Lançado nesta semana, “O Negócio do Jair – A História Proibida do Clã Bolsonaro”, de Juliana Dal Piva, apresenta os esquemas de corrupção da família do presidente da República
“Desde a eleição, eu estava atrás de quem tivesse conhecido Jair Bolsonaro ao longo da vida. No início queria compreender melhor a história dele, mas aos poucos vi que ele escondia muito sobre quem de fato era, o que realmente pensava e como agia”, explica a jornalista Juliana Dal Piva, autora do livro “O Negócio do Jair – A História Proibida do Clã Bolsonaro”.
A obra, lançada na última segunda-feira (12) pela Editora Zahar, é resultado de quase quatro anos de pesquisa, quando Dal Piva, agora no portal Uol Notícias, atuava no jornal O Globo. Os depoimentos ouvidos pela repórter foram alvos de checagem, comprovando a veracidade dos fatos relatados.
Além das entrevistas, a jornalista percorreu cidades, visitou cartórios de registros de imóveis, teve acesso a documentos, conversou com várias pessoas, para documentar o seu trabalho.
“Procurei mais de cinquenta pessoas. A partir de 2018, porém, eram poucas as que aceitavam conversar, e com frequência manifestavam medo”, prossegue a jornalista.
No livro-reportagem Juliana revela detalhes da “Rachadinha”, como é chamada a prática que permeia a vida política da família Bolsonaro, a começar pelo próprio presidente, e que pode esclarecer a origem dos recursos para a compra de 51 imóveis pagos em dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro.
A rachadinha é a contratação de funcionários fantasmas por gabinetes de parlamentares que ao receberem seus salários devolvem – até 90% em alguns casos – dos valores recebidos ao parlamentar que o “contratou”.
“Podemos conversar sobre a situação, mas ainda não sei o que pode acontecer comigo após serem publicadas minhas opiniões. Temo perder meu emprego. Ao mesmo tempo, gostaria de contribuir de alguma forma para desmitificar o ‘mito’ […]. Foram anos de convivência com ele e presenciei muita coisa (ruim)”.
A declaração é a resposta a uma solicitação de entrevista solicitada por Dal Piva a uma pessoa que concordou em conversar com ela sob a condição de anonimato e a quem a jornalista chamou de “Madalena”, em alusão à personagem bíblica do Novo Testamento Maria Madalena.
“Ela foi a primeira de outras fontes que presenciaram os bastidores dos gabinetes e a intimidade da família Bolsonaro muito antes de eles conquistarem os postos mais altos da República”, diz o livro.
Essa fonte foi responsável por fazer com que Juliana ampliasse o foco da investigação, que antes estava centrando apenas no ex-policial militar Fabrício Queiroz, apontado como o operador da Rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente, quando ele era deputado estadual na Alerj.
“Jair Bolsonaro envolveu toda a família nessa história. Tudo passava por ele. Tenho nomes pra passar…”
“Jair Bolsonaro envolveu toda a família nessa história. Tudo passava por ele. Tenho nomes pra passar…”, diz “Madalena”. A partir disso, as investigações tomam outro rumo e Dal Piva passa a mirar em Anna Cristina Valle, segunda mulher de Bolsonaro e mãe do 04, Jair Renan.
Desde que foi viver ao lado de Bolsonaro, em 1998, Ana Cristina passou a comandar os negócios. Inicialmente, sua irmã Andrea Siqueira Valle, e logo depois o pai, José Procópio da Silva Valle, foram nomeados assessores no gabinete de Bolsonaro quando ele era deputado federal.
Depois o irmão de Ana Cristina, André Luiz Procópio Siqueira Valle, também foi nomeado para cargo comissionado. Ao longo dos anos, 15 familiares de Ana Cristina se revezavam como assessores, ora no gabinete de Jair Bolsonaro, ora no de Carlos Bolsonaro, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, ou na Alerj, “assessorando” Flávio, o 01. O esquema durou até 2018.
“Madalena pediu off de toda a conversa, mas era possível checar boa parte dos dados por meio de documentos públicos a partir dos nomes completos que ela me forneceu”, explica a jornalista.
NEGÓCIO DO JAIR
Quem estava em volta de Bolsonaro, necessariamente se envolvia nas trapaças. “Todas as pessoas mais próximas de Jair Bolsonaro estavam de um jeito ou de outro associadas a um esquema que tinha até nome próprio”, denuncia Juliana.
Por muitos anos, quem emprestava o nome e o número do documento para figurar como assessor parlamentar de algum Bolsonaro aderia automaticamente ao sistema que os participantes chamavam de o “Negócio do Jair”, diz trecho do livro.
“Funcionava como uma espécie de corporação e permitiu ao clã forjar um estilo de vida e uma imagem pública que levariam Jair ao cargo mais alto da República”, explica.
Uma série de reportagens da ‘Folha de São Paulo’ revela como Bolsonaro e os três filhos mais velhos alavancaram um patrimônio, até 2018, de R$ 15 milhões com a política.
FREDERICK WASSEF
Em outro trecho do livro, a jornalista cita um encontro entre o advogado Frederick Wassef, figura muito presente nos relatos, e de presença constante no Planalto, com muita influência sobre Jair, e o então desembargador Kássio Nunes Marques, que viria a ser nomeador por Bolsonaro como ministro do STF, além de outras duas pessoas.
O encontro ocorreu no shopping center ‘VillageMall’, espaço badalado na Barra da Tijuca, e os presentes, aparentemente não se importaram em ser vistos, já que se acomodaram a uma mesa externa, junto aos corredores do shopping.
