Empresa com roupagem de ‘Organização Social’ demitiu os cerca de 800 trabalhadores do Hospital da Brasilândia para recontratar alguns com menores salários e com a redução de benefícios, como o vale alimentação
Os trabalhadores do Hospital da Brasilândia realizaram uma reunião, na sexta-feira (05), com representantes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para discutir a demissão de cerca de 800 funcionários feita pela Associação Saúde em Movimento, Organização Social (OS) que passou a gerir o hospital, e a quitação dos vencimentos devidos pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS), antiga administradora da unidade. Como resultado, será estabelecida uma mesa de diálogo entre trabalhadores, gestão municipal e as organizações sociais.
Durante a manhã, os trabalhadores se reuniram em assembleia geral na sede do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de São Paulo (SinSaúde-SP), no centro da capital paulista. O presidente do sindicato, Jeferson Caproni, avaliou que a abertura de um canal de diálogo é um importante avanço para a garantia dos direitos dos trabalhadores.
“Saímos daqui com o resultado positivo. Nasceu a partir dessa reunião uma mesma permanente sobre as questões rescisórias do IABAS. A certeza que nos deram, enquanto Secretaria, é de que serão pagos os trabalhadores da forma correta com o acompanhamento do sindicato e dessa comissão. Então estaremos a partir de segunda-feira os mais próximos dessa relação que não existia, nós não tínhamos aproximação nenhuma como a OS, aproximação nenhuma com a SMS. Hoje nasceu daqui realmente uma mesa de diálogo”, disse.
De acordo com Caproni, com o diálogo será possível estabelecer o debate para garantir os direitos dos trabalhadores com estabilidade, como pessoas com doenças ocupacionais que estão fazendo tratamento, membros da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), os cipeiros, gestantes e também os demais trabalhadores. Também foi discutida a reintegração dos trabalhadores aos seus postos de trabalho, a permanência e manutenção dos trabalhadores que atuaram na unidade durante todo o período da pandemia. “Então saímos daqui com resultado positivo. Segunda-feira voltaremos aqui na secretaria para conversar com o secretário mais uma vez para decidir conjuntamente aqui a vida e o futuro dos trabalhadores da saúde. Juntos somos fortes”, disse Caproni.
O Hospital Municipal da Brasilândia foi construído devido à pressão da comunidade que, desde os anos 1970, denunciava a necessidade da unidade de saúde na região para ajudar a desafogar os demais hospitais da região, como o Hospital Penteado e o Hospital de Taipas. A unidade só foi inaugurada 50 anos depois, em 2020, já no auge da pandemia, também devido às manifestações e passeatas dos moradores do bairro. Ele serviu como um hospital referência para o tratamento da Covid-19. Agora que passaria a atender as demandas gerais da população, a prestação de serviço encontra na demissão em massa dos trabalhadores mais uma barreira para garantia do acesso à saúde na região.
“Já entramos no Tribunal de Contas Municipal, pedindo a suspensão do atual contrato [de prestação de serviços da OS]. Agora, encaminhamos ao Coren [Conselho Regional de Enfermagem] pedido de interdição ética, porque não tem trabalhadores lá para atender a população, então tem que ter uma interdição e uma fiscalização do Conselho. Solicitamos, também, aqui pro Ministério Público do Trabalho (MPT), uma audiência sobre a questão da sub-rogação [pagamento da dívida com os] dos trabalhadores, bem como sobre o atendimento à população, porque quem está desassistido nesse momento é a população por irresponsabilidade da Prefeitura.
Os trabalhadores, que fizeram uma vigília na noite desta sexta-feira (05), vestidos de preto com velas acesas, representando às vidas salvas durante a pandemia, foram demitidos após a troca de Organização Social (OS) responsável por gerir a unidade. A nova empresa, a Associação Saúde em Movimento (ASM), demitiu indiscriminadamente os cerca de 800 trabalhadores do Hospital da Brasilândia para recontratar alguns com menores salários e com a redução de benefícios, como o Vale Alimentação. Os trabalhadores seguem mobilizados.
