A senadora democrata Elizabeth Warren alertou para “devastação” com o Federal Reserve em vias de elevar juros
Em artigo de opinião no Wall Street Journal no domingo, a senadora democrata e ex-pré-candidata presidencial Elizabeth Warren acusou o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell – nomeado por Trump e mantido por Biden” – de fomentar uma “recessão devastadora” e repudiou declaração de um ex-secretário do Tesouro democrata, Larry Summers, por propor elevação do desemprego a “10%” para supostamente ‘baixar a inflação’.
Nesta quarta-feira (27), o Fed abre sua reunião de dois dias para aprovar novo aumento da taxa de juros, em um quadro em que a inflação atingiu em maio 9,1%, sob os gargalos acumulados durante a pandemia, somados ao efeito bumerangue das sanções contra a Rússia.
O enfoque do banco central para combater a inflação “arrisca desencadear uma crise com recessão devastadora” sem abordar diretamente muitos dos principais impulsionadores dos recentes aumentos de preços, destacou Warren.
Após observar que a inflação é “um problema urgente” e as taxas de juros podem “desempenhar um papel fundamental na manutenção da estabilidade de preços”, Warren enfatizou que as altas agressivas dos juros “são amplamente ineficazes contra muitas das causas subjacentes desse pico inflacionário, como os preços da gasolina e dos alimentos”.
A recessão resultante – ela acrescentou – “deixará milhões de pessoas – trabalhadores com salários desproporcionalmente mais baixos e trabalhadores de cor – com salários menores ou nenhum salário”. Registre-se que o salário mínimo nos EUA está congelado há 13 anos.
A três meses das eleições intermediárias que decidirão que partido controlará o Congresso, o alerta da senadora do Massachusetts soa como o famoso “é a economia, estúpido”, agora com um presidente democrata fissurado em manter uma guerra por procuração contra a Rússia na Ucrânia e as “sanções do inferno” de conhecido efeito bumerangue.
No mês passado, durante audiência do Comitê Bancário do Senado, questionado por Warren se os aumentos das taxas do Fed vão reduzir os preços da gasolina e dos alimentos, Powell teve de admitir que “não”. “Há muitas coisas que não podemos afetar”, reconheceu.
Em seu artigo no WSJ , Warren assinalou que “quando o Fed aumenta as taxas de juros, aumentando o custo do empréstimo de dinheiro, fica mais caro para as empresas investirem em suas operações. Como resultado, os empregadores vão desacelerar as contratações, cortar horas e demitir trabalhadores, deixando as famílias com menos dinheiro”.
“Na linguagem implacável dos economistas, isso é chamado de ‘amortecer a demanda'”, ela explicou.
“Mas não se enganem: se o Fed cortar demais ou muito abruptamente, a recessão resultante deixará milhões de pessoas – trabalhadores com salários desproporcionalmente mais baixos e negros em particular – com salários menores ou nenhum salário”, sublinhou a senadora.
Taxas de juros mais altas “não vão acabar com a disparada dos preços da energia” causada – segundo Warren – pela ‘guerra de Putin contra a Ucrânia’. “Elas não consertarão as cadeias de suprimentos ainda sofrendo com a pandemia. E elas não vão quebrar os monopólios corporativos que Powell admitiu em janeiro que poderiam estar ‘aumentando os preços porque podem’”.
“DESEMPREGO DE 10%”, CLAMA SUMMERS
Warren rechaçou o ex-secretário do Tesouro Summers – o guru econômico do governo Clinton – e sua recente declaração de que os EUA precisam de “cinco anos de desemprego acima de 5% para conter a inflação – em outras palavras, precisamos de dois anos de 7,5% de desemprego ou cinco anos de 6 % de desemprego ou um ano de 10% de desemprego.” Oficialmente, a taxa de desemprego nos EUA seria de 3,6% nas remendadas contas do Bureau of Labor Statistics.
“Você leu corretamente: 10% de desemprego. Este é o comentário de alguém que nunca se preocupou sobre de onde virá seu próximo salário”, escreveu Warren em resposta ao porta-voz de Wall Street, Summers.
“Se os srs. Powell e Summers conseguirem o que querem, a recessão resultante será brutal. Como em crises anteriores, os republicanos no Congresso pressionarão por austeridade – cortes de impostos para corporações gigantes e ricos, regulamentação mais fraca para grandes empresas e pouco apoio econômico para os mais vulneráveis”, indignou-se Warren.
“Desemprego baixo e inflação alta são dolorosos, mas uma recessão fabricada pelo Fed que deixa milhões de americanos desempregados sem abordar os preços altos seria muito pior”, concluiu.
“VISÃO HOLÍSTICA”
Já o Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, com base no que descreveu como uma “visão holística”, considerou “improvável que o declínio do PIB no primeiro trimestre deste ano – mesmo que seguido por outro declínio do PIB no segundo trimestre – indique uma recessão”.
Para o economista ganhador do Prêmio Nobel, Peter Diamond, há um risco “substancial” de um pouso forçado da abordagem agressiva do Fed. O que o próprio Powell admitiu: a recessão “não é o resultado pretendido, mas certamente é uma possibilidade”.
