
Encenação montada no Alvorada atacou as instituições democráticas do país e representou um grave crime contra a soberania nacional
Jair Bolsonaro usou nesta segunda-feira (18) o Palácio da Alvorada e a estrutura do governo para reunir os embaixadores e atacar a democracia brasileira, desacreditar o sistema eleitoral do país e atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele repetiu acusações infundadas e já desmentidas, mostrou vídeos fora de contexto contra as urnas eletrônicas e manipulou informações tiradas de um inquérito sigiloso sobre um suposto ataque hacker ao TSE em 2018.
Bolsonaro reuniu 70 embaixadores estrangeiros para caluniar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Manipulou mais uma vez o mesmo inquérito apresentado por ele em entrevista à rádio Jovem Pan, em 4 agosto de 2021, quando pinçou trechos de uma investigação sigilosa da PF sobre a invasão hacker para acusar a legitimidade das eleições brasileiras.
Ele afirmou que os hackers teriam ficado oito meses dentro dos computadores do TSE. Esta versão já foi completamente desmentida pelo TSE que comprovou que o ataque foi no sistema interno do TSE e que não teve qualquer implicação na segurança das urnas.
A reunião faz parte da estratégia de Bolsonaro de levantar suspeitas sobre o sistema eleitoral – para, numa eventual derrota, contestar o resultado das urnas. Em sua encenação golpista, Bolsonaro insiste em repetir mentiras e acusar o país de tramar contra sua reeleição. Fez ameaças e disse que o Brasil só terá “paz” caso o TSE adote medidas para alterar o funcionamento das urnas eletrônicas.
Mesmo já tendo sido desmentido, ele voltou a dizer que o sistema de urnas eletrônicas só é usado em dois países. O TSE já informou diversas vezes que, segundo dados do Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social (IDEA Internacional), pelo menos 23 países usam, já desde 2015, urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais.
Na apresentação, ele voltou a bater na tecla de que o voto impresso seria mais seguro que as urnas eletrônicas, que são utilizadas no Brasil desde 1996 sem nenhum caso confirmado de fraude. O STF já decidiu, primeiro em 2018, e confirmou por unanimidade em 2020, que a proposta de voto impresso é inconstitucional. Em 2021, a Câmara rejeitou e arquivou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) defendida por Bolsonaro que previa a incorporação do voto impresso em eleições.
Bolsonaro também afrontou a democracia brasileira falseando a informação de que haveria uma alta desconfiança da população nas urnas eletrônicas. Pesquisa Datafolha de maio mostra exatamente o contrário. O instituto revela que 73% da população confia no sistema eleitoral do país e apoiam as urnas eletrônicas. Mas Bolsonaro diz que se avoluma a desconfiança da população. “O sistema eleitoral é completamente vulnerável”, afirmou ele, sem apresentar nenhuma prova do que dizia. As declarações de Bolsonaro sobre a não confiabilidade das urnas têm sido contestadas pelo TSE desde o ano passado.
Bolsonaro se utilizou das Forças Armadas, que sugeriram mudanças no sistema eleitoral ao TSE, para se contrapor ao TSE. Ele citou nominalmente os ministros do TSE Edson Fachin, atual presidente da Corte, e Alexandre de Moraes, que assume o cargo em agosto. O ex-presidente do tribunal, Luis Roberto Barroso também foi atacado por Bolsonaro. Os três atuariam, segundo Bolsonaro, para difundir acusações infundadas sobre sua atuação.
Bolsonaro chegou a exibir trecho de um vídeo com voto do ministro Alexandre de Moraes avisando que não toleraria ataques às urnas nas eleições deste ano e que os políticos correriam o risco de serem cassados e até mesmo presos. Ele acusou sem nenhuma prova que Fachin quer eleger o petista Luiz Inácio Lula da Silva. A encenação de Bolsonaro perante os embaixadores gerou perplexidade e revelou ao mundo as suas pretensões golpistas.

Confirmando que o evento tem caráter de campanha, ele fez ataques ao ex-presidente Lula, pré-candidato da oposição que lidera as pesquisas na corrida para o Palácio do Planalto e, ao fim do pronunciamento, exibiu aos embaixadores um vídeo no qual aparece cercado por apoiadores. “Isso acontece no Brasil todo, como eu já disse, o povo gosta da gente. Não pago um centavo para ninguém participar de absolutamente nada”, afirmou.
Estiveram presentes à encenação golpista os ministros Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Célio Faria (Secretaria de Governo) e Wagner Rosário (CGU). O acesso da imprensa foi restrito às equipes que concordaram previamente em veicular o material ao vivo e na íntegra. A TV Brasil, emissora estatal, transmitiu o evento.
O presidente do TSE, Edson Fachin, havia recusado o convite por “dever de imparcialidade”. Fachin considerou o evento como sendo de campanha de um dos pré-candidatos e, por isso, decidiu não comparecer. Também se recusaram a comparecer ao evento no Alvorada – que o painel errou ao confundir “briefing” com “brienfing” -, o presidente do STF, Luiz Fux, além dos representantes do TCU e STJ. Ao final da exposição, não houve aplausos. Os embaixadores saíram em silêncio.