A delegada Elisabete Sato, da Polícia Civil de São Paulo, vai requerer à Jovem Pan a íntegra de uma gravação de vídeo que um integrante da equipe do candidato a governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pediu para apagar envolvendo o dia em que um tiroteio que interrompeu uma agenda do bolsonarista, em Paraisópolis, na zona sul da capital paulista.
O pedido de acesso ao conteúdo integral do vídeo foi feito por policiais ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). A polícia paulista investiga o episódio, mas a hipótese de atentado contra Tarcísio já foi descartada.
Um áudio obtido e divulgado pela a Folha de S.Paulo, na terça-feira (25), aponta que um integrante da campanha de Tarcísio teria pedido ao cinegrafista da emissora para apagar o vídeo.
O cinegrafista da Jovem Pan e outros profissionais da imprensa foram levados para um prédio utilizado pela campanha de Tarcísio. Segundo a Folha, o profissional foi indagado sobre quais imagens ele havia registrado.
“Você filmou os policiais atirando?”, pergunta um membro da campanha do candidato do Republicanos. “Não. Trocando tiro efetivamente, não. Tenho tiro da PM pra cima dos caras”, diz o cinegrafista.
O integrante da campanha pergunta ainda se havia imagens das pessoas que estavam no local e, na sequência, afirma, dirigindo-se ao cinegrafista: “Você tem de apagar”.
Naquele momento, ainda segundo o jornal, o vídeo já havia sido encaminhado à Jovem Pan. A emissora exibiu as imagens pouco depois.
Em nota, a Jovem Pan confirmou que “exibiu todas as imagens feitas durante o tiroteio”. “O trabalho do cinegrafista permitiu que a emissora fosse a primeira a noticiar o ocorrido no local. Não houve contato da campanha do candidato Tarcísio com a direção da emissora com o intuito de restringir a exibição das imagens e, por consequência, o trabalho jornalístico”, diz o comunicado da emissora.
Após a repercussão do caso, a campanha de Tarcísio informou que “um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista da Jovem Pan se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte do vídeo para não expor as pessoas que estavam lá”.
“Nunca houve nenhum impedimento por parte da campanha em relação a isso. Qualquer afirmação que questione isso é uma mentira”, diz a nota.
De acordo com reportagem do portal ‘Intercept’, foi um agente licenciado da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que mandou o cinegrafista apagar as imagens de um tiroteio em Paraisópolis. Fabrício Cardoso de Paiva é atualmente assessor da campanha a governador do ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas, do Republicanos. Ele também ocupou cargo de nomeação política, a convite de Tarcísio, no Ministério da Infraestrutura desde o início do governo Bolsonaro.
Segundo o portal, a identificação foi confirmada ao Intercept por uma fonte que trabalha no governo e a voz de Paiva também foi reconhecida por ex-colegas de trabalho.
HADDAD DEFENDE APURAÇÃO DO CASO
Adversário de Tarcísio no segundo turno da disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, Fernando Haddad (PT) criticou o ex-ministro pela suposta ordem de sua campanha para que o vídeo fosse apagado.
“Como é um áudio que foi confirmado pelo meu adversário, é grave. Precisa apurar a responsabilidade porque isso é crime”, acusou o petista. “Se você presenciou um crime, qual é a atitude correta? Preservar os elementos para a investigação. Se você vai destruir os elementos para que o investigador consiga refazer o crime, você está obstruindo a Justiça. É muito grave, e essa é uma prática típica de milícia.”
TENTATIVA DE CENSURA, DIZ FENAJ
A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) também repudiou o episódio e afirmou que o pedido para apagar o vídeo “é claramente uma tentativa de censura e um atentado à liberdade de imprensa”.
“Não há base legal para a ação dos membros da campanha do candidato. A Fenaj espera que o candidato venha a público manifestar-se em favor do livre exercício do jornalismo e informar a sociedade sobre as medidas tomadas no âmbito da sua campanha”, diz a nota da instituição.
Na hora do tiroteio, Tarcísio participava da inauguração de um polo universitário em Paraisópolis. De acordo com relatos de testemunhas, foram ouvidos pelo menos 20 tiros nas imediações.
Após o tiroteio, Tarcísio teve de deixar o local escoltado por seguranças e policiais – ninguém de sua equipe ficou ferido. As autoridades confirmaram que um homem de 27 anos foi morto. Ele tinha duas passagens pela polícia, por roubo.
FRAUDE PROCESSUAL
O portal UOL aponta que policial militar que participou do tiroteio em Paraisópolis disse que adulterou a cena do crime alegando temer que objetos fossem retirados do local por outras pessoas.
Em depoimento dado à Polícia Civil, um tenente da PM que teve o fuzil apreendido após participar do confronto em Paraisópolis confirmou ter alterado a cena do crime.
Ele disse ter recolhido cartuchos, estojos, carregador de pistola, coldre, um celular e um relógio do local, “afirmando que seria para que não fossem perdidos ou subtraídos por populares”, segundo consta em boletim de ocorrência registrado do caso.
O policial militar disse ainda ter sido um dos primeiros a chegar no local, por volta das 9h45, para determinar o patrulhamento de viatura nas imediações do local onde ocorreria a agenda da campanha de Tarcísio. Em seguida, agentes à paisana ficaram no local.
Uma hora depois, os PMs registraram suspeitos em uma moto filmando a viatura descaracterizada usada por eles. Em seguida, os criminosos retornaram com outros homens armados, dando início ao confronto, de acordo com o depoimento dos policiais militares.
Para o perito criminal aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal, Cássio Thyone Almeida de Rosa, a adulteração do local configura fraude processual. “Essa alegação [de retirada de estojos e cartuchos para evitar subtração por parte de moradores] é uma forma de justificar adulteração da cena do crime. Mas, se há esse risco, o policial primeiro precisa justificar por que os seus procedimentos de preservação do local não foram realizados”, argumenta o analista, que integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo ele, a ação do policial militar prejudica o trabalho da perícia. “É uma ação que não está nos protocolos e enfraquece o laudo de exame de local, uma vez que não vai ser possível traçar a dinâmica do que aconteceu ali. Vai ser feita apenas a análise de objetos desconectados da cena do crime”.