DESVALORIZAÇÃO
Alguns dos trabalhadores foram demitidos para serem recontratados com menores salários e benefícios. Outros nem isso tiveram. “Quem recebeu a proposta teve o salário diminuído. Teve pessoas que tiveram salário diminuído em quase cinquenta por cento. A equipe está muito reduzida. O que pode também comprometer até a saúde dos pacientes. Já que a gente precisa de um condições para fazer o nosso trabalho com qualidade. O funcionário também tem que ter qualidade de vida ali dentro do próprio trabalho. A gente ficou mais de dois anos na linha de frente arriscando as nossas vidas, expondo as nossas famílias, pensando na abertura [total] do hospital e quando isso pôde de fato acontecer, nós fomos descartados. E aí aqueles chamavam a gente de heróis, mas pelo visto era só mesmo para um jogo político”, disse Geiza Oliveira Silva, psicóloga da unidade.
Com a troca de organização social, teve início a demissão coletiva, num momento de grave crise econômica, com desemprego em massa e aumento do custo de vida, foi feita via internet. “Eles mandaram a gente ir embora porque entrou uma empresa nova. Aí até então eles selecionaram alguns funcionários para permanecer trabalhando no hospital. Aí, eles desligaram todo mundo para ser recontratado pela nova empresa, só que com um salário muito baixo, né? E eles cortaram também o benefício de insalubridade, VA [Vale Alimentação]. Aí, não tem outra opção, a gente está indo lá pra protestar, para se manifestar”, disse ao HP Tamires da Silva Gomes, escrituraria do Hospital da Brasilândia.
Fundamental para a garantia do acesso à saúde na região, o Hospital é uma demanda histórica dos moradores da Brasilândia que, pelo menos desde os anos de 1970, lutavam por sua construção. Uma das unidades de referência para o cuidado às pessoas infectadas pela Covid-19, só foi inaugurado em 2020, após manifestação e protestos da comunidade que era a mais atingida pela pandemia naquele momento.
Com a demissão dos trabalhadores, a unidade não está atendendo a população por uma decisão empresa que tem como objetivo apenas a garantia de maximização de seu lucro, em detrimento dos direitos dos trabalhadores e das necessidades de saúde da população.
HISTÓRICO DE IRREGULARIDADE DAS OSS
A unidade era gerida pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) que, segundo informações da vereadora Juliana Cardoso, vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo, teve seus contratos questionados pelo Ministério Público após escândalos no Rio de Janeiro e de ser alvo de várias denúncias de irregularidades em São Paulo. O Ministério Público recomendou à Prefeitura não renovar com a empresa os contratos de gestão a partir de 2021. Contudo, mesmo com a OS possuindo várias suspeitas em seu histórico, até pouco tempo era gestora do Hospital Municipal da Brasilândia, na Zona Norte. Desde 2021, a empresa recebeu pelos serviços prestados nesse período, R$ 89,1 milhões em três parcelas mensais de R$ 29,7 milhões. No Rio de Janeiro, administrava hospitais de campanha até ser alvo da Operação Placebo, investigação que culminou no processo de impeachment do governador, Wilson Witzel.
A ASM, por sua vez, foi alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), em setembro de 2012, que identificou o pagamento indevido de R$34,9 milhões à empresa, à época responsável por administrar os hospitais de campanha de Ceilândia e da Polícia Militar. Segundo o relatório, parte do valor foi pago antes das unidades receberem pacientes, em descumprimento ao contrato vigente. Já de acordo com o jornal Metrópolis, em agosto de 2021 constam na justiça aproximadamente 71 ações judiciais contra a empresa por falta de pagamento dos profissionais. O Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem do DF (Sindate-DF) denunciou à época que teve de ir à sede da empresa por diversas vezes devido a denúncias de atraso nos pagamentos feita por trabalhadores, sendo preciso ações individuais e coletivas e decisão da Justiça do Trabalho para garantia dos pagamentos.