pela perspectiva apresentada por Biden, diz o líder palestino, “o anseio palestino por um Estado Independente na Jerusalém Oriental, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza – territórios que Israel ocupou em 1967 – parece mais distante do que nunca”.
ATOS DE PROTESTO NA PALESTINA: “VISITA NÃO BEM-VINDA”
No comando da manifestação em Ramallah, Issam Bakr, coordenador do comitê que reúne as organizações não-governamentais islâmicas e nacionais, destacou o caráter de protesto da marcha “uma mensagem a Biden de que não é bem-vindo por parte dos palestinos”.
“A visita traz grandes prejuízos para os palestinos, pois o seu objetivo é consolidar a hegemonia de Israel sobre a região árabe, pilhar suas riquezas e privar o povo de usufruí-las”, acrescenta.
Nasser Abu Jaish, coordenador do mesmo comitê na cidade de Nablus, deixou claro que “o comportamento de Biden, totalmente alinhado com Israel e ignorante das questões em torno da Palestina, torna a visita não bem-vinda”.
Azzam Al Ahmad, dirigente do Fatah, partido palestino que comanda a Autoridade Nacional Palestina, disse essencialmente as mesmas coisas de forma mais discreta. Para ele a visita de Biden foi “protocolar” e que “foi muito curta para entrar nas questões centrais”. Disse também que, “devido a divergências, não houve uma declaração conjunta palestino-americana”.
MR. PRESIDENTE, ISTO É APARTHEID
Coube a uma organização israelense, B’Tselem e a seu diretor executivo, Hagai Al Ad, apontar com clareza o regime que Biden e os Estados Unidos mais apoiam. A denúncia foi feita através de outdoors espalhados pelas cidades palestinas com a afirmação: “Mr. Presidente this is Apartheid” (“Sr. presidente, isto é Apartheid”).
B’Tselem publicou um documento se posicionando e esclarecendo que – ao contrário como enxerga a Casa Branca de como se houvesse dois regimes israelenses, um militar nos territórios palestinos e outro democrático nas fronteiras israelenses de 1967 – toda a região sob controle israelense do rio Jordão ao Mediterrâneo é governada por um único regime, que atua para impor a supremacia judaica sobre os palestinos: um regime de apartheid.
A organização israelense ressalta ainda que, sem o constante suporte dos Estados Unidos, Israel não teria condições políticas, geográfica e demograficamente fazer uma reengenharia da área sob seu controle; capaz de impor regime militar sobre milhões de sujeitos e negar a estes direitos por 55 anos; de anexar a Jerusalém Oriental a seu território e de sistematicamente discriminar seus cidadãos palestinos.
“A publicação de B’Tselem foi seguida por informes inovadores sobre a questão pelas entidades mais conhecidas mundialmente na defesa de direitos humanos – Human Rights Watch e Anistia Internacional. Organizações palestinas de defesa de direitos humanos já há um longo tempo clama que Israel está empregando um regime de Apartheid regime”, diz o documento da entidade israelense.
O diretor executivo de B’Tselem, Hagai El-Ad, afirma: “A comunidade de defesa dos direitos humanos chegou a um recente consenso, acompanhado por organizações, palestinas, israelenses e internacionais, de que esta realidade constitui Apartheid. Um presidente norte-americano após outro saiu continuadamente em apoio a Israel internacionalmente e lhe garantindo impunidade, permitindo que viole os direitos humanos sem prestação de contas a ninguém. Os Estados Unidos precisam reconhecer que a região que vai do rio Jordão ao Mediterrâneo é governada por um regime de Apartheid e mudar sua atitude com relação a Israel de acordo. Quando essa atitude mudar o regime israelense deve mudar também”.
EUA E ISRAEL JUNTOS PARA AMEAÇAR O IRÃ
A visita também esteve a serviço de ameaçar o Irã. Na declaração conjunta conta que Estados Unidos e Israel se juntam para submeter o Irã pela força – isso depois do acordo sobre não desenvolvimento de armas nucleares por parte do Irã estar em vigência e ter sido unilateralmente rompido por Trump. Diz que EUA está disposto a “usar todos os elementos de seu poder nacional para garantir esse resultado”.
Da mesma forma em entrevista na TV israelense, Biden sublinhou que estaria aberto como “último recurso a usar força contra o Irã”, após o governo israelense insistir que o Irã deve sofrer “ameaça militar crível”.
‘UMA ENORME TRAIÇÃO”
Nada mais significativo deste movimento que mostra o real objetivo de Biden em sua ida a Israel do que a sua chegada na Arábia Saudita vindo do aeroporto de Tel Avivi: isolar os palestinos, dar força para que Israel continue impune em seus crimes contra os palestinos e fortalecer a inserção dos Estados Unidos em conjunto com Israel em uma espécie de santa aliança das forças mais antidemocráticas e reacionárias e passando portanto por cima dos povos da região, na verdade, como diz a Declaração de Jerusalém, buscando submeter os povos do Oriente Médio pela força, como faz Israel contra os palestinos, como fazem Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos contra os revolucionários do Iêmen.
Como acusa a ex-noiva do jornalista Jamal Khashoggi esquartejado no interior de consulado saudita na Turquia, “uma enorme traição”
Hatice Cengiz, noiva do jornalista saudita do Washington Post assassinado em Istambul em 2 de outubro de 2018, se disse “profundamente desapontada com Biden” em entrevista à CBS às vésperas da viagem do chefe da Casa Branca a Riad para se encontrar com o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman (MBS).
Afinal, um informe de inteligência dos Estados Unidos, publicado em março de 2021, portanto já com Biden na Casa Branca, coloca a responsabilidade pela morte do jornalista em Salman. O informe conclui que MBS – que agora Biden aperta a mão – “aprovou uma operação em Istambul, Turquia, para capturar e matar o jornalista Jamal Khashoggi.”
DEMOCRATAS RECHAÇAM POSICIONAMENTO DE BIDEN
O repúdio à política que Biden manifestou em sua visita recente vem crescendo em diversos setores da sociedade norte-americana incluindo os judeus norte-americanos e parlamentares do seu partido, o Democrata.
As mais destacadas críticas ao apoio ao regime de ocupação de Israel são Alexandria Ocasio-Cortez (NY), Ilhan Omar (Minesota), Rashida Tlaib (Michigan) e (Cori Bush (Montana).
Tlaib, que é palestina-americana e que tem familiars vivendo na Cisjordânia, denuncia que Israel mantém “um sistema de Apartheid” sobre os palestinos.
Ocasio-Cortez já buscou deter o envio de US$ 735 milhões a Israel no auge do mais recente bombardeio a Gaza e após a repressão às manifestações palestinas em torno da mesquita Al Aksa, em Jerusalém.
Já os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren exigem mais condições para o envio de suporte militar a Israel, hoje em US$ 3,8 billhões anuais.
NATHANIEL BRAIA