Flávio Bolsonaro conseguiu que um desembargador censurasse reportagens do site UOL sobre a compra de 51 imóveis pela família Bolsonaro com dinheiro vivo. Ao invés de explicar a origem do dinheiro, eles resolveram esconder
O desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, determinou que sejam retiradas do ar matérias do site de notícias UOL sobre a compra de imóveis em dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro. A censura, obtida a pedido de Flávio Bolsonaro, só reforça que a família tem mesmo muita coisa a esconder da opinião pública.
O próprio Flávio é acusado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) de ter desviado R$ 6 milhões da Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), através de um esquema criminoso de contratação de funcionários fantasmas que, além de não trabalharem, devolviam total ou parcialmente seus salários para o então deputado estadual. O esquema era operado por Fabrício Queiroz que distribuía os recursos ao deputado e aos demais membros da família.
Na época, os investigadores descobriram, inclusive, que o faz-tudo da família e comparsa de longo tempo de Jair Bolsonaro, Fabrício Queiroz, depositou 42 cheques, no valor total de 89 mil reais, na conta de Michelle Bolsonaro, atual primeira-dama do país. Até hoje a explicação de que teria sido um empréstimo pessoal de Bolsonaro a ele não colou. Assim como a história de Queiroz de que a movimentação milionária descoberta pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em sua conta tinha origem em “rolos com carros usados”.
O ROUBO ERA SIGILOSO
O argumento do desembargador do TJ-DF para censurar as referidas reportagens diz que elas citam informações sigilosas contidas em inquérito policial que já havia sido anulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não há nada mais público no país do que as maracutaias de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz na operação conhecida como “rachadinha” na Alerj. Principalmente depois que ele comprou uma mansão de luxo avaliada em R$ 6 milhões em área nobre de Brasília com um salário de senador.
A primeira reportagem censurada, de 30 de agosto, revelou que desde que Bolsonaro entrou para a política, sua família adquiriu 107 imóveis, entre casas, apartamentos, escritórios e até mansões de luxo, dos quais 51 deles foram pagos total ou parcialmente em dinheiro vivo. Nesta primeira reportagem do UOL o cálculo é de que foram usados R$ 25,6 milhões em dinheiro vivo, em valores atualizados. Depois o site recalculou para R$ 11 milhões. De qualquer forma, um valor muito alto para uma família de classe média baixa com salários de deputados e vereador.
CONTADA E CONFERIDA
Bolsonaro contra-argumentou, numa entrevista à Band, dizendo que a reportagem havia confundido o termo “moeda corrente” com “dinheiro vivo”. Porém, em outra reportagem, de 9 de setembro, a repórter responsável pela matéria dá detalhes das escrituras dos imóveis e desmente Bolsonaro. Aqui são detalhadas as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.
Nesta segunda reportagem há a comprovação de que as compras eram em dinheiro vivo e também em outras formas de pagamento. Havia várias escrituras com diversas formas de pagamento. Onde aparecia descrito pagamento “em moeda corrente contada e conferida” não havia dúvida que era em dinheiro vivo. Não se conta outra coisa a não ser dinheiro vivo.
Agora, mais recentemente, veio a público outro escândalo que reforça o uso de dinheiro de origem obscura na compra de imóveis pela família Bolsonaro. Ana Cristina Valle, ex-mulher de Jair Bolsonaro e mãe de Jair Renan, filho mais novo do casal, uma advogada que recebe um salário de R$ 8.100 na Câmara dos Deputados, comprou uma mansão também em Brasília, avaliada em R$ 3,1 milhões. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal, que investigava Jair Renan, descobriu que Ana Cristina movimentou R$ 9,3 milhões entre 2019 e 2021.
Uma outra denúncia que complica a família Bolsonaro na questão do dinheiro vivo é a de um ex-funcionário do casal Jair e Ana Cristina, Marcelo Nogueira. Em entrevista no início de setembro, ele afirmou que a advogada confidenciou a ele [Marcelo] que a primeira mansão onde o casal viveu, na Barra da Tijuca (RJ), entre 2002 e 2007, foi paga com “dinheiro por fora”.
“SEMPRE TEM DINHEIRO POR FORA, NÉ?”
Marcelo relatou que começou a trabalhar para Cristina e Bolsonaro na campanha de Flávio Bolsonaro para deputado estadual, em 2002, e depois foi convidado a permanecer trabalhando na nova mansão que o casal havia comprado. Ele era lotado no gabinete de Flávio, mas trabalhava na mansão. O imóvel que fica na rua Maurice Assuf, na zona oeste do Rio, foi comprado em 22 de novembro de 2002.
Ele contou que, ao limpar o escritório e organizar alguns papéis, viu a escritura da casa, por ocasião da mudança, e comentou com Cristina que se surpreendeu com o valor, dadas as características do imóvel. Marcelo afirma que então Cristina disse a ele: “É que sempre tem um por fora, né?”. “Quando ela comprou aquela casa da Barra, na época, por R$ 500 mil, na documentação. Só que foi mais. Que foi dado em dinheiro vivo, por trás”, contou o ex-funcionário.
Marcelo Nogueira fazia parte do núcleo de assessores de gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual, atuando como assessor entre 2003 e 2007. Era nesse gabinete que funcionava o esquema de rachadinha, com funcionários fantasmas que devolviam parte do salário por fora para om deputado. Apesar de estar lotado no gabinete, o trabalho de Marcelo sempre foi gerenciar a mansão onde Ana Cristina vivia e cuidar do filho dela com Jair Bolsonaro, Jair Renan Bolsonaro.