
Ataques a mulheres jornalistas nas eleições deste ano aumentaram 250% em setembro. Somente no referido mês, houve 28 registros de ataques às profissionais, um avanço de 250% em comparação com o mês anterior.
O levantamento, realizado pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), que apura ataques gerais e de violência de gênero contra jornalistas, identifica quase um caso de agressão por dia. O número representa um terço do total de ocorrências contra comunicadoras registrados em todo o ano e um aumento de 47,7% em relação a setembro de 2021.
A Abraj destaca que a maioria dos ataques está relacionada ao período eleitoral: 64,3% dos casos estavam diretamente ligados à cobertura eleitoral e metade das agressões tiveram a participação de agentes políticos e estatais. As abordagens violentas ocorrem em debates, entrevistas ou no acompanhamento das agendas de políticos.
Um dos casos de grande repercussão ocorreu durante o debate entre candidatos ao governo de São Paulo, promovido pela TV Cultura em 14 de setembro. Ao final do encontro, a jornalista Vera Magalhães, apresentadora do Roda Viva na Cultura, foi hostilizada pelo deputado Douglas Garcia (Republicanos), apoiador do presidente Jair Bolsonaro.
Durante a abordagem, Garcia reproduziu falas do presidente chamando Vera Magalhães de ‘vergonha para o jornalismo brasileiro’ (proferidas por Bolsonaro contra Vera no debate da Globo), além de reproduzir uma notícia falsa em relação a remuneração de Vera na TV Cultura.
No dia 6 de setembro, a jornalista Amanda Klein foi tratada de forma machista por Bolsonaro durante sabatina no “Jornal da Manhã”, da Jovem Pan. O presidente, que concorre à reeleição pelo PL, mencionou a vida pessoal da jornalista ao ser questionado sobre os imóveis comprados por seus familiares com dinheiro vivo. Depois do episódio, Klein passou a sofrer ataques de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais.
À seção Universa do UOL, a jornalista disse que ataques pela internet são comuns, mas vindo de pessoas em cargos públicos, especialmente de tamanha importância havia sido a primeira vez. “Com uma autoridade com o cargo alto como o dele, nunca havia acontecido. Talvez eu já tenha recebido uma resposta ríspida de político, mas que eu me lembre, foi dentro das regras do jogo”, disse. “Fiz meu trabalho.”
A violência verbal foi a tática mais utilizada para desmoralizar atacar a credibilidade das comunicadoras ao longo do mês. Em 67,9% dos episódios identificados em setembro, as profissionais sofreram com discursos preconceituosos. O papel das redes sociais para difusão de violências foi determinante: 64,3% do total de casos teve origem ou repercussão no ambiente online.
A jornalista Nina Lemos, colunista de Universa que também foi atacada no mês passado, ilustra bem essa tendência de ataques desencadeada na esfera virtual. As agressões desferidas contra ela aconteceram depois que Nina publicou uma coluna de opinião sobre a presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro no funeral da rainha Elizabeth.
O título do texto dizia: “Michelle Bolsonaro confunde funeral da rainha com desfile de moda”. Os ataques ganharam força depois que o deputado federal Eduardo Bolsonaro compartilhou uma piada depreciando a jornalista em suas redes sociais.
A partir disso, grupos bolsonaristas desencadearam uma onda de agressões e ameaças às redes sociais da colunista, com o envio de mensagens e imagens da campanha do presidente diretamente para o seu WhatsApp em número que não havia sido divulgado. “Fiquei muito assustada”, contou Nina.
O levantamento da Abraji mostra ainda que 21,4% dos alertas que atingiram mulheres em setembro de 2022 foram classificados como casos de ameaça, intimidação e/ou violência física. É o caso da repórter Lais Alegretti, da BBC Brasil, que foi uma das profissionais alvo de ofensas ao cobrir a visita do presidente Jair Bolsonaro a Londres para o funeral da rainha Elizabeth II.
Dos casos que vitimaram mulheres em setembro, 39,3% foram classificados como situações de transfobia, homofobia e comentários ou comportamentos claramente machistas também foram registrados. Dois deles foram caracterizados como episódios de violência sexual, com importunação sexual e ameaça de estupro.
Um caso que ilustra a transfobia (atitude discriminatória ou preconceituosa contra pessoas transgênero, cuja identidade de gênero difere do típico do seu sexo atribuído ao nascer). É o caso da jornalista Alana Rocha, de Riachão do Jacuípe (BA). Ela foi atacada por um vereador de sua cidade dentro da Câmara Municipal, durante a cobertura de uma sessão legislativa. No mesmo episódio, ela foi vítima de transfobia.
O estudo da entidade identificou que. de modo geral. houve crescimento das agressões contra jornalistas, meios de comunicação e imprensa. De acordo com a Abraj, 84 casos foram registrados em setembro, o que representa um aumento de 50% em relação a esse mesmo mês em 2021. De janeiro ao fim de setembro deste ano, foram registrados 418 ataques.
Antes mesmo das eleições, o presidente da República já havia manifestado violência de gênero contra profissionais da comunicação. Em 2020, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro fez um comentário de cunho sexual sobre a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S.Paulo.
“Ela queria dar o furo”, disse o presidente diante de um grupo de simpatizantes. Após uma pausa, Bolsonaro concluiu: “A qualquer preço contra mim”.
A fala ocorreu após um ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa por WhatsApp dizer, sem apresentar provas, que a jornalista teria tentado “se insinuar” sexualmente para ele em busca de informações.