Para o economista e professor da UnB, José Luis Oreiro, “não existe pressão de demanda sobre a economia”. “Esse aumento de meio ponto percentual significa que vai gerar nos próximos 12 meses um aumento de R$ 15 bilhões na despesa do governo, ou seja, uma transferência de renda do resto da sociedade para o 1% mais rico”
O economista José Luis Oreiro afirmou que “não existe pressão de demanda sobre a economia brasileira” que justifique o aumento da taxa de juros em mais meio ponto percentual, conforme decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, na quarta-feira (3), que elevou a taxa Selic para 13,75% ao ano.
Segundo Oreiro, as justificativas que o Banco Central utiliza para continuar aumentando a taxa de juros “são completamente infundadas”.
“Esse aumento de meio por cento significa que vai gerar nos próximos 12 meses um aumento de R$ 15 bilhões na despesa do governo, ou seja, uma transferência de renda do resto da sociedade para o 1% mais rico, de R$ 15 bilhões. No meu ponto de vista, o que está acontecendo é simplesmente o efeito ‘fim de feira’. Estão aproveitando que o governo está acabando para tirar o máximo proveito possível. Se aproveitando de um governo que está se desmilinguindo, que não tem nenhuma chance de se reeleger, para tirar o máximo proveito possível, ou seja, é puro saque a economia do país”, afirmou o economista em entrevista exclusiva ao HP.
Veja a seguir, a análise do economista José Luis Oreiro ao HP.
A INFLAÇÃO É UM PROBLEMA DE CHOQUE DE OFERTA PERSISTENTE, MAS NÃO PERMANTE
“A justificativa é de que o pacote de bondades de Bolsonaro, também chamado de “PEC Kamikaze” e outros adjetivos, pode se tornar permanente num futuro governo. Eles não dizem assim, explicitamente, mas seria o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Então, em função do risco fiscal ampliado o Banco Central justifica mais uma elevação de meio ponto percentual da taxa Selic.
“O problema é que não está claro qual é o diagnóstico de inflação do Banco Central. Qual é a natureza da inflação, segundo análise do Banco Central. A inflação é um problema de choque de oferta persistente, mas não permanente, que é a minha análise. Ou seja, você tem inflação de alimentos e de energia subindo, por conta de uma série de eventos que persistem no tempo, como: a guerra da Rússia e da Ucrânia, como os efeitos ainda da Covid-19 sobre a cadeia mundial de suplementos. Quer dizer, esses efeitos estão durando mais do que a gente havia esperado. Aliás, ninguém esperava né, que no final de 2021 que ocorresse a guerra da Rússia e da Ucrânia, que certamente adicionou uma pressão inflacionária grande por conta da interrupção das exportações de milho e trigo, tanto da Rússia como da Ucrânia, como também das sanções do ocidente contra Rússia, que afetaram o preço internacional do petróleo, elevando muito o preço do petróleo e do gás, aumentando, portanto, a inflação de energia e alimentos a nível mundial. Esse é o meu diagnóstico.
É DE UM TERRAPLANISMO ECONÔMICO INACREDITÁVEL!
“Agora, o Banco Central aparentemente tem dois diagnósticos contraditórios. O primeiro diagnóstico é de que a elevação da inflação, no Brasil, decorre de uma deterioração do quadro fiscal que foi acentuado, recentemente, pela chamada ‘PEC Kamikaze’, e que existe o risco de que as medidas da ‘PEC Kamikaze’ sejam de caráter permanente. Ou seja, no próximo governo, elas sejam mantidas, o que elevaria o déficit público e com isso a inflação. Bom, não existe nenhuma relação de causalidade direta entre déficit público e inflação. Isso aí é besteira, é um terraplanismo econômico inacreditável. Quer dizer, se fosse por conta disso o Japão deveria ter a taxa de inflação mais alta do mundo. O Japão tem uma relação dívida pública/PIB de quase 300%, e não é o caso.
TAXA DE DESEMPREGO ABAIXO DE 10% ESCONDE UM ENORME DESEMPREGO DISFARÇADO
“O segundo diagnóstico é de que essas medidas fiscais, elas têm um impacto tão grande sobre a demanda agregada que colocariam a economia funcionando acima do seu potencial. Bom, a economia brasileira ainda está com 10% de desemprego, mas no caso de uma economia, como a brasileira, a taxa de desemprego não é uma variável tão importante para gente avaliar a pressão sobre a capacidade produtiva. Por que? Boa parte dos empregos que foram gerados na economia brasileira nos últimos dois anos e, principalmente, agora, depois do início da vacinação, foram empregos do setor informal da economia, são empregos precários. Então, a taxa de desemprego abaixo de 10% na verdade esconde um enorme desemprego disfarçado. Não existe pressão de demanda sobre a economia brasileira. Então, no meu ponto de vista, as duas justificativas que o Banco Central utiliza para continuar aumentando a taxa de juros são completamente infundadas.
ESTÃO SE APROVEITANDO PARA FAZER A MAIOR EXTRAÇÃO DE RENDA POSSÍVEL
“Aí o que nos leva a questão de qual é a economia política que está por trás do aumento dos juros. A única razão que eu vejo, é que se trata de um governo que está em fim de mandato. Todo mundo sabe que Bolsonaro vai perder as eleições, que o presidente Lula vai ser eleito e vai haver uma mudança na política macroeconômica. Onde certamente, com responsabilidade, com gradualismo etc., a taxa de juros vai ser reduzida. Então, os rentistas, o setor financeiro, que têm têm uma relação carnal com o Banco Central, estão se aproveitando dos últimos meses que restam do seu domínio absoluto sobre o Banco Central para fazer a maior extração de renda possível.
“Quer dizer, cada um ponto percentual de aumento da taxa de juros gera uma despesa, em 12 meses, de mais de R$ 30 bilhões. Esse aumento de meio por cento, hoje, significa que vai gerar nos próximos 12 meses um aumento de R$ 15 bilhões na despesa do governo, ou seja, uma transferência de renda do resto da sociedade para o 1% mais rico de R$ 15 bilhões. No meu ponto de vista, o que está acontecendo é simplesmente o efeito ‘fim de feira’. Estão aproveitando que o governo está acabando para tirar o máximo proveito possível. Se aproveitando de um governo que está se desmilinguindo, que não tem nenhuma chance de se reeleger, para tirar o máximo proveito possível, ou seja, é puro saque à economia do país”.
ANTONIO ROSA