
“O Brasil precisa estar preparado para nova pandemia”, alerta o epidemiologista Pedro Curi Hallal, doutor pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), especialista em epidemias após o início da transmissão comunitária da varíola dos macacos no país.
Segundo o boletim divulgado pelo Ministério da Saúde nesta segunda-feira (01), subiu para 1.369 o número de casos de varíola dos macacos no Brasil. O maior numero de casos se concentra em São Paulo (1.031), Rio de Janeiro (169), Minas Gerais (63) e Distrito Federal (20). Entretanto, o governo brasileiro insiste em negligenciar os riscos de contágio da doença.
Na avaliação do médico sanitarista Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass), o “Brasil repete os mesmos erros cometidos com a covid”. Para Fernandes, a resposta do país à nova emergência de saúde pública está ‘protocolar’ e, em breve, pode se tornar insuficiente para conter a ameaça antes que ela se torne ainda mais grave.
Apesar do alerta de especialistas e da incidência de casos da varíola do macaco no país – inclusive com a primeira morte registrada – o governo Bolsonaro usa a mesma conduta adotada durante o surto de Covid 19, que só no Brasil já deixou mais de 677.804 até dois dias atrás.
“Na nossa avaliação, o Brasil corre o risco de repetir os erros cometidos no começo da pandemia de covid-19”, alerta Nelson Fernandes, que também é secretário de Saúde do Espírito Santo.
De acordo com o médico, o Brasil precisa adotar três ações urgentes para conter a doença antes que ela se torne uma crise ainda mais grave: ampliar a testagem, atualizar as orientações de isolamento de casos e correr atrás de vacinas.
“Com o coronavírus, não tivemos critérios de testagem para casos suspeitos logo no início. À época, isso impediu que o país conhecesse o real tamanho do problema com o qual estávamos lidando”, aponta.
Nésio explica que, no momento, o governo adotou o que classifica de “silêncio epidemiológico” sobre o vírus monkeypox, o causador da condição, em algumas regiões brasileiras. “Por ora, cada Estado está agindo de forma independente e tem critérios próprios de testagem e acompanhamento de casos”, avalia.
“Precisamos de uma coordenação nacional para atualizar e padronizar a estratégia em todo o território e não permitir que o monkeypox se torne uma ameaça ainda maior”, defende.
Mas, “sem coordenação nacional, a aquisição de insumos, medicamentos e tecnologias também fica muito mais difícil”, completa.
DOENÇA GRAVE
Sobre o surto global da varíola do macaco, Hallal disse que não há dúvidas sobre a gravidade da doença, que pode causar dores no corpo e até lesões na pele, mas ressaltou que atualmente há mais conhecimento entre a comunidade científica para enfrentar esse tipo de situação, o que pode ajudar a impedir que a doença cause danos comparáveis aos da covid-19 no Brasil e no mundo.
“A varíola do macaco, pelo histórico, a gente tem mais capacidade de saber o que precisa fazer do que no começo da covid-19”, disse. “Mas não tenho dúvida que é uma emergência de saúde internacional”, ponderou.
O Brasil registrou a primeira morte por varíola dos macacos. O óbito de um homem, de 41 anos, internado em Belo Horizonte (MG), foi confirmado pelo Ministério da Saúde nesta sexta-feira (29).
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que, de janeiro até o dia 22 de julho, cinco mortes foram registradas no mundo por varíola dos macacos, todas no continente africano, sendo três vítimas na Nigéria e duas na República Centro-Africana.
Para Nésio, o decreto de emergência de saúde pública de importância internacional feito pela OMS em 23 de junho foi um acerto. “A decisão permite acelerar ações de vigilância e desenvolvimento de tecnologias para responder rapidamente à doença”, avalia.
“Sem esse estado de emergência, a comunicação e as ações para conter o problema variam muito de país para país”, analisa.
O médico sanitarista esclarece que, em termos de transmissão e a ação dos patógenos, não se pode comparar o coronavírus e o monkeypox. “Não podemos usar a covid como critério para reconhecer outras situações como uma emergência de saúde pública”.
A doença causada pelo monkeypox, mesmo com uma letalidade mais baixa, circula numa velocidade relevante e em proporções internacionais”, completa.
O especialista também esclarece que a ideia de que a doença só acontece em grupos específicos, como jovens, gays, bissexuais ou homens que fazem sexo com homens, representa uma armadilha.
“É normal e esperado que algumas enfermidades afetem com mais frequência alguns grupos específicos”, explica.
No entanto, “pelas próprias características do monkeypox, é questão de tempo, talvez de apenas algumas semanas, para que ele comece a ser encontrado cada vez mais também em outros grupos, como heterossexuais ou idosos”, alerta.
AUSÊNCIA DE MEDIDAS CONCRETAS
Para o presidente do Conass, o Brasil precisa tomar medidas concretas agora para enfrentar o monkeypox, como a necessidade de mudar as políticas públicas em três aspectos. A primeira, reconhecer que todos os Estados estão em risco e já devem ter a transmissão comunitária do vírus.
“A partir disso, precisamos aumentar a nossa capacidade de testagem e ampliar a suspeita clínica, que define quando uma pessoa deve passar por um exame desses”, sugere.
Em segundo lugar, Fernandes diz que é necessário ter uma atenção especial com os critérios de isolamento dos casos confirmados. A principal forma de transmissão do patógeno ocorre por meio do contato direto com as feridas de uma pessoa contaminada. Outras vias infecção são gotículas de saliva e o compartilhamento de objetos contaminados.
“Nos preocupa o cenário atual, em que se recomenda apenas o isolamento de quem teve contato direto com alguém infectado. Vemos que, em muitos casos, a doença evolui com sintomas leves e poucas lesões, que podem passar despercebidos”, explica.
“Deveríamos ter medidas objetivas de saúde pública e criar uma comunicação clara sobre o que fazer”, complementa.