“Estou vendo minha mãe sofrer”, disse Bruno, após a mãe acender o fogo com álcool para cozinha. “Acabou o gás e não tem muita comida”
“Acabou o gás e a gente não tem muita comida”, disse menino de 12 anos de Praia Grande, no litoral de São Paulo, ao pedir ajuda em um vídeo que ele mesmo publicou em uma página sobre a cidade no Facebook. O menino chamado Bruno Silva enviou a mensagem com vídeo na última terça-feira (18) mostrando as chamas do fogão da casa dele, logo após a mãe utilizar álcool para acender o fogo e cozinhar para ele e seus outros quatro irmãos. “Estou vendo minha mãe sofrer”, lamentou o menino.
A mãe de Bruno, Andréia Helena da Silva, que foi surpreendida pela postagem do filho, confirmou o drama que sua família está passando em entrevista ao portal G1. Ela explica que a falta de gás e de comida ocorre há cerca de três dias. Ela relatou que a situação financeira da família se agravou com a morte do marido que sustentava a casa. Andréia disse que teve que sair em busca de trabalho. Hoje, ela obtém renda de um trabalho na área da reciclagem. São R$ 6,50 por dia, mas não há garantia de trabalho todos os dias, já que não é sempre que chegam materiais a serem reciclados.
No dia em que utilizou álcool para acender o fogo, Andréia relata que quase ateou fogo em si mesma ao tentar acender a chama. Como toda mãe que faz tudo em prol de sua prole, ela afirmou não estar constrangida. “Eu sou mãe e vergonha, para mim, é deixar os meus filhos passando fome. O que eu puder fazer por eles eu vou fazer”, disse Helena da Silva, que perdeu o marido e pai das crianças em fevereiro deste ano.
Não bastasse as dificuldades para alimentação, a família, Silva enfrenta a ameaça de “despejo” da casa onde moram no Jardim Glória, em Praia Grande. Andréia explica que o proprietário do local vendeu o apartamento e ela e os cinco filhos precisarão sair da residência. “Não conseguimos pagar e agora teremos que sair. Não sei mais o que fazer”, disse a mãe.
Situações como essa têm tomado as páginas do noticiário brasileiro nestes últimos anos de governo Bolsonaro, em que a carestia dos preços dos alimentos e das demais despesas do dia a dia – como no caso do botijão de gás, que em 2018 podia ser encontrado ao preço de R$ 65,07, na média nacional, mas hoje está em R$ 110,62 – além do elevado nível de desemprego, empurraram milhões de brasileiros para situação de fome.
Em números absolutos, são mais de 125,2 milhões de brasileiros que sofrem com algum nível de insegurança alimentar, sendo que 33 milhões passam fome, segundo a pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), realizada entre novembro do ano passado a abril deste ano. Entre 2017-2018, eram 10,3 milhões de pessoas que viviam em domicílios com insegurança alimentar grave, segundo o IBGE.
Em meio à crise sanitária de Covid-19, uma reportagem do jornal Extra mostrou a triste realidade de pessoas formando fila na Zona Sul do Rio de Janeiro no aguardo de recolher ossos e sebos – sobras de supermercados -, distribuídos pelo ‘Caminhão de ossos’. O motorista do caminhão, seu José, comentou na época que as pessoas que antigamente catavam os restos de ossos com carne e sebo para darem para os cachorros, agora estão catando para matar a fome das suas famílias.
“Pedem para comer mesmo. A gente avisa que está meio estragado, que pode passar mal. Mas é assim mesmo. É triste meu irmão”, lamentou José Divino Santos, de 63 anos.
No Mercadão Municipal de São Paulo também se viu brasileiros com fome revirando caçamba de lixo no lado de fora do mercado, em busca de ossos de carne e sebos que foram deixados por açougues e restaurantes localizados no ponto turístico. Segundo um funcionário do Mercadão, o ponto sempre foi buscado por moradores em situação de rua para tentar conseguir alimentos que foram jogados fora, mas famílias com moradia que passam por dificuldades também começaram a aparecer no local em buscas das carcaças.
Apesar do auxílio Brasil de R$ 600 – turbinado pelo governo Bolsonaro na metade do ano de 2022, como forma de buscar a sua reeleição, o fantasma da fome segue atormentando o país. Nos últimos dois meses (agosto e setembro), o valor do benefício não conseguiu superar os custos da cesta básica em 12 das 17 capitais pesquisadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Mesmo nas cinco capitais com os preços médios das cestas básicas mais baratas, o valor supera os R$ 500. No final de dezembro, o valor do auxílio volta a ser de R$ 400.
Há pelo menos 7 meses que a inflação dos alimentos tem superado o índice geral de inflação oficial (IPCA). Em setembro, o grupo de alimentos e bebidas registrou alta de 11,71% no acumulado dos últimos 12 meses, com mais de 80 produtos alimentícios, o que representa metade dos itens pesquisados pelo IBGE do grupo, acima de 10%, enquanto o IPCA fechou o período em 7,17%.
Em um ano, a inflação da alimentação do domicílio chega a 13,28%, maior nível desde setembro de 2021, quando foi de 14,66%. Já a alimentação fora do lar acumula alta de 7,61%.
Além do drama da carestia, o mercado de trabalho brasileiro segue fragilizado. No final de agosto, o IBGE constatou mais de 9,7 milhões de pessoas em busca de emprego e outros 39,3 milhões na informalidade do trabalho, na sua maioria, brasileiros sobrevivendo dos famosos “bicos”, com jornada excessiva de trabalho e renda que muitas vezes não chega a um salário mínimo.
E Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, além de não reajustar os salários por 4 anos, deixaram vazar esta semana, que, casa reeleito, vai promover o maior arrocho da história usurpando os salários dos trabalhadores e dos aposentados, suspendendo o reajuste salarial pela inflação.