Em artigo intitulado “O sequestro das verbas da Ciência”, do qual é coautora, a pesquisadora e pós-doutoranda da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Mariana Moura considera que a Medida Provisória (MP) de Jair Bolsonaro que limitou o uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), é “flagrantemente ilegal”.
“Afronta a Lei Complementar 177, de 12 de janeiro de 2021, que, em seu Art. 11, proíbe a imposição de quaisquer limites à execução da programação financeira relativa às fontes vinculadas ao FNDCT, exceto quando houver frustração na arrecadação das receitas correspondentes”, diz.
A MP do governo anticiência, que traz novas regras para a aplicação dos recursos do FNDCT, foi publicada em edição extra do “Diário Oficial da União” (DOU) na segunda-feira (29). As medidas provisórias têm força de lei assim que publicadas. No entanto, precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional para se tornarem leis em definitivo.
“Em um momento em que a Ciência brasileira passa por uma de suas maiores crises, com cortes bilionários nos recursos para pesquisa, esta MP reduz de R$ 9 bilhões para R$ 5,5 bilhões o limite do empenho para 2022”, critica Mariana, que também é doutora e mestre em Energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da USP.
“Gostaríamos de lembrar que a arrecadação do Fundo em 2021 foi de R$ 10,3 bilhões e, para este ano, com o aumento do faturamento das principais fontes de financiamento do fundo (combustíveis e energia elétrica) a previsão mais realista é que a arrecadação seja ainda maior”, explica.
O FNDCT é um fundo administrado por um conselho vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Criado em 1969, o fundo tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico, com o propósito de promover o desenvolvimento econômico e social do país.
“Nos últimos onze anos (2010-2021), quase trinta e cinco bilhões de reais (R$ 34.887.579.013,69) dos sessenta e quatro bilhões (R$ 64.642.196.803,08) arrecadados pelas fontes financiadoras do FNDCT deixaram de ser destinadas às políticas de Ciência e Tecnologia no Brasil, em termos nominais”, aponta.
Mariana questiona o destino dos recursos retirados da ciência. “A comunidade científica brasileira lutou muito para que esses recursos sejam integralmente aplicados em C&T. A questão que se impõe diante deste fato é: para onde está indo esse recurso que deveria ter sido dirigido, por lei, para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil?”, pergunta.
A pesquisadora destaca que O FNDCT é a segunda maior fonte de financiamento da ciência no Brasil, com um orçamento liquidado de R$ 1,4 bilhão em 2021, ficando atrás apenas da CAPES, com R$ 3,3 bilhões aplicados em 2021; em terceiro o CNPq, com R$ 1,1 bilhão.
“Mas estes valores já são o resultado de uma queda substancial no orçamento destas instituições. A CAPES sofreu uma redução de 24,26% no orçamento liquidado entre 2018 e 2021, e o do CNPq uma queda de 28,27%”, critica.
“Isso significa que tivemos menos R$ 1,2 bilhão para aplicação em pesquisas neste período somente nestas duas agências. O repasse integral do FNDCT é imprescindível para alcançarmos um financiamento sustentado da ciência brasileira”, defende Mariana Moura.
ILEGALIDADE
Lei aprovada em 2021 pelo Congresso Nacional vetava o contingenciamento de recursos das fontes vinculadas ao fundo. A MP 1.136/2022 retira da lei essa proibição e estabelece limites para a aplicação desses recursos em despesas.
O Ministério da Economia alega que “o regramento não trata dos repasses ao Fundo, mas das suas aplicações”. Ou seja, de acordo com Paulo Guedes (titular da pasta), a limitação restringe o uso dos recursos pelo FNDCT, mas não afeta o orçamento do fundo.
Por isso, o ministério argumenta que a medida não se assemelha ao contingenciamento, o qual consiste no bloqueio da execução de parte do orçamento devido a previsão de não ter receita suficiente por conta do teto de gastos.
Entidades representativas da ciência e tecnologia brasileiras emitiram uma nota repudiando a decisão. Segundo a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.Br), grupo que reúne oito grandes entidades científicas brasileiras, a MP é classificada como uma “manobra para retirar recursos do financiamento à Ciência brasileira”, considerando que a medida é uma “afronta” ao Congresso.
Em julho, os congressistas rejeitaram o trecho de um projeto que permitiria o bloqueio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em 2022.
“Para agravar a situação, a MP ainda impõe um escalonamento até 2027 dos percentuais do Orçamento que serão liberados para o FNDCT. Na prática, todas as ações e programas que não forem honrados no exercício de 2022, serão transferidos para o ano de 2023, comprometendo, assim, o orçamento liberado deste ano, e assim por diante, até 2027”, diz o texto.
“Essa Medida Provisória afronta o Congresso Nacional que, em 2021, foi altivo e demonstrou seu respeito à Ciência brasileira, aprovando a Lei Complementar nº 177, derrubou o veto presidencial e manteve a obrigatoriedade do Governo Federal em executar todo o orçamento do FNDCT”, pontua o texto.