Em um telefonema interceptado pela Polícia Federal com autorização da Justiça, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, manifestou apoio a um servidor Jussielson Silva, preso em maio por arrendar terras indígenas no Mato Grosso.
Segundo Jussielson, o chefe da Funai seria “o apoio de fogo” dos criminosos que negociavam o arrendamento dos territórios indígenas. Em resposta, Xavier tenta tranquilizar o servidor detido: “pode ficar sossegado”.
A gravação da conversa foi anexada a um relatório da PF que aponta que Xavier deu “sustentação à ilegalidade”. O material foi divulgado pelo jornal “O Globo”
A interceptação da PF que flagrou Xavier foi feita no início deste ano durante a investigação que prendeu o chefe da Funai no município de Ribeirão Cascalheira (MT), o ex-fuzileiro naval Jussielson Silva, além de um policial militar e um ex-PM, sob a suspeita de cobrança de propina para alugar pastos ilegalmente na reserva indígena Marãiwatsédé.
A região ocupa uma área equivalente a 165 mil campos de futebol espalhados em três municípios matogrossenses. No local, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 781 indígenas xavantes em mais de dez aldeias.
No dia 18 de fevereiro, o presidente da Funai e Jussielson da Silva, o servidor do órgão, conversaram ao telefone por 5 minutos e 48 segundos.
“Eu vou dar ciência já do caso ao corregedor lá de Mato Grosso, ao corregedor nacional da Polícia Federal aqui e já vou acionar nossa corregedoria para atuar nisso aqui. Pode ficar tranquilo”, diz Xavier no áudio.
Jussielson responde: “Eu agradeço porque a gente está na ponta da lança. O senhor é o meu apoio de fogo. O senhor me protegendo, fico mais feliz ainda”, conforme a interceptação da PF.
O presidente da Funai continua: “Pode ficar tranquilo aí que você tem toda a sustentação aqui. Pode ficar sossegado”.
MILICIA ARMADA
A PF havia procurado Jussielson em busca de informações sobre os fazendeiros que alugavam os pastos para gados. No diálogo, Xavier protesta e diz que já havia entrado em contato com a delegacia da PF responsável pela investigação, localizada em Barra do Garças.
O coordenador, que atua em Ribeirão Cascalheira, a 893 km de Cuiabá, foi preso na Operação Res Capta em março junto com o policial militar Gerrard Maxmiliano Rodrigues e Souza e o ex-policial militar Enoque Bento de Souza. Os três são réus no processo.
Gerrard e Enoque respondem por integrar milícia privada, sequestro qualificado, abuso de autoridade, peculato, favorecimento pessoal, usurpação de função pública na forma qualificada, porte ilegal de arma de fogo e estelionato.
De acordo com as investigações anexadas ao processo, os réus agiam como um “poder armado” paralelo ao estado e tinha como marcas registradas o uso de vestes militares, o porte de arma de forma ostensiva e uma forte atuação denotando poder de polícia.
Os réus se valiam da intimidação por meio de ameaças e violência física ou psicológica, ainda conforme o processo.
“Foi verificado ainda que os réus praticavam a desinformação como ferramenta para encobrir e dificultar as ações dos órgãos encarregados de realizar as investigações para exercer poder sobre os indígenas, bem como manipular todos os demais envolvidos, incluindo a direção da própria Funai”, diz o documento.
AMEAÇAS
Testemunhas relataram que foram ameaçadas e Gerald Maxmiliano e Enoque tinham total acesso à Funai, como se fossem servidores, e participavam de reuniões, faziam buscas em terras indígenas e recebiam representantes de outros órgãos, segundo o MP.
Também durante as investigações, exames periciais apontaram extenso dano ambiental provocado por queimadas para formação de pastagem, desmatamento e implantação de estruturas voltadas à atividade agropecuária. Em quatro dos 15 arrendamentos ilícitos, os peritos estimaram o valor para reparação do dano em R$ 58,1 mil
Fazendeiros identificados como arrendatários das terras no interior da reserva tiveram que desocupar as áreas e retirar o gado, estimado em 70 mil cabeças.
Conforme as investigações, além das propinas aos servidores, os arrendamentos geraram repasses de aproximadamente R$ 900 mil por mês ao cacique Damião Parindzané, também investigado pela Polícia Federal por suspeita de receber dinheiro em troca da concessão ilegal de áreas indígenas a fazendeiros.
A caminhonete do cacique foi apreendida na operação. Segundo a polícia, ele recebeu o veículo em troca da permissão de uso da área. Os envolvidos, na época, negociavam aumentar o valor repassado ao cacique para R$ 1,5 mil ainda neste ano.
ATUALIZADO EM 04/10/2022
Direito de resposta concedido ao presidente da Funai
Publicamos abaixo nota assinada pelo presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, com relação à matéria Presidente da Funai oferece apoio a servidor preso por arrendar terras indígenas em MT em que é divulgado trecho o áudio de uma ligação entre Xavier e o servidor Jussielson Silva, investigado pela Polícia Federal por arrendar terras indígenas no Mato Grosso.
