“Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, afirma o economista e professor da UnB
O economista José Luis Oreiro afirmou que uma eventual continuidade do governo Bolsonaro seria “um desastre” para o país. “Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos”, disse em entrevista ao HP.
“Quando a gente olha o conjunto da obra, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio”, avalia o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).
O economista também ressalta que “a indústria de transformação está com percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria”, destacou. “O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria”. “Nós temos um Presidente da República que não se importa com a Educação, que não se importa com a Ciência e Tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Se Bolsonaro for reeleito, é a destruição do país”.
O professor Oreiro declarou que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva significará “a vitória da civilização contra a barbárie” e afirmou que, na questão econômica, o governo Lula e Alckmin precisa “se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo”, defendeu Oreiro.
Leia a entrevista na íntegra.
HORA DO POVO – O governo Bolsonaro alega que com seu governo a economia do país está indo bem. Qual a sua avaliação sobre o atual quadro econômico do Brasil?
JOSÉ LUIS OREIRO – Quando a gente olha o conjunto da obra – o governo Bolsonaro começou em 2019 -, a gente observa que o crescimento da economia brasileira durante o governo Bolsonaro foi pífio. Foi mais baixo do que no governo de Michel Temer, que por sua vez foi mais baixo que no governo Dilma Rousseff, que por sua vez foi muito mais baixo que o governo Lula. Isso apesar da reforma da Previdência, que diziam que ia fazer e acontecer, etc, etc. O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano, na média, isso considerando que o crescimento de 2022 deve ser em torno de 2%. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Com 0,2% de crescimento da renda per capita vai levar exatamente 144 anos para o Brasil dobrar a sua renda per capita. Então, o desempenho econômico é pífio.
“O Brasil teve um crescimento muito ruim, na média, de 1% nesse período do governo Bolsonaro. Um por cento ao ano de crescimento médio é 0,2% de crescimento da renda per capita. Um desempenho econômico pífio”
O problema é que o governo Bolsonaro está explorando os últimos três ou quatro meses em que a inflação caiu, devido às medidas eleitoreiras e insustentáveis que o governo Bolsonaro adotou, como, por exemplo, a redução do ICMS sobre os combustíveis, a redução do IPI sobre Combustíveis e também sobre eletricidade. Quer dizer, só a redução dos impostos estaduais e federais custa por ano mais de R$ 150 bilhões, evidente que esse dinheiro vai ter que ser devolvido aos Estados no ano que vem. Os Estados não podem ficar sem essa arrecadação. Então, é uma medida puramente eleitoreira. Quando a gente soma essa redução de impostos, não é possível mantê-la, é exatamente o mesmo erro que nós vimos lá em 2013, no governo Dilma Rousseff. Então, Bolsonaro está se comportando igualzinho a Dilma. Quando a gente soma isto (a redução de impostos) com o Auxílio Brasil de R$ 600 até dezembro, você dá um estímulo fiscal importante para a economia. E, por fim, a guerra da Ucrânia, para o Brasil não está sendo ruim, porque o Brasil é um exportador de commodities, principalmente de soja e de carne, e com a guerra da Ucrânia os preços dessas commodities aumentaram, o que gerou mais renda para o agronegócio. Então, esses últimos seis meses foram de boas notícias para a economia, mas isso não é mérito do governo Bolsonaro, pelo contrário, é uma melhoria artificial da situação econômica, cujo objetivo é apenas reeleger o Bolsonaro. Nesse aspecto é similar à reeleição de Fernando Henrique em 1998, segurou o câmbio até ganhar as eleições, depois que ele ganhou as eleições soltou o câmbio. A mesma coisa vai acontecer com os preços dos combustíveis.
“Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso”
Se Bolsonaro ganhar as eleições, o que eu acho muito pouco provável, o que vai acontecer? No ano que vem vai voltar tudo o que era dantes na terra de Abrantes. Ou seja, a gasolina vai voltar a R$ 7, os alimentos vão voltar a subir, e ele vai manter o Auxilio Brasil em R$ 400, ele não vai aumentar para R$ 600. Ele não tem nenhuma razão para aumentar para R$ 600, Bolsonaro nunca gostou de pobre, ele odeia pobre. Só aumentou de R$ 400 para R$ 600 para ver se tirava um pouco da vantagem do Lula no Nordeste, é só isso. Uma vez que sacramentar o resultado, fechar as urnas, e Bolsonaro é eleito, ele vai simplesmente fazer o que sempre fez, que é não dar a mínima para os pobres.