O sentimento do consumidor está em baixa recorde e ontem o maior varejista dos EUA, o Walmart, divulgou uma declaração de que os preços mais altos de alimentos e combustíveis estavam fazendo com que os consumidores reduzissem os gastos em outras áreas.
O WSJ caracterizou o anúncio como “um sinal ameaçador para a economia dos EUA que depende do poder de compra resiliente das famílias”. Na reunião anterior, em junho, o Fed decidira por uma alta da taxa de juros 0,75 ponto percentual, a maior desde 1994 e antecipara para a reunião do Fed de 26 e 27 de julho aumentos de “0,5 ou 0,75” ponto percentual.
Já na mais recente estimativa do FMI, a economia dos EUA irá desacelerar para apenas 2,3% em 2022 e para 1,0% em 2023, à medida que a inflação crescente corrói a capacidade das famílias de comprar bens e serviços, o consumo diminui e a campanha de aperto monetário do Federal Reserve começa a morder.
Acrescenta o Fundo que a previsão de crescimento de apenas 0,6% no quarto trimestre de 2023 em uma base anual “tornará cada vez mais desafiador evitar uma recessão”.
IMPACTO NOS PAÍSES POBRES
Como destacou o Common Dreams, nas últimas semanas, economistas e legisladores expressaram sérias preocupações de que o Fed esteja prestes a desfazer os ganhos recentes do mercado de trabalho, reprimindo ainda mais os salários dos trabalhadores e jogando a economia em uma recessão prejudicial. O portal apontou, ainda, que as políticas monetárias cada vez mais agressivas do Fed também podem ter “grandes impactos nos países pobres em todo o mundo”.
A alta de juros pelo Fed muito mais rápido do que na zona do euro e no Japão gera o ‘dólar superforte’ e consequente ‘exportação da inflação’. Na semana passada, foi quebrada a paridade com o euro pela primeira vez em duas décadas.
Isso torna as mercadorias importadas dos EUA – e todos os tipos de commodities que normalmente são precificadas em dólares, principalmente o petróleo – mais caras para outros países.
Com a dívida das economias emergentes e em desenvolvimento em máximas de várias décadas, o aumento nos custos de empréstimos globais e a depreciação da taxa de câmbio estão dificultando o serviço da dívida denominada em dólares.
O Banco Mundial diz que cerca de 60% dos 75 países mais pobres do mundo estão em risco de sobreendividamento, e isso está se espalhando para países de renda média.
Os mercados emergentes se tornaram uma das principais preocupações do FMI, já que o ciclo de aperto do Fed aumenta os custos dos empréstimos em todo o mundo. Embora as condições “desordenadas” do mercado financeiro ainda não tenham se enraizado, para o Fundo o grande coringa é quanta pressão adicional as economias podem suportar.
Os mercados emergentes provavelmente sofrerão uma pressão ainda mais intensa caso o cenário alternativo do fundo de uma queda acentuada nas exportações de petróleo e gás da Rússia se concretize, com as expectativas de inflação aumentando e os bancos centrais forçados a apertar a política monetária ainda mais agressivamente.
“MOMENTO MUITO CRÍTICO”, DIZ FMI
“A perspectiva escureceu significativamente desde abril. O mundo pode em breve estar à beira de uma recessão global, apenas dois anos após a última”, disse Pierre-Olivier Gourinchas, o principal economista do FMI, em um blog que acompanha o lançamento da atualização.
Ao FT, Gourinchas disse que se está “em um momento muito crítico aqui”. “É fácil esfriar a economia quando a economia está esquentando. É muito mais difícil reduzir a inflação quando a economia está perto de uma recessão.”
Uma vez ajustado pela inflação, espera-se um crescimento “real” do PIB nos EUA de apenas 0,6% ano a ano no quarto trimestre de 2023. “Não é preciso muito para derrubar a economia em algo que você pode chamar de recessão técnica”, disse Gourinchas.
Nessas circunstâncias, prevê-se que o crescimento global diminua em 2022 e 2023 para apenas 2,6% e 2%, respectivamente. De acordo com o fundo, o crescimento global caiu abaixo de 2% apenas cinco vezes desde a década de 1970.
Quanto ao crescimento global, o FMI cortou suas previsões pelo terceiro trimestre consecutivo, enquanto elevava suas projeções para a inflação (ou seja, a estagflação está à porta), alertando que os riscos para as perspectivas econômicas estão “esmagadoramente inclinados para o lado negativo” e que o mundo “poderá em breve estar à beira” da recessão.
O fundo agora espera que o crescimento global desacelere para 3,2% em 2022, uma queda de 0,4% em relação à estimativa de abril, abaixo dos 4,4% em janeiro, e cerca de metade do ritmo de expansão do ano passado. Em 2023, o crescimento global deve enfraquecer ainda mais para 2,9%, numa previsão tida como otimista por analistas.
Com foco nas principais regiões, o FMI agora vê a zona do euro crescendo 2,6% em 2022, abaixo dos 2,8% em abril, e espera que o crescimento em 2023 seja de apenas 1,2%, praticamente a metade da projeção de abril.