O recente veto do presidente da Argentina, Maurício Macri, à lei de limitação de tarifas de gás, água e luz, fortaleceu ainda mais a onda de protestos contra a sua política de submissão ao Fundo Monetário Internacional (FMI), com a convocação nesta segunda-feira de uma nova greve geral ainda para o mês de junho. A resposta havia sido engatilhada na sexta-feira, quando, após uma semana, 500 mil pessoas encerraram em Buenos Aires a “Marcha Federal por Pão e Trabalho”, convocada pelos movimentos sindical e popular.
Conforme o Centro de Economia Política Argentina (CEPA), a lei aprovada pelo Congresso retrocederia as tarifas a novembro de 2017, estabelecendo como teto a variação do índice de reajuste dos salários. A legislação vetada permitiria que as famílias economizassem em média 17 mil pesos ($) por ano (equivalente a R$ 200 mensais), pagando praticamente a metade dos valores atuais. A explosão tarifária incendiou as ruas e forçou os parlamentares a se mobilizarem. Afinal, apenas entre novembro de 2017 e abril de 2018, a água subiu 26%, a luz 83% e o gás 108,5%, com uma inflação em torno de 10%. Sem o veto, o reajuste dos três serviços teria sido de 16,91%.
Para se ter uma ideia do descalabro, uma família que em novembro do ano passado gastou $ 408 de gás, em dezembro pagará $ 933; o gás saltará de $ 931 para $ 2428 e a água de $ 305 para $ 384. Neste caso, com a lei vigente, a somatória dos três serviços básicos alcançará $ 3746 por mês ou $ 41.021 anuais, contra $ 1.898 mensais ou $ 24.843 anuais do projeto vetado por Macri..
“O que o governo fez é desregulamentar os preços regulados e atrelá-los ao dólar. O impacto é óbvio e a expressão mais evidente disso é que há famílias se endividando para conseguir pagar as contas”, declarou Hernán Letcher, economista e diretor do CEPA. “A tarifa residencial aumentou de maneira fenomenal. No caso de um trabalhador informal ou de um aposentado, a conta de luz pode chegar a 20% do que recebem”, acrescentou.
POVO NAS RUAS
Durante a “Marcha Federal por Pão e Trabalho” foi anunciada para os próximos dias uma greve geral contra o desgoverno Macri que, conforme Daniel Menéndez, da organização Bairros de Pé, destruiu todas as pontes de diálogo. Diante de tantos atropelos, frisou, é imprescindível parar o país “para defender o povo, colocando o pé na porta, porque não é tempo para covardes”. A multidão respondeu com um mar de aplausos e palavras de ordem, respaldando a convocação.
Secretário-geral da Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), Estebán Gringo Castro denunciou que “eles destroem o trabalho, pois os capitais de fora vêm para a farra financeira e não para a produção. Por isso lhes advertimos que somos pacientes e prudentes, mas não somos mansos”. Gringo recordou que o sentimento contra a injustiça se espraiou pela sociedade argentina e lembrou o padre da paróquia de La Quiaca, Jesús Olmedo, que qualificou a proposta de Macri como “projeto do demônio, ao qual temos que combater”. O dirigente da CTEP esclareceu que, assim como rechaçou as medidas entreguistas e recessivas adotadas pelo governo, a marcha afirmou a necessidade da aprovação de cinco projetos de lei enviados ao Congresso pela oposição: o de Emergência Alimentar, Urbanização de Bairros Populares, Infraestrutura Social, Agricultura Familiar e Lei de Emergência para Viciados – que devido ao agravamento da crise tornou-se um grave problema humanitário e de saúde pública.
A Lei de Emergência Alimentar propõe uma ampla pesquisa nacional para detectar a quantidade de crianças e adolescentes desnutridas ou em risco, também fortalece o orçamento dos programas alimentares e garante o acesso à cesta básica ao conjunto das famílias com necessidade. A lei de Integração Urbana prevê garantir o acesso à moradia digna de todas as famílias, a suspensão dos despejos, a urbanização dos bairros populares e a regularização dos serviços públicos. A lei de Infraestrutura Social busca “promover o fortalecimento e a sustentabilidade da economia popular, social e solidária e garantir que 25% das obras públicas sejam realizadas por trabalhadores cooperativados”. A Lei da Agricultura Familiar pretende “garantir o uso da terra por quem a trabalha, fomentar o apoio à agricultura familiar, criar mercados e férias onde se promova o comércio de produtos orgânicos e saudáveis”, enfrentando o poder do agronegócio e das transnacionais do veneno. Já a lei de Emergência para Viciados tem por objetivo “fortalecer os espaços e ferramentas para prevenção e assistência, promover a inclusão laboral e fomentar a capacitação sobre esta problemática”.
O secretário-geral da Associação dos Trabalhadores da Educação (ATE) Nacional e membro da direção da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA Autônoma), Hugo Godoy destacou que a Marcha Federal “nasceu para dizer não ao ajuste, porém também propõe estas cinco leis a serviço das maiorias populares”.
“Demonstramos que se pode construir uma política de Estado a serviço do povo, não como faz Macri: em duas semanas 11 bilhões de dólares foram saqueados do país. Desde este palco, dizemos que todos aqui nos comprometemos a realizar uma grande paralisação nacional porque o que nos alimenta é a esperança, é a construção de uma Argentina para todos e todas, com soberania e justiça”, enfatizou.
“FORA MACRI”
“É preciso deixar de lado as diferenças e construir uma alternativa ao governo Macri, que nos faz a cada dia mais pobres”, afirmou Dina Sánchez, representante da Frente Darío Santillán. Sánchez rechaçou o retorno da Argentina ao FMI “porque significa fome, desemprego e morte” e, para enfrentar o descaminho que significa este retrocesso, defendeu a necessidade de “construir uma greve geral nacional”. “Pan, Trabajo y el Fondo al carajo”, entoaram os manifestantes.
Nora Cortiñas, das Mães da Praça de Mario, advertiu Macri que “este grito de todos nós têm que ser escutado. Eu o chamo de Robin Hood ao revés, pois rouba dos pobres para dar aos ricos, atropela os direitos humanos de todo o povo. Queremos saúde, moradia, trabalho e educação”. A política de crescente repressão aos movimentos é grave, condenou, “porém o pior é a fome, é levar o país à fome como estão fazendo”.
LEONARDO SEVERO