“Ao longo do jantar, Wassef apresentou Nunes Marques como futuro ministro do (Superior Tribunal de Justiça) e relatou detalhes do caso de Flávio, além de suas estratégias jurídicas. Wassef ainda disse a Nunes Marques que gostaria de levá-lo à casa de Jair Bolsonaro”, cita o livro.
Frederick Wassef havia assumido a defesa de Flávio no caso do Coaf, envolvendo a prática da Rachadinha.
“Depois, o advogado teve que voltar sua atenção às precauções que deveriam envolver Queiroz, seu novo protegido. Ou cativo. Poucos além dele sabiam onde o policial estava”, relata Juliana. “Na linha de defesa traçada por Wassef, o policial precisava se manter fora de circulação. Desaparecer”, explica.
O advogado manteve escondido em sua casa, em um sítio em Atibaia (SP) Fabrício Queiroz, para impedir seu depoimento à Polícia Federal no caso do esquema de Rachadinha. Com o fim da relação entre Ana Cristina e Bolsonaro em 2008, o ex-policial assumiu o esquema de confisco de dinheiro dos funcionários fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro.
AMEAÇAS
Assim como Jair Bolsonaro, Wassef também é um tipo “valentão” quando se trata de mulheres. Dal Piva foi ameaçada por ele quando trabalhava para O Globo, no Rio.
“Você aí dentro desse imenso prédio azul do Globo acha que é a todo-poderosa Juliana Dal Piva, mas quando você sai na rua você é só mais uma que pode tomar um tiro no meio da cara porque a violência do Rio de Janeiro é muito grave e o presidente está trabalhando para melhorar tudo isso e vocês da imprensa ficam perseguindo ele”.
O indivíduo estava incomodado por conta das investigações que Juliana vinha realizando. O comportamento foi relatado à chefia da jornalista, que a instruiu a redobrar os cuidados na comunicação com Wassef. A cautela se mostraria necessária, segundo Juliana, pois outros episódios envolvendo jornalistas mulheres iriam se repetir.
“Passaram-se alguns dias, e em outubro Wassef chegou de carro ao hall anexo do STF. Ele tinha concedido uma entrevista para a repórter Luísa Martins, do Valor Econômico, na qual tecia um cenário favorável para a defesa de Flávio no julgamento do STF. Chegou a dizer que ‘na prática, temos quatro ministros, isto é, quase metade da Corte’”, conta Dal Piva.
“Alguns conselheiros do senador avaliaram que Wassef havia falado demais e que a situação gerava constrangimento ao STF. Ao ver as declarações publicadas, Wassef enfureceu-se contra Luísa e achou que podia intimidá-la. Ao encontrá-la no Supremo, passou a coagi-la a entrar no carro dele para reclamar da matéria”.
“O clã Bolsonaro, Jair e os três filhos mais velhos, usou seus mandatos em três Casas Legislativas do Brasil para nomear 286 pessoas que constaram como seus assessores. Desse total, 102 tinham algum laço familiar entre si e pertenciam a 32 familiares diferentes”, cita a obra.
“Pessoas da família do presidente, seus sogros de dois casamentos, duas de suas mulheres e vários policiais de sua confiança e suas famílias, todos envoltos em uma teia de suspeição sobre como e para que eram realmente usados os gabinetes da família Bolsonaro”, aponta a jornalista.
As nomeações seguiam um padrão: primeiro vinha a prática de nepotismo (contratação de familiares e parentes para cargos públicos). “Nomeavam-se familiares, até por intimidade. Depois, amigos próximos e seus respectivos parentes, também por confiança”.
QUEIROZ
O livro também perpassa pelo período em que Queiroz e Bolsonaro se conheceram no 8º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista do Exército, na Vila Militar do Exército, no Rio de Janeiro, quando o capitão chefiava o grupo havia um ano.
Foi do grupo de Paraquedistas do Exército que foram recrutados elementos que atuaram como torturadores durante a ditadura militar. Suspeita-se inclusive, que dentre esse grupo, estariam os responsáveis pela morte do deputado Rubens Paiva durante o regime.
Juliana também aborda atuação de Fabrício Queiroz como policial militar, quando havia se desligado do Exército e ingressara nos quadros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. De acordo com documentos, depoimentos de presos, de testemunhas, o braço-direito da família Bolsonaro agia de forma violenta durante as diligências.
Queiroz forjava provas e flagrantes, sendo autor de várias execuções. Seu histórico junto a corporação era negativo e ele era tido como um agente violento, com punições por indisciplina, o que fez recorrer ao antigo amigo dos treinos de paraquedismo. Foi assim que o ex-PM ingressou no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do RJ.
“[…] O presidente já expressou algumas vezes a preocupação com o que pode lhe acontecer depois do fim do mandato caso não seja reeleito. Tanto que tenta se cercar de todas as maneiras, proibindo acesso até a informações básicas da transparência […]”, diz Juliana.
SIGILO
“Dados que eram públicos em governos anteriores agora possuem cem anos de sigilo. Jair Bolsonaro e seus filhos temem que as pessoas conheçam quem eles realmente são, sua vida e seus empreendimentos secretos”.
“Mas a história proibida da família Bolsonaro não será apagada. Mesmo depois de quatro anos investigando a história do ‘Negócio do Jair’, sei que ainda há muito para ser revelado. O passado assombra o futuro do presidente e do clã Bolsonaro”, finaliza Juliana Dal Piva.
JOSI SOUSA
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