Interceptação telefônica feita pela PF apontou que Bolsonaro usou informações privilegiadas para atrapalhar as investigações e proteger o ex-ministro Milton Ribeiro
A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, manifestou-se na segunda-feira (29) contra um pedido apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para que Jair Bolsonaro fosse investigado por nova interferência na Polícia Federal no caso envolvendo o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro.
Segundo Lindôra, os fatos citados pelo parlamentar já “estão contemplados” em outro inquérito em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), que está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
Esse inquérito, porém, está em segredo de Justiça, portanto, não disponível para consulta pública.
Para Lindôra, abrir outra apuração violaria o princípio que veta a duplicidade de procedimentos e sanções. “Nessa senda, considerando que os fatos ora representados já estão, em tese, abrangidos por inquérito policial que foi declinado ao Supremo Tribunal Federal por suposto envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, não se justifica, a princípio, deflagrar mais um procedimento investigativo com idêntico escopo, sob pena de se incorrer em litispendência e violação ao princípio do ‘ne bis in idem’”, escreveu a vice procuradora.
ENTENDA O CASO
No pedido, o senador Randolfe Rodrigues relatou interferência de Bolsonaro na operação que prendeu o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro.
Ribeiro disse em 9 de junho, durante conversa telefônica com a filha, que Bolsonaro teve “pressentimento” sobre a realização de operações de busca e apreensão da PF envolvendo supostas irregularidades na distribuição de recursos do FNDE.
“Hoje, o presidente me ligou. Ele está com um pressentimento novamente de que podem querer atingi-lo através de mim, sabe?”, disse, na ocasião, Ribeiro. Em seguida, o ex-ministro afirma: “Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão em casa, sabe? Bom, isso pode acontecer, se houver indícios, mas não há porquê”, disse o ex-ministro.
A interferência do mandatário é apurada em inquérito que está no STF sob a relatoria da ministra Cármen Lúcia. A magistrada enviou o caso para análise da PGR em 6 de julho.
O juiz Renato Borelli, responsável pelo caso, no fim de junho, determinou que o caso fosse enviado ao STF após a investigação apontar interferência Jair Bolsonaro na operação da Polícia Federal que prendeu o ex-ministro.
O juiz escreveu haver “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.
Mas Lindôra, braço direito de Augusto Aras na PGR, não viu necessidade de apurar o caso. “Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer seja negado seguimento ao último pedido incidental deduzido nos autos pelo Senador da República Randolph Frederich Rodrigues Alves, com o consequente desentranhamento deste inquérito, sob os fundamentos de falta de legitimidade ad causam e pelos fatos representados já serem objeto do anterior Inquérito nº 4.896/DF”, disse Lindôra.
ENGAVETADOR
Não há nada de compreensível nessa postura da PGR (Procuradoria-Geral da República), sob a gestão Augusto Aras, que se manifestou contra pedido para que Jair Bolsonaro (PL) seja investigado por interferência na Polícia Federal, no âmbito das apurações do escândalo no MEC (Ministério da Educação), que envolvem pastores evangélicos e vultosos recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
A não ser a conivência com os crimes do Planalto e o comportamento de passar o pano para o atual chefe do Executivo. Não é a primeira vez que a PGR tenta blindar Bolsonaro ante denúncias.
A PGR pediu para arquivar e não ofereceu nenhuma denúncia diante dos crimes do atual ocupante do Planalto apontados pela CPI da Covid-19. Segundo relatório da CPI, Bolsonaro foi indiciado em 9 crimes: prevaricação; charlatanismo; epidemia com resultado morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
O PGR, com essa postura, certamente vai entrar para a história como entrou Geraldo Brindeiro, PGR de Fernando Henrique Cardoso, que ficou conhecido com a alcunha jocosa de “engavetador-geral da República”.
Em junho, o ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro, e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, próximos a Bolsonaro, foram presos pela PF sob acusações de que teriam participado de esquema de corrupção no MEC, com recursos do FNDE para prefeituras.
De acordo com as denúncias, Ribeiro seria o responsável por articular, com os pastores evangélicos, a liberação de recursos da pasta, por meio do FNDE, às prefeituras de todo o país, com o pagamento de propina.
DECISÃO DO TRF-1
O ministro, no entanto, foi liberado da prisão 1 dia depois, por meio de decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Os pastores também foram soltos.
À época, interceptação telefônica feita pela PF dias antes da prisão, apontou que Bolsonaro usou informações privilegiadas para atrapalhar as investigações.
Como relatado pela imprensa, o mandatário teria avisado ao ex-ministro Milton Ribeiro que ele poderia ser alvo de busca e apreensão, como de fato foi.