O telefonema, realizado em dia 18 de fevereiro, foi interceptado pela PF após autorização judicial e o conteúdo foi divulgado pelo jornal ‘O Globo”.
A PF havia procurado Jussielson em busca de informações sobre os fazendeiros que alugavam os pastos em territórios indígenas para gado. No diálogo, Xavier diz que entrará em contato com a delegacia da PF responsável pela investigação, localizada em Barra do Garças.
Na conversa, Jussielson Silva afirma que o presidente da FUNAI é “seu apoio de fogo”. “O senhor me protegendo, fico mais feliz ainda”, disse.
Jussielson Silva foi preso em maio, portanto, três meses após a ligação interceptada.
Segundo a nota do presidente da FUNAI, foram divulgados trechos da gravação que criaram uma “narrativa” “com vinculação a fatos apurados posteriormente, dos quais o Presidente da FUNAI sequer havia ciência à época da ligação”.
“Tratou-se de uma conversa rotineira de uma instituição na qual um subordinado lotado em região descentralizada da Sede relatava uma situação concreta de informalidade no requerimento de documentos oficiais, por autoridades policiais, sob pena de configurar crime de desobediência”, afirma o texto que publicamos na íntegra abaixo:
Direito de resposta – Processo nº 08620.008188/2022-62.
Recentemente, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, enviou ofício à Polícia Federal exigindo a instauração do competente inquérito policial para apuração do seu suposto envolvimento em arrendamento ilegal na Terra Indígena Maraiwatsede (MT), ou justificativa plausível para deixar de fazê-lo, sob pena de prevaricação.
No que se refere à sua atuação no processo de desintrusão da Terra Indígena Maraiwatsede, ressaltamos que nunca houve nenhum indício de que tenha atuado de forma parcial ou praticado alguma irregularidade, sendo mentirosas e ofensivas as narrativas dos veículos de comunicação com vazamento descontextualizados dos áudios. Tanto é verdade que durante o procedimento de desintrusão foi efetuado o indiciamento de mais de 40 pessoas que invadiram a respectiva área indígena. Foram indiciadas pela prática de crimes ambientais, conforme consta nos Inquéritos Policiais nº 10/2013, 11/13, 12/13, 12/12, 13/09, 13/12, 14/13, 14/12, 15/13, 15/12, 16/13, 16/12, 17/13, 14/12, 18/12, 19/13, 19/12, 20/12, 22/12, 28/13, 29/13, 30/13, 31/13, 32/13, 33/13, 34/13, 35/13, 82/12, 87/12, 111/11, 117/12, 191/12, 192/12, 193/12, 207/12, 75/13, 59/13, 133/13, 143/13 e 110/11, todos oriundos da Delegacia da Polícia Federal de Barra do Garças e presididos por Marcelo Xavier à época. Ressalta, ainda, que à época, por sua iniciativa, ocorreu a mensuração de danos ambientais, resultando em somas milionária para recomposição ambiental. Logo, absolutamente despropositada a tentativa de seu envolvimento na prática de atos ilícitos, os quais combateu, eis que quando lá esteve indiciou várias pessoas pela prática delitiva.
É incompreensível essa sanha midiática em denegrir a imagem de Marcelo Xavier, recrudescida em momento pré-eleitoral, voltada para criar um ambiente social e familiar hostil, trazendo indevida repercussão na esfera criminal, ao proceder sensacionalismo irresponsável e manipular notícias falsas.
O caso que repercutiu envolve o áudio de uma ligação telefônica do investigado Jussielson Gonçalves Silva, à época Coordenador Regional da FUNAI de Ribeirão Cascalheira/MT, interceptada pela Polícia Federal, sendo o outro interlocutor o Presidente da FUNAI, Marcelo Xavier, que jamais foi investigado no caso em questão.
Foram divulgados trechos adredemente e maliciosamente selecionados de uma gravação de aproximadamente 05 minutos e deram ao caso uma narrativa totalmente insana e fantasiosa, com vinculação a fatos apurados posteriormente, dos quais o Presidente da FUNAI sequer havia ciência à época da ligação. Tratou-se de uma conversa rotineira de uma instituição na qual um subordinado lotado em região descentralizada da Sede relatava uma situação concreta de informalidade no requerimento de documentos oficiais, por autoridades policiais, sob pena de configurar crime de desobediência.
