Participantes da IV Conferência Internacional de Direito Ambiental, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil do Espírito Santo (OAB-ES), entre os dias 6 e 8 de junho, em Vitória, condenaram os crimes cometidos pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, após o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG).
A cobertura do evento foi realizada pelo portal Século Diário.
“Não foi acidente, foi crime!”, destacou o procurador da República em Minas Gerais (MPF-MG) Helder Magno da Silva, que foi aplaudido pelos palestrantes e ouvintes do painel dedicado a discutir as implicações legais do rompimento da barragem, em novembro de 2015. A lama de rejeitos da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, tomou conta de Bento Rodrigues, matando 19 pessoas e sufocando a Bacia do Rio Doce, em Minas, até sua foz, no Espírito Santo.
“Vocês já viram os textos dos acordos do PIM [Programa de Indenização Mediada, da Fundação Renova]?”, perguntou Helder. “Eles dizem que a Fundação Renova não reconhece a responsabilidade pelos danos causados! As indenizações são o quê, então? Caridade?”, ironizou, conclamando a entidade anfitriã do evento a se posicionar: “OAB: pelo amor de Deus, questione isso!”.
Um inquérito da Polícia Federal finalizado em 2016, concluiu que a direção da Samarco sabia dos riscos de rompimento da barragem pelo menos três anos antes do ocorrido. Segundo a PF, acionistas da Samarco cogitaram em 2012 remover a população do distrito de Bento Rodrigues. Na obra as irregularidades já começam na construção da barragem, que foi feita com materiais diferentes do projeto inicial, e vão até seu rompimento.
PARÂMETROS
A procuradora de Vitória e professora de Direito Ambiental da FDV, Flavia Marchezini, enfatizou a dimensão gigantesca dos danos, ao mencionar os parâmetros utilizados para classificar os riscos ambientais de uma atividade, como baixo, médio, alto, altíssimo ou catastrófico, informando que catastrófico se aplica quando os danos atingem áreas acima de 10 km. “Foram atingidos 650 km!”, exclama, citando apenas a extensão ao longo do Rio Doce, excluindo-se o oceano Atlântico.
Esse é um dos casos, argumentou, em que “a probabilidade tem menos importância, quando as consequências podem ser catastróficas”, acrescentando que a classificação dada à barragem de Fundão, na época do rompimento, era de “segura”.
Para ela, “uma das causas desse desastre foi a corrupção, a relação promíscua entre as empresas e o Poder Público”. “A fiscalização das barragens não é feita pelo órgão ambiental, é feita pela própria mineradora. […] Porque ninguém é obrigado a acusar a si mesmo, é um princípio até de Direito Penal, não funciona em lugar nenhum. E até agora isso não foi corrigido no Congresso Nacional. Então fica uma imprecisão, e todo mundo lava as mãos, ninguém quer ficar responsável”, critica.
LICENCIAMENTO
Gabriel Vicente Riva, membro do Fórum Capixaba do Rio Doce, que reúne dezenas de entidades da sociedade civil e representantes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), também criticou a forma de licenciamento ambiental. Ele citou o recente licenciamento de uma barragem da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro/MG, “mais alta que Fundão e em um afluente do Rio Doce”, onde foi suficiente a entrega do EIA [Estudo de Impacto Ambiental] ao órgão licenciador para a construção da barragem.
“É muito complicado contrariar quem nos remunera. A gente sempre reza conforme a cartilha de quem paga”, disse Flavia, sugerindo uma mudança na forma de contratação dessas consultorias. Ela diz que hoje não se pode ir contra quem as contrata (segundo a Lei das Sociedades Anônimas), e devem também “adequar” os interesses de suas contratantes aos interesses públicos.
Gabriel ainda expôs sua vida em Linhares/ES, município onde fica a Foz do Rio Doce, a 650 km do rompimento da barragem. “E ouço muito: ‘eu não dou água do filtro pro meu filho’” ou “Meu cabelo começou a cair de dois anos e meio pra cá. Isso é consequência da contaminação da água do Rio Doce? Eu não sei. Mas se daqui a quinze anos se descobrir que sim, eu posso entrar com uma ação indenizatória?”, ilustra. A falta de apoio à população atingida e de ações efetivas das mineradoras para resolver o enorme problema é mais do que notável.
Gabriel também mencionou as denúncias de extorsão feita por advogados que assediam os atingidos na Foz do Rio Doce e pediu que a entidade tome alguma atitude. “Eles cobram, extorquem e somem. Nós não somos eles, mas se eles estão fazendo isso lá e nós não fazemos nada para impedir”.