HORA DO POVO – Em caso de uma possível vitória de Bolsonaro, quais são suas perspectivas de futuro para o Brasil e para economia?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória de Bolsonaro vai ser um desastre. Por quê? Bolsonaro não tem nenhum comprometimento com a questão ambiental, pelo contrário, durante o governo Bolsonaro houve um aumento exponencial das queimadas ilegais no Brasil e isso vai continuar. Isso significa que o Brasil vai ser extensamente retaliado pela União Europeia e pelos Estados Unidos na questão ambiental. Isso significa que o agronegócio brasileiro vai sofrer um profundo baque, e não adianta a gente achar que “não, a China é nosso principal parceiro comercial”. Sim, a China é, mas a União Europeia é o segundo. Então, as sanções econômicas que vão ser adotadas pela União Europeia e pelos Estados Unidos contra o Brasil vão produzir um baque muito grande no agronegócio, e esses mesmos empresários do agronegócio que hoje acham que é melhor votar no Bolsonaro no que Lula vão chorar sangue pela escolha errada, míope e burra que estão fazendo pelo projeto de Bolsonaro, que é insustentável do ponto de vista ambiental.
Segundo ponto, Bolsonaro não tem nenhum projeto de país. Ele mostrou isso em quatro anos. A indústria de transformação está com o percentual mais baixo no PIB desde 1947 e, note lá, continuou caindo no governo Bolsonaro que não fez nada pela indústria. O Paulo Guedes (ministro da Economia) disse que ia salvar a indústria, porque ia dar um choque de redução de custos de eletricidade, etc. O que aconteceu? Nada. O nosso processo de desindustrialização prematura continuou de vento em popa com o governo Bolsonaro, que não está minimamente preocupado com a indústria. Bolsonaro não está preocupado com nada, só com seu próprio umbigo e com seus familiares, isso é a única coisa que Bolsonaro se preocupa.
Outra coisa que vai ser um desastre, vai ser a política de Ciência e Tecnologia. O orçamento da Ciência e Tecnologia foi destruído no governo Bolsonaro e agora, principalmente, em 2022 por conta do “orçamento secreto”. Para poder bancar as emendas parlamentares, o Presidente da República praticamente zerou os recursos disponíveis para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Como que um país como o Brasil, que está muito atrasado tecnologicamente, vai conseguir se desenvolver sem ciência e tecnologia? É outro descalabro do governo Bolsonaro. Bolsonaro quer um país primitivo, pobre, atrasado, ignorante, porque só com esse país que ele consegue governar. Porque se o país for um país avançado, aberto ao exterior, etc., Bolsonaro perde, em qualquer cenário.
“Temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente”
Idem para a questão da Educação, Bolsonaro odeia a Educação, porque é uma pessoa muito pouco letrada. O que o governo Bolsonaro fez com as universidades federais é inenarrável. Quantas universidades federais o governo Bolsonaro fez? Ele só fez uma, que é a Universidade Federal de Jataí. Mas, na verdade, não é uma universidade nova. O campus de Jataí da Universidade Federal de Goiás foi convertido em uma nova Universidade, chamada de Universidade Federal de Jataí. Foi a única universidade que Bolsonaro fez. É inacreditável. Nós temos um Presidente da República que não se importa com a educação, que não se importa com a ciência e tecnologia, que não se importa com a desindustrialização, que não se importa com a preservação do meio ambiente. Ou seja, não se importa com nada. Bolsonaro, se for reeleito, é a destruição do país, é o caminho para este país se transformar numa Venezuela ou coisa pior.
HORA DO POVO – Em caso de vitória de Lula, quais são as suas perspectivas e, na sua avaliação, que medidas seriam necessárias para tirar o país da crise?
JOSÉ LUIS OREIRO – A vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva significa a vitória da civilização contra a barbárie. Isso eu tenho dito desde o início do ano quando eu declarei meu voto em Lula, apesar de ter uma preferência pelo projeto de governo do candidato Ciro Gomes. Eu avaliei que esta eleição não era um plebiscito sobre o novo desenvolvimentismo, sobre as minhas ideias, mas sim um embate entre a civilização e a barbárie. Por isso, desde janeiro de 2022 eu declarei publicamente o meu voto em Luiz Inácio Lula da Silva, e agora com o vice-presidente, o ex-governador Geraldo Alckmin. Então, eu acho que esse é o primeiro significado, a vitória da civilização contra a barbárie.
“Orçamento secreto, tem que acabar, é a legalização da corrupção”
Agora não vai ser um governo fácil. O presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin vão encontrar não só um Congresso extremamente conservador, mas um Congresso que está bem cevado com o “orçamento secreto” e isso tem que acabar, porque “orçamento secreto” é a legalização da corrupção. Isso tem que acabar. Em um ano, o orçamento secreto é muito mais dinheiro do que todas as estimativas de corrupção ocorridas ao longo de 13 anos do governo do PT.
Eu acho que o governo Lula e Alckmin vai precisar se comprometer com uma agenda de reindustrialização do país ao estilo do plano de metas do Juscelino Kubitschek. Recentemente fiz um post no meu blog fazendo propostas no sentido de reindustrialização do Brasil. Fora da indústria não há salvação. Se o Brasil não se industrializar estaremos condenados à pobreza. Essa tem que ser a agenda número um do governo.
ANTONIO ROSA