Segundo MP, ex-secretário da Polícia Civil da gestão Claudio Castro, preso na semana passada, tinha uma relação “próxima e de respeito” com o miliciano Ronnie Lessa, assassino da vereadora Marielle Franco
Preso na última sexta-feira (9), o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Allan Turnowski, tinha diversas ligações com o crime organizado, com associação criminosa, jogo do bicho, entre outras coisas. Investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) contra Turnowski encontraram indícios de que ele atuaria como agente duplo na guerra entre organizações criminosas. Allan é atualmente candidato a deputado federal pelo PL, mesmo partido de Jair Bolsonaro.
Segundo essa primeira denúncia apresentada à Justiça, Turnowski beneficiava o grupo chefiado pelo bicheiro Fernando Iggnácio, assassinado em novembro de 2020, e prejudicava a quadrilha de Rogério de Andrade.
Em uma das ações do ex-chefe da Polícia Civil do RJ está o pedido de transferência do traficante Celso Luís Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém, em setembro de 2017 para um presídio federal.
Os promotores afirmam que, na época, pessoas ligadas a Celsinho estariam desligando máquinas caça-níqueis que seriam de Fernando Iggnácio, na Rocinha, na Zona Sul. Em retaliação, o delegado Maurício Demétrio, aliado de Allan Turnowski, segundo o MP, fala com um homem de confiança de Iggnácio sobre um plano para forjar provas e forçar a transferência do traficante.
“Te mandei aí a foto, né? Não tem nada que ligue ao cara, vai ser montado o negócio. Se der, ok. E aí é preventiva, e mandar pra Catanduvas (presídio). Acho que ajuda pra caramba, cara”, teria dito Demétrio.
Presos em operações distintas, os delegados Maurício Demétrio e Allan Turnowski tinham uma relação muito próxima, segundo o Ministério Público. Em uma das conversas interceptadas, Demétrio chega a citar Turnowski como intermediário em um plano para matar o bicheiro Rogério Andrade, por R$ 3 milhões.
Em outro diálogo, Maurício pede para o delegado Antônio Ricardo, ex-diretor da Divisão de Homicídios e então titular da Delegacia da Rocinha, “meter algo no Celsinho”.
Segundo a denúncia, Demétrio acertou uma propina de R$ 150 mil para Antonio Ricardo pela produção de um relatório indicando a necessidade da transferência.
O delegado Antônio Ricardo também foi alvo da operação de sexta, com um mandado de busca e apreensão.
A denúncia do MP também aponta que Maurício Demétrio vazava informações para Marcelo José de Araújo Oliveira, homem de confiança do bicheiro Fernando Iggnácio.
RONNIE LESSA
Segundo o Ministério Público, por conta da ligação próxima de Turnowski com Demétrio, os dois usavam a estrutura da polícia para armar falsas operações. Eles se chamavam um ao outro de “guru” nas trocas de mensagens recuperadas em um dos 12 celulares de Demétrio. “Nós somos um CNPJ, um CPF só! Irmãos de embrião”, disse Turnowski para Demétrio em uma das mensagens.
Ao todo, o aparelho tinha 23.133 mensagens de texto ou áudio. Segundo o MP, a partir desses arquivos é possível entender a ligação de Demétrio e Turnowski com o jogo do bicho. Dentre essas mensagens, haviam comentários sobre o assassinato de Marielle Franco também foram encontrados nas mensagens trocadas pelos dois delegados. Demétrio escreveu: “Gente, o enterro da vereadora será no Caju. Mas a comemoração alguém sabe onde será?”.
Allan Turnowski tinha uma relação “próxima e de respeito” com o ex-policial militar Ronnie Lessa, segundo o Ministério Público do Rio.
Lessa, acusado de matar Marielle Franco, era o informante de Turnowski, que pegava informações sobre Rogério de Andrade e repassava para o clã de Iggnácio.
“Allan Turnowski atuava de forma velada e dissimulada. Ele obtinha informações junto aos asseclas de Rogério de Andrade, como Jorge Luiz Fernandes (“Jorginho”) e Ronnie Lessa, e as repassava para Fernando Iggnácio, por meio de Maurício Demétrio e Marcelo e, com base nas informações obtidas, deliberaram estratégias para enfraquecer o grupo rival”, mostram as investigações do MP do Rio.
Dados da quebra de sigilo de Demétrio mostram a relação de Lessa com Turnowski. O delegado diz que o ex-chefe de Polícia Civil, apelidado por ele de “Amigo de Israel”, “respeita pra caramba” o assassino de Marielle.
“O Lessa tem muita moral lá com eles [clã de Rogério de Andrade], cara. Muita! Inclusive aquele amigo de Israel respeita o cara, tá? Respeita o cara pra caramba! É deles. O Lessa é deles!”, diz em áudio para outro delegado envolvido no esquema, Marcelo Machado.