Ao contrário do que foi veiculado de maneira deturpada, a questão tratada entre o Presidente da FUNAI e o então Coordenador Regional gira em torno da ausência de formalidade em requisição de informações por parte da Polícia Federal à FUNAI. Na ligação, Jussielson reporta ao Presidente que foi procurado por agentes da Polícia Federal, a pedido do Delegado Federal em Barra do Garças/MT, os quais requisitaram informalmente documentos que, segundo o então coordenador, tramitavam internamente na FUNAI sob o caráter sigiloso, razão pela qual ele não poderia fornecer tais documentos a terceiros sem a devida formalização. Afirmou, ainda, segundo sua versão, que foi ameaçado e coagido pelo Delegado da Polícia Federal e que achou toda a situação estranha e atípica. Por isso, o Presidente da FUNAI, entendeu que toda a questão que envolvesse o fornecimento de documentos deveria ser tratada formalmente, vez que a comunicação entre a Polícia Federal e a FUNAI é feita através do sistema SEI. Nessa senda, o Presidente orientou que Jussielson tratasse toda a questão de maneira formal, informou que Jussielson teria “toda sustentação” para que a informação entre a FUNAI e a Polícia Federal ocorresse via Sistema Eletrônico de Informações, obedecidos os aspectos formais, pois considerou inadequada a tratativa informal dada ao caso pelo Delegado da PF.
A narrativa acima encontra-se claramente delineada na degravação do diálogo assinada pelo Agente de Polícia Federal, Murilo Alves dos Reis, em 21/02/2022, da qual extrai-se a afirmação do próprio agente federal de que o diálogo interceptado refere-se a uma possível “ausência de formalidade de informações por parte da Polícia Federal ao órgão em que ambos são vinculados”. Para melhor entendimento, cumpre destacar a informação que foi omitida:
Por óbvio, a operação deflagrada pela Polícia Federal era sigilosa, razão pela qual o pedido de quebra de pedido de sigilo também se deu por sigilo processual. Isso significa que, por parte da Sede da FUNAI, em Brasília, não havia ciência de que o então coordenador se encontrava sob investigação por envolvimento com o arrendamento ilícito das áreas indígenas. O mandado de prisão preventiva em face de Jussielson foi cumprido em 17/03/2022, um mês após a interceptação telefônica.
Inclusive, a situação ilegal foi encaminhada pelo próprio Presidente da FUNAI, Marcelo Xavier, através do Ofício nº 1404/2021/PRES/FUNAI, datado de 17/09/2021, ao Departamento de Polícia Federal e também à Procuradoria da República de Barra do Garças/MT, através do Ofício nº 1478/2021/PRES/FUNAI, datado de 21/10/2021, sendo um paradoxo ululante imaginar seu envolvimento em um ato ilícito do qual solicitou a apuração. Cumpre registrar, ainda, que, em face de tais assuntos e para tratar de soluções na construção de um potencial Termo de Ajustamento de Conduta, a assessoria da Presidência da FUNAI efetuou reunião com a Procuradoria da República em Barra do Garças/MT, em 13/11/2021, ou seja, em aproximadamente 04 meses antes da deflagração da operação policial.
Ademais não é possível subsistir a falácia de que houve apoio ou amparo, pelo Presidente da FUNAI, ao servidor preso por suspeita de arrendar terras indígenas se a própria prisão do servidor ocorreu um mês depois da ligação telefônica gravada pela PF.
Levianas, portanto, as informações divulgadas que acabam chegando ao expectador de forma deturpada, o que, para um leigo, é aceito como a verdade absoluta.
Repisa-se, ainda, que o apoio oferecido pelo Presidente da FUNAI ao então Coordenador Regional foi tão somente no âmbito administrativo, pois envolvia o envio de documentos à Polícia Federal, que, se utilizado da autoridade policial, requisitou informalmente os documentos, inclusive em prazo exíguo, sob pena de crime de desobediência. Era apenas essa a narrativa que o Presidente da FUNAI tinha conhecimento e foi sobre essa narrativa que o Presidente buscou a tomada de providências administrativas para, então, resguardar a FUNAI e os documentos oficiais e sigilosos no âmbito da FUNAI.
Pelo que se depreende, o ato ilícito foi localizado e realizado no âmbito da Coordenação Regional de Ribeirão Cascalheira/MT. É necessário esclarecer que o Presidente da FUNAI nunca questionou nenhuma investigação instaurada em desfavor do acusado, Jussielson Gonçalves Silva, bem como não mantém nenhum relacionamento e desconhece as pessoas de Enoque Bento de Souza, Gerard Maximiliano Rodrigues de Souza e Thaiana Ribeiro Viana, até porque não era de seu prévio conhecimento a existência de investigação envolvendo a apuração de alguma ilicitude praticada pelo respectivo servidor. A Coordenação Regional de Ribeirão Cascalheira/MT é Unidade Gestora, órgão descentralizado, com autonomia para firmar contratos, realizar licitações e propor indicações para as nomeações, conforme Regimento Interno da FUNAI (Portaria 666/MJSP/FUNAI/2017 e Decreto 9.010/2017), pelo que não mantemos nenhum relacionamento e desconhecemos as pessoas de Thaiana Ribeiro Viana, Gerard Maxmiliano Rodrigues de Souza e Enoque Bento de Souza.
Marcelo Xavier, portanto, não tinha ciência da Operação Res Capta, tampouco da condição de investigado de Jussielson. O Presidente da FUNAI, exatamente por ser da carreira da Polícia Federal, tem a plena ciência de que quaisquer requerimentos entre instituições, inclusive autoridade policial, deve tramitar através dos sistemas oficiais, em observância aos princípios da Administração Pública.