ADRIANO DA NÓBREGA
No mesmo inquérito do MP, mensagens em áudio de 2016 também ligaram o alerta dos investigadores. Em algumas conversas, Demétrio manda recados para o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, tido como um dos chefes da milícia de Rio das Pedras.
Enquanto estava apurando um crime, Demétrio fala para Marcelo e diz que Adriano, que ele chama de ‘o amigo da montanha’, está sendo investigado. “Mas e aí? e o Amigo da Montanha? Vai fazer nada não? Vai ficar quietinho?”, diz Demétrio.
“Cara, se ele não sabia, manda ele se ligar, que o nome dele tá rolando direto aí, compadre! Hehehe”, ri o delegado ao alertar sobre a investigação que cita o miliciano.
Em outro áudio, o delegado dá a entender que pode ajudar Adriano da Nóbrega. “Mas, e aí? O que que tu acha? O amigo da montanha quer que abane alguma coisa ali? Dá pra abanar, cara. Quer o quê? Ou é melhor não se meter em (…) nenhuma?”, questiona Demétrio. Segundo o MP, Demétrio vazava informações porque o miliciano pagava propina.
O ex-militar Adriano da Nóbrega é apontado pelo Gaeco como chefe do ‘’Escritório do Crime’, uma milícia de pistoleiros e matadores de aluguel, criada em 2009. O miliciano foi morto em fevereiro de 2020, na Bahia, numa suposta troca de tiros com policiais baianos.
ATINGIR ADVERSÁRIOS POLÍTICOS
Turnowski também está sendo investigado por, supostamente, ter planejado prejudicar adversários políticos usando informações privilegiadas.
Segundo a denúncia apresentada à Justiça, em 2021 o ex-chefe da Polícia Civil do RJ planejou instaurar uma investigação sem justificativa que pudesse prejudicar uma eventual candidatura de Eduardo Paes ao Governo do Estado.
Ainda de acordo com o MP, o plano contava com a participação do delegado Maurício Demétrio, preso em 2021. A denúncia indica que a dupla conversava sobre um inquérito que poderia atingir o prefeito do Rio e o ex-presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, ambos adversários políticos de Turnowski.
Os investigadores localizaram mensagens trocadas entre os dois delegados. Na conversa, Demétrio encaminha para o colega uma matéria do Jornal O Globo indicando as possíveis candidaturas de Paes e Santa Cruz. Em seguida, Turnowski responde que os dois perderiam as eleições e ele e Demétrio só deveriam manter o trabalho.
Ainda segundo o documento, Demétrio cita o inquérito na 5ª DP que poderia atingir os candidatos. Turnowski responde que eles deveriam aguardar o inquérito avançar, mas que iria olhar. Em seguida, Demétrio sugere a Delegacia do Consumidor, chefiada por ele.
“A conversa indica que após Maurício encaminhar uma matéria indicando a possível candidatura dos citados, Allan responde que eles perderiam as eleições e que, para isso, “é só mantermos nosso trabalho””, destaca a denúncia do MP.
Além de tentar manipular o trabalho da Polícia Civil do Rio de Janeiro para alcançar seus objetivos pessoais, Demétrio também é investigado por tentar forjar um crime para prender Eduardo Paes. Segundo o MP, o caso ocorreu em novembro de 2020, às vésperas do segundo turno da eleição para a Prefeitura do Rio.
MÁFIA
Ao saber do conteúdo da denúncia do MP que cita um possível esquema ilegal para prejudicar sua vida política, o prefeito Eduardo Paes analisou que os ataques não são casos isolados. Segundo ele, existe um esquema mafioso que conta com a ajuda do Estado.
“Esse mesmo esquema mafioso com ajuda do estado, com agentes do estado, tentou forjar um flagrante contra mim. Inventaram um crime. E depois em 2021, eu já prefeito, também olhando pro processo eleitoral de 2022 ele já tenta a mesma coisa. São fatos que são o estado sendo utilizado, a máquina do estado, para prejudicar politicamente o adversário. Isso é autoritarismo. Isso é máfia. Isso é atentar contra a democracia e isso é inaceitável”, comentou Eduardo Paes.
Na opinião do prefeito do Rio, o governador Cláudio Castro deveria agir contra essa prática.
“Não é possível que o governador Cláudio Castro participou de todos esses episódios, não tenha nada a fazer. Não tô me referindo tão somente a declarações de que não tinha nenhum envolvimento. São agentes públicos do estado do RJ agindo para prejudicar politicamente um político do nosso estado. Isso é inaceitável”, completou Paes.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidiu manter a prisão de Allan Turnowski. A decisão ocorreu durante a audiência de custódia, em Benfica, na Zona Norte. Em seguida, o ex-chefe da Polícia Civil foi conduzido para o Presídio Constantino Cokotos, em